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Aécio diz que PSDB deve endurecer na oposição a Lula: ‘Não dá para ficar nesse nem-nem’

Após ser absolvido de acusações de corrupção, deputado retorna à cena política, anuncia criação de núcleo de avaliação e acompanhamento dos programas da gestão petista e pode ser candidato a governo de Minas, em 2026

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Foto do author Vera Rosa
Foto do author Monica  Gugliano
Por Vera Rosa e Monica Gugliano
Atualização:
Entrevista comAécio NevesDeputado federal

BRASÍLIA – Alvejado pela Lava Jato e por denúncias de corrupção no caso JBS, o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) ressurgiu na cena politica com uma barba grisalha e forte discurso contra o governo Lula depois da sentença judicial que o absolveu das acusações. Em seu gabinete da Câmara, onde desponta uma imagem de São Francisco de Assis na parede, Aécio disse que o PSDB, apesar de “destroçado” e “menorzinho”, precisa se apresentar desde já como alternativa de poder para as próximas eleições.

“Temos de endurecer o discurso oposicionista. Não dá para ficar nesse nem-nem, que ninguém sabe o que é”, afirmou Aécio ao Estadão, numa referência à retórica daqueles que não querem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e muito menos seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL).

Aécio foi tietado e posou para selfies em ato do PSDB, no último dia 24 Foto: Eduardo Gayer

Em meados deste mês de setembro, o partido que já foi um dos maiores do País e hoje amarga a falência política vai criar um núcleo de avaliação e acompanhamento dos programas lançados no terceiro mandato de Lula. “Tentaram nos matar, mas não conseguiram. Estamos vivos”, avisou o deputado. “Fui abatido por essas denúncias e hoje me sinto mais leve (...). Não me curvei.”

Aécio era senador e presidente do PSDB quando, em 2017, foi acusado de pedir propina de R$ 2 milhões a Joesley Batista, um dos donos da JBS, em troca de favores no Congresso. Em julho, porém, o Tribunal Regional da 3.ª Região (TRF-3) manteve sua absolvição por unanimidade.

“Talvez, se o PSDB tivesse na época um porcentual da coragem que tem o PT de defender os seus, as coisas seriam diferentes”, disse Aécio. “Mas eu não olho para trás.”

O sr. foi presidente da Câmara, governador de Minas, senador e candidato ao Palácio do Planalto, em 2014. Tinha uma carreira em ascensão. Como se sentiu sendo acusado de corrupto?

Foi muito dolorido na vida política e pessoal. Depois de vários episódios veio Bolsonaro, com o atraso que significou para o Brasil, e agora o retorno do PT. 2014 foi um momento de inflexão. O resultado daquela eleição mudou a história do Brasil, que de virtuosa passou a ser dramática. Eu não me curvei. Sempre acreditei que o tempo resolveria isso. Fui abatido por essas denúncias infames e hoje me sinto mais leve para ajudar o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que é nossa potencial alternativa presidencial em 2026, a dizer para o Brasil que existe possibilidade de termos um projeto diferente desses dois que estão colocados hoje. Eu não me curvei.

O sr. não faz uma autocrítica?

Eu faço uma autocrítica com todo aquele episódio que me marcou muito. Na conversa que eu tive com aquele cidadão (Joesley Batista), eu estava sentado na cabeceira da minha cama e usei termos dos quais me arrependo. Quando eu ouço, nem me identifico com eles. Mas em momento algum ali houve qualquer ilegalidade. Eu me arrependo mais ainda de não ter feito mais esforço para ganhar as eleições de 2014 porque eu teria mudado a história do Brasil.

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O ex-chanceler Aloysio Nunes foi vice na sua chapa, em 2014, e hoje faz severas críticas ao rumo tomado pelo PSDB. Ele disse ao Estadão que o PSDB não serve mais para nada, nem para oposição. O sr. concorda?

Ele devia estar meio mal-humorado nesse dia (risos). Eu concordo com quase tudo o que diz o Aloysio, um dos meus amigos mais fraternos, e ele tem todo o direito de extravasar suas opiniões. O PSDB foi destroçado. O ‘seu’ João Doria (ex-governador de São Paulo) foi um tsunami na vida do PSDB. Nós, hoje, estamos vivendo as consequências daquilo. Doria até pode, na sua ingenuidade política, ter achado que seria candidato à Presidência, mas nunca seria. Ele estava, na verdade, impedindo que o PSDB tivesse uma candidatura.

Por quê?

Por uma razão simples: a candidatura presidencial dele inviabilizaria a do vice-governador Rodrigo Garcia em São Paulo. O desgaste do Doria era tão grande que puxaria o Rodrigo para o fundo do poço. No momento em que ele desistiu de ser candidato à Presidência e resolveu ficar no governo para concorrer à reeleição, foi ameaçado até de impeachment por seus companheiros. E qual a consequência disso? O PSDB deixou de ser uma alternativa. Acabamos apoiando a Simone (Tebet, hoje ministra do Planejamento). É uma figura séria, minha amiga, mas qual foi o passo seguinte do MDB? Ir para o governo do PT.

