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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|John McAfee foi um gênio perturbado

Empresário é o pai da ideia do 'freemium', mas era um homem profundamente desequilibrado

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Além de fundador da empresa de cibersegurança que leva seu sobrenome, John McAfee foi investigado por envolvimento com assassinato e se candidatou à presidência dos Estados Unidos Foto: Darrin Zammit Lupi/Reuters - 1/11/2018

John McAfee, que foi encontrado morto nesta quarta-feira aos 75 anos, é uma figura fundamental na história do mundo digital. Ele inventou softwares antivírus e, com eles, também todo um modelo de negócios. De certa forma, é o pai da ideia do freemium – ofereça algo gratuitamente para vender ali na frente.

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Era também um homem profundamente desequilibrado, cujas características pessoais fizeram sua fortuna e o levaram à morte. Virou pária, suspeito de assassinato e tráfico de drogas, um fugitivo pelo planeta, milionário com passagens por bem mais do que uma prisão do mundo, um gênio matemático obcecado com armas, casado com uma garota de programa décadas mais jovem. Nos últimos anos, vivia num iate, em águas internacionais, com a mulher mais tripulação. No fim, desistiu de correr.

McAfee havia abandonado um doutorado em matemática, em 1968, e por anos se sustentara vendendo assinaturas de revistas. O discurso era sempre o mesmo: as pessoas haviam ganhado uma assinatura gratuita. Precisavam só pagar um valor módico para os custos de Correios. Aí, com já mais de uma passagem pela polícia por uso de drogas, falsificou o currículo e convenceu a Estrada de Ferro do Missouri a contratá-lo. A empresa tinha um computador IBM que deveria produzir escalas de trem – mas ninguém conseguia fazer com que funcionasse. McAfee fez a coisa rodar. Era, ainda, o tempo dos cartões perfurados, computadores sem monitor que ocupavam pequenas salas. Foi bem até o dia em que se perdeu numa viagem de alucinógenos e não soube explicar por que programara trens para a Lua.

Os anos 1970 e 80 foram todos assim – LSD, cocaína e muito álcool, empregos interrompidos porque não conseguia se manter organizado. Mas mantinha brilho ao mesmo tempo que vivia à sombra constante do pai. Ele também alcoólatra, que batia no menino e na mulher, até cometer suicídio quando John tinha 15 anos. No entanto, McAfee tinha dois talentos inatos: a matemática voltada para computadores e uma incrível habilidade de vendas.

Em 1986, começou a circular o primeiro vírus escrito para computadores pessoais que rodavam no MS-DOS, da Microsoft. Sozinho em casa e perdido no mundo de sua cabeça, McAfee escreveu o primeiro software antivírus. E o distribuiu gratuitamente em grupos de usuários de computador com a intuição de que levariam para suas empresas. As pessoas físicas usariam de graça, as empresas pagariam. Já era milionário dois anos depois. E o discurso de venda paranoico, alertando para um altíssimo risco que os vírus do tempo quase nunca tinham, lubrificava o modelo. Em 1995, repassou o comando da empresa, manteve as ações e se aposentou.

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Até a virada do século, a irregularidade de sua vida era pouco conhecida e ele parecia um dos muitos fundadores de startups do Vale do Silício, homem sábio que outros procuravam. Mas aí os inimigos internos voltaram. Primeiro, por esportes radicais que flertavam com o fim da vida — até que um sobrinho morreu num acidente de ultraleve.

Mudou-se em 2010 para Belize, onde se isolou numa mansão, colecionou armas pesadas, se fez circundar por mulheres jovens, e as drogas voltaram com tudo. Foi acusado de estuprar uma sócia, de assassinar o vizinho, de contratar como capangas criminosos procurados. Fugiu para a Guatemala, celebrou seu último casamento. Foi preso por períodos breves e por suspeitas diversas em inúmeros países. Estava preso na Espanha desde outubro, quando a Justiça do país definiu que seria extraditado para os EUA. Aí, não quis mais e parece ter seguido o exemplo do pai.

*É JORNALISTA

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