Enquanto a maioria dos negócios de foodservice investiu na parceria com grandes startups de entrega para alavancar as vendas durante a pandemia do novo coronavírus, há quem tenha preferido um caminho alternativo — o do aplicativo próprio de delivery. Estreitar a relação com os clientes, garantir que o pedido chegue intacto e reduzir custos, já que as taxas cobradas pelos marketplaces podem abocanhar até 30% do valor da venda, estão entre as principais motivações dos que apostaram nessa tecnologia.
Apesar das vantagens oferecidas por plataformas como iFood, Rappi e Uber Eats, como baixo custo de adesão, visibilidade e uma grande base de clientes, há aspectos que incomodam. Um deles, segundo Geison Correa, cofundador e CEO da GrandChef, que desenvolve soluções de tecnologia para o setor, é a perda de personalidade da marca. “Quantas vezes você já perguntou sobre uma boa comida e a pessoa responde que pediu no iFood?”, exemplifica.
Ele também cita problemas como a concorrência acirrada, com diversas marcas anunciando lado a lado na tela, e a dependência da plataforma, que vai desde mudar informações sobre os produtos até perder o canal de vendas caso o marketplace encerre as atividades. Os apps próprios seriam uma forma de eliminar esses obstáculos e aumentar a margem de faturamento do delivery, de acordo com o empresário.
“Com a ferramenta, os donos de bares e restaurantes podem fidelizar seus clientes sem pagar comissão por pedido, apenas uma assinatura mensal, sem custos adicionais”, aponta.
Trabalhando somente com app próprio, a padaria virtual Filone entregou 40 mil itens nos últimos 6 meses nas cidades em que atua (Rio de Janeiro, Niterói e São Paulo). Inicialmente, o delivery era feito apenas pelo time interno, mas o aumento da demanda na pandemia (que quadruplicou o faturamento nas duas capitais) levou os sócios a buscarem parcerias com empresas especializadas em entregas para complementar a equipe.
“Acredito que a vantagem seja um maior controle do negócio e da marca”, afirma o sócio Felix Opitz. Para ele, poder fazer as coisas no próprio tempo e ouvindo o time que está diariamente na operação faz toda a diferença. “Acho que assim contamos a nossa história e criamos uma conexão emocional maior com o público que se identifica com a gente”, diz.

A solução caiu como uma luva também para o chef-pâtissier Cesar Yukio, que investiu R$ 5 mil para desenvolver um aplicativo, criar caixas e embalagens adequadas, adaptar placas de gelo às bags de isopor e estruturar a logística de entrega da Hanami Confeitaria, especializada em doces japoneses. Ele explica que as grandes plataformas atendem bem estabelecimentos que finalizam os produtos na hora, mas que a realidade da confeitaria é diferente.
“É difícil você ter um bolo inteiro finalizado para enviar em menos de 10 minutos”, explica o chef, ressaltando que os maiores players do mercado também não permitem agendamento de pedidos com mais de uma semana de antecedência. Na ponta do lápis, mesmo com os novos custos, o delivery ficou 30% mais barato para o negócio com a adoção do app próprio.
O cuidado com a apresentação do produto também foi fator decisivo na decisão de Yukio, que contratou três motoboys para fazer as entregas durante a semana e um adicional nos finais de semana. “Não há riscos de o doce chegar desmontado ou o bolo torto por conta do treinamento que fazemos”, afirma.
Outro ponto elogiado pelos clientes, segundo ele, é o tratamento diferenciado que os entregadores da Hanami oferecem. O chef credita o sucesso à forma de trabalhar, que suavizou a rotina desses profissionais. “Como pagamos um fixo mais as entregas, eles não precisam ficar se expondo ao risco de fazer muitas viagens no mesmo dia para conseguir uma boa comissão.”

Empresas parceiras
Uma rede que já nasceu com app próprio e pretende expandir baseada no sistema é a The Waffle King, que trabalha com o modelo “to go” entre suas modalidades de franquias. Integrado ao sistema de gestão, o aplicativo pode ser baixado para Apple ou Android e oferece as opções de entrega ou retirada.
Presentes em sete Estados e no Distrito Federal, as lojas da rede trabalham a logística de acordo com o mercado da região — algumas contratam equipe própria de entregadores, outras contam com empresas especializadas para levar os pedidos aos clientes.
Para quem não considera incluir entregadores na folha de pagamento — ou não pode arcar com essa despesa —, a solução é terceirizar o serviço. É o caso do HM Food Café, que acaba de lançar um aplicativo próprio com o objetivo de criar uma cadeia de operação mais justa.
“A estrutura logística era nossa maior preocupação”, conta o sócio Hesli Carvalho, que esbarrou em questões de preço e qualidade até escolher uma empresa parceira que aliasse os dois quesitos, facilitando a resolução de problemas. “Temos os contatos dos entregadores e falamos com eles a todo momento”, explica o empresário, dizendo que contam com mapas que mostram a localização da entrega em tempo real e sistema de favoritar os melhores prestadores de serviços.
Apesar de estar também no iFood e no Rappi, o café já faz 10% de suas vendas via aplicativo próprio. “O grande diferencial é a interação com os clientes, pois eles podem mandar o feedback pelo app ou ligar e qualquer problema é resolvido na hora”, avalia.

Conscientização e sobrevivência financeira
Sócia do Tasty Salad Shop, que tem seis unidades em Curitiba e inaugurou sua primeira loja em São Paulo no ano passado, a empresária Patricia Lion conta que a operação de delivery próprio da rede começou em um esquema bem "homemade", com os pedidos chegando por WhatsApp.
“Fomos dando um passinho de cada vez até desenvolver o site”, explica. “Os números ainda são pequenos (comparados às vendas via outros apps), mas entendemos que é um pensamento a longo prazo para fazer uma migração mais robusta.”
Para criar o site, a rede buscou parceria com a Accon, empresa que oferece uma configuração de interface com a qual os clientes já estão acostumados. A empresária fala que a principal vantagem tem sido formar uma base própria de clientes e ter relação com eles, além dos custos mais baixos para o negócio, que permitem praticar preços menores também para o consumidor final. “Criamos ainda um clube de fidelidade em que a pessoa pontua e troca por produtos depois”, afirma.
Lion diz que a prática dos marketplaces de aplicar taxas gratuitas de entrega a alguns pedidos é um fator que ainda prejudica bastante. “Sinto que os clientes acabam não percebendo a importância de priorizar os sistemas de delivery próprios para a saúde financeira dos restaurantes”, analisa.
“A conveniência dos apps grandes e a cultura da taxa grátis vão no sentido contrário da nossa recuperação e a conscientização do cliente é a única maneira de fazermos isso.”
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