Mas o sr. contribuiu para a derrocada do partido ao ser atingido por denúncias de corrupção. Na época, o sr. era presidente do PSDB e teve de deixar o cargo.

Todas as denúncias se mostraram falsas e foram desmascaradas. Talvez, se o PSDB tivesse na época um porcentual da coragem que tem o PT de defender os seus, as coisas seriam diferentes. Hoje passou, o partido se manifesta e eu não olho para trás. Eu sei o que fiz e deixei de fazer. O que existiu foi uma estratégia que tinha de tirar do caminho aqueles que ameaçariam um projeto político. Eu paguei um preço altíssimo, mas o Brasil também pagou.

O sr. critica o presidente Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff, mas eles também tiveram condenações arquivadas pela Justiça. Em que o seu caso é diferente?

Eu não cometi crime algum. Fui julgado inclusive na primeira instância, de onde todo mundo quer sair. Não tive nem foro privilegiado. E tive minha absolvição, por unanimidade, confirmada na segunda instância. Fui vítima de uma grande armação, orquestrada pelo representante maior do Ministério Público, com a participação de um procurador dublê de empresário, que era ‘seu’ Marcelo Miller, chefe da Lava Jato e ao mesmo tempo funcionário da JBS, conseguindo para eles a imunidade total.

O então senador Aécio Neves (PSDB-MG) dando entrevista após ser alvo de operação da Polícia Federal, em 2017.  Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

Antes, o sr. defendia a Lava Jato...

A Lava Jato começa denunciando os malfeitos do governo do PT, a corrupção ali estabelecida e confessada, com a devolução de recursos, mas se desvirtua no momento em que alguns procuradores se sentiram tão acima do bem e do mal que começaram a vislumbrar um projeto político próprio.

Mas o sr. acha que a população acredita que tudo foi um conluio?

Existia ali um conluio. Eu sei que as pessoas não gostam muito de entrar nisso, mas é o que aconteceu.

O sr. disse que Lula deveria reparar o Brasil dos prejuízos causados durante o governo Dilma, ao invés de pedir reparação pelo impeachment. Por quê?

A vida deu ao presidente Lula uma oportunidade extraordinária de escrever o futuro do Brasil, mas não de reescrever o passado. Quando fala em reparação, ele passa para a sociedade a péssima sinalização de que malfeitos cometidos pelos seus são desculpáveis. O governo Dilma foi trágico. Ela cometeu, sim, as pedaladas fiscais e, mais do que isso, paralisou o País. Foram três anos de recessão, mais de 12 milhões de desempregados, assalto na Petrobras e em fundos de pensão... Ela não foi cassada pela oposição. Foi cassada, principalmente, por sua própria base de apoio.

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Muitos dizem que, ao pedir uma auditoria dos votos, o sr. abriu caminho para a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018. O sr. se arrepende de ter questionado o resultado das eleições?

Essa é a narrativa do PT. Eu liguei para a presidente da República cumprimentando-a pela vitória, desejando a ela sucesso na necessária união do País porque aquela disputa tinha sido muito radicalizada. Ali, na liturgia da democracia, é o momento que você aceita o resultado da eleição. Ela não teve a gentileza de dizer isso quando se manifestou após o resultado. Nós perdemos a eleição, não houve contestação.

Como não?

O que existia, na verdade é algo parecido com o que existe hoje: são pessoas que ainda têm alguns questionamentos em relação ao processo das urnas eletrônicas. Eu era presidente da Câmara (2001 a 2002) quando se começou a discutir aqui as urnas eletrônicas com o ministro Carlos Velloso (então presidente do Supremo Tribunal Federal). Reunimos pessoas da academia, alguns até de fora do Brasil, das universidades, para fazer auditoria, saber se a urna era infalível. Eu não pedi recontagem de votos. A auditoria era a favor da credibilidade das urnas eletrônicas porque, no momento em que se chegasse à conclusão de que elas são infalíveis, estaria sanado esse problema. Mas a conclusão foi a de que elas não são auditáveis.

Esse argumento de que as urnas não são auditáveis é o discurso de Bolsonaro...

Isso foi depois e é outra distorção. Em 2015, antes de qualquer pessoa saber qual era a posição do Bolsonaro sobre isso, o Congresso aprovou com quase 80% dos votos o voto impresso na urna eletrônica. O Bolsonaro politizou isso, dessa forma desastrada como ele faz as coisas, e a discussão foi interditada. Todos os sistemas eleitorais do mundo estão em processo de evolução permanente.

Mas o sr. tem desconfianças em relação à urna eletrônica?

