*Início da série sobre as principais cenas de startups do Brasil; ao longo das próximas semanas, além de Belo Horizonte, visitaremos Recife, Florianópolis e São Paulo para entender o que move os polos de novas empresas de tecnologia
BELO HORIZONTE – Depois de semanas encontrando outros empreendedores de tecnologia ao acaso pelas ruas de São Pedro, bairro de Belo Horizonte, os empreendedores Mateus Bicalho, Diego Gomes e mais alguns amigos concluíram: “Isso aqui está parecendo o Silicon Valley”, em referência ao nome em inglês do Vale do Silício. Da constatação para a piada foi um pulo. “Estamos em San Pedro Valley”, decretaram.
Foi a brincadeira que mudou o futuro da região para sempre. Hoje, empresas de toda Belo Horizonte dizem pertencer a “San Pedro Valley”, slogan que tornou a comunidade local uma das mais conhecidas do País – e também internacionalmente. No ano passado, San Pedro Valley foi eleita a melhor comunidade para startups no Brasil pelo prêmio Spark Awards, uma espécie de Oscar das startups.
A região virou um centro efervescente de novos negócios de tecnologia, onde a proximidade e a troca de experiências entre os empreendedores ajudou o número de startups a crescer de cerca de 60 negócios em 2011, para 227 atualmente.
“Nunca imaginamos que a nossa brincadeira com o nome do bairro viraria slogan”, relembra Bicalho, hoje à frente de uma das startups mais bem-sucedidas da região, a Hotmart, que é apoiada pela Koolen & Partners, fundo de investimento do holandês Kees Koolen, fundador da Booking.com.
Quando recebeu a visita do Estado, a equipe da Hotmart tinha acabado de concretizar sua terceira mudança de escritório em três anos e agora ocupa dois andares em um prédio comercial na Savassi, bairro vizinho de São Pedro. Um espaço grande o suficiente para dobrar o tamanho da equipe, hoje de 41 pessoas.
Criar uma comunidade forte de startups é um dos requisitos principais para se criar um polo reconhecido e inovador como o dos EUA ou Israel, especialmente em um país como o Brasil, onde o déficit educacional dos empreendedores é um dos principais problemas. Nesse contexto, Belo Horizonte tem assumido a dianteira no País, apesar de não ter um mercado tão desenvolvido quanto o de São Paulo ou oferecer acesso fácil a investidores de capital de risco.
“Não é porque Nova York é a maior cidade dos EUA que hoje ela é o principal polo de startups dos EUA”, diz Alan Leite, diretor da Startup Farm, programa itinerante que oferece apoio gratuito para transformar ideias em novos negócios e que ajudou a formar dez novas empresas em San Pedro Valley em sua última edição. “Uma das coisas que favorecem o sistema local é a densidade.”
A maioria das startups da região ainda está em estágio inicial, e, por isso, é difícil medir o impacto delas na economia local. O que prova o potencial de Belo Horizonte é o rápido crescimento de alguns negócios e o profissionalismo das startups que aproveitaram o clima interiorano para criar um grupo unido que tenta resolver seus problemas pela troca experiências.
Em San Pedro Valley, os donos de startups estão conectados por um grupo no WhatsApp e pelo Slack, um sistema de comunicação corporativa criado por uma iniciante do Vale do Silício. Qualquer novato pode entrar no grupo e pedir conselhos para os mais experientes, incluindo para expoentes do mercado brasileiro como Gustavo Caetano, fundador da Samba Tech e considerado pelo Massachussetts Institute of Technology (MIT) um dos jovens mais inovadores do Brasil.
Incentivo
Caetano fundou a plataforma de vídeo online Samba Tech, uma espécie de YouTube para empresas, em 2005, quando o grupo que hoje forma o San Pedro Valley nem sonhava em existir. “Eu queria ter uma empresa flexível e divertida, mas não fazia ideia do que era uma startup”, conta, do quinto andar do BH.Tec, parque tecnológico de Belo Horizonte, para onde se mudou há dois anos.
O prédio está estrategicamente posicionado em frente à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), líder no ranking do Enade nos últimos dois anos na área de ciências da computação, e responsável por abastecer a mão de obra das startups da região.
Ali, Caetano construiu a sede da Samba Tech, inspirada em empresas de tecnologia americanas. Além da cozinha com frutas e refeições gratuitas, a Samba Tech tem mesa de sinuca e videogame para os 41 funcionários brincarem à vontade. A companhia não divulga dados financeiros, mas em entrevista ao Estado no ano passado, Caetano projetou um faturamento de R$ 40 milhões para 2014.
O que inspirou Caetano a embarcar no mercado de startups foi a aquisição, em 2005, da empresa mineira de tecnologia Akwan pelo Google. Desde então, a gigante das buscas instalou um centro de pesquisa e desenvolvimento em Belo Horizonte e chamou a atenção de investidores para a região.
Foi só a partir de 2011 que a cidade até então conhecida como um polo de empresas de biotecnologia (o que continua até hoje) começou a abrigar uma nova geração de startups que adotavam a metodologia “Lean”, popular no Vale do Silício, que prevê gestão enxuta e o desenvolvimento de negócios escaláveis no curto prazo.
Caetano formou dentro de casa alguns dos novos empreendedores que hoje tem seus próprios negócios na região, como Diego Gomes, que ajudou a criar o nome San Pedro Valley e hoje é cofundador da empresa de marketing digital Rock Content. “O Diego é nossa referência em vendas. Todo estagiário que entra na Samba Tech vai passar uma semana na Rock Content para aprender a vender com ele”, conta Caetano.
“Nós não competimos. Para nós, quanto mais informações a gente compartilha, mais vamos nos fortalecer e crescer como ecossistema”, diz Vitor Peçanha, sócio de Diego.
Integração
A Rock Content está espremida em uma casa no bairro de Santo Antônio, de onde a companhia vai se mudar nos próximos dias porque o espaço já não comporta seus 65 funcionários. “Mudamos para cá em junho com um plano de dois anos de estadia e em dezembro já não cabia mais gente”, diz Peçanha. A startup cria conteúdo para blogs corporativos e acumula grandes clientes como a Porto Seguro e a faculdade Anhembi Morumbi.
Já a Sympla está exatamente na intersecção entre o San Pedro Valley e a Savassi, o bairro “bacana” e “cool” de Belo Horizonte. É pelo fato de o aluguel ali ser caro que muitas empresas resolveram literalmente atravessar a rua e abrir seus escritórios em São Pedro.
A startup, criada em 2012, é desenvolvedora de uma plataforma de venda de ingressos, inscrições e gestão de eventos e viu uma enxurrada de competidores chegarem ao mercado na sequência da sua estreia. Apesar de sediada em uma cidade menor, a companhia prosperou. Hoje a Sympla diz movimentar 1 mil eventos simultâneos, número maior do que de empresas como a Ingresso.com. Este ano, deve processar R$ 35 milhões em operações.
“Aqui é mais fácil encontrar mão de obra qualificada, a disputa é bem menor”, diz Rodrigo Cartacho, cofundador da empresa. Para ele, a rede de conexões da BH compensa as deficiências da cidade. “Aqui se faz fogo e não fumaça. Os empreendedores estão preocupados em desenvolver os seus negócios e compartilhar conhecimento.”
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