Nada. Não sou eu que tenho. Nem tive. Mas que existem questionamentos de setores da sociedade, existem. Agora, essa discussão está contaminada. Se você questionar, você é bolsonarista.

Aliás, o que se dizia é que o sr. era bolsonarista.

A política brasileira empobreceu muito. O fato de você não ser petista e não apoiar o PT o fazia imediatamente ser tachado de bolsonarista. O PSDB pagou um preço muito alto, exatamente por não ser uma coisa nem outra. O PSDB ainda é essencial ao Brasil. O nosso papel na política brasileira não pode ser medido ou contabilizado pelo número de parlamentares, de prefeitos ou de governadores. É pelo que nós representamos, é pelo segmento de pensamento que a gente representa. Existe vida inteligente fora dos extremos. E vou lutar até o final dizendo isso. Existe uma larga avenida no centro que o PSDB tem de liderar.

Essa avenida não está congestionada?

Não. O PT já não é mais um partido de esquerda; o PT é hoje um partido de centro-esquerda, pragmático. A esquerda hoje é representada pelo PCdoB, PSOL, pelo Boulos (deputado Guilherme Boulos), por figuras como o Freixo (Marcelo Freixo, presidente da Embratur). Na direita, você tem um extrato mais radicalizado, que é esse contra tudo, com uma agenda de costumes atrasada. E esse grupo de extrema-direita vai ser sempre representado pelo bolsonarismo. O tempo vai dizer até quando, principalmente com Bolsonaro fora do jogo. Mas ao centro existe uma avenida enorme a ser percorrida por um partido que seja oposição. E eu defendo que o PSDB seja uma oposição sem adjetivos. Dizem ‘oposição responsável, oposição light...”. Não. É oposição que questiona os equívocos do governo.

Mas há outros nomes de centro e de direita para as eleições de 2026 ao Planalto, além de Eduardo Leite, presidente do PSDB e governador do Rio Grande do Sul. Na lista estão o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), e o do Paraná, Ratinho Jr. (PSD).

Eu acho que essas forças, num determinado momento, tenderão a se encontrar. E vai ser candidato quem tiver maior viabilidade. O PSDB tem o dever e uma responsabilidade para com a própria democracia de ser oposição. Está no nosso DNA e temos de buscar liderar um caminho ao centro. Se vai amanhã com a direita ou com a esquerda, o tempo é que vai dizer. Mas não temos de olhar muito para os lados. Temos de olhar para a frente.

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É que a terceira via nunca foi para frente no Brasil...

Nós temos de encontrar uma via alternativa. Quem sabe? Porque senão seria consagrar essa polarização. Os extremos se retroalimentam. Bolsonaro vivo ou, mesmo que respirando por aparelhos, interessa ao petismo. E, de alguma forma, eles também sobrevivem atacando o PT.

Qual é o perfil que o sr. busca para o PSDB?

O PSDB tem que se apresentar como alternativa de poder. Nós não temos de nos curvar à força de outros partidos. Qual é a lógica da maioria dos partidos hoje? É fazer o maior número de deputados para ter Fundo Eleitoral e apoiar o governo. Mesmo menorzinho, nós temos de registrar a importância do PSDB. Nós não queremos nos aliar a isso que está aí e não queremos ir para o outro extremo. Somos poucos? Sim. Mas somos valentes e corajosos. Acho que temos de ser um partido mais propositivo. Temos de endurecer nosso discurso oposicionista. Não dá para ficar nesse nem-nem que ninguém sabe o que é. Precisamos liderar essa fração da sociedade que votou no Lula contra o Bolsonaro, mas não é petista, e vice-versa. O meu esforço é para que cheguemos nas próximas eleições votando a favor de alguma coisa, e não contra alguma coisa.

Precisamos liderar essa fração da sociedade que votou no Lula contra o Bolsonaro, mas não é petista, e vice-versa. O meu esforço é para que cheguemos nas próximas eleições votando a favor de alguma coisa, e não contra alguma coisa”

O sr. disse que números não são importantes, mas o PSDB virou nanico. No ano passado, teve o pior resultado eleitoral de sua história.

O PSDB perdeu muito. As consequências do projeto eleitoral do Doria foram gravíssimas, foram devastadoras, sobretudo na nossa representação congressual. Mas não perdemos a nossa essência.

Só que na gestão passada o PSDB virou linha auxiliar do governo Bolsonaro.

Mas não fomos bolsonaristas. Votamos várias medidas do governo Lula agora também. Essa é a forma corajosa de se fazer oposição. Se há questões importantes para o Brasil, que se vote. Então teria de votar contra a reforma tributária? Teria de fazer como o PL fez agora? Temos de ajudar o País e denunciar o que for ruim. Estou propondo criar um núcleo de acompanhamento de metas e resultados do governo.

Como vai funcionar esse núcleo?

O governo do PT tem um vício muito grande: não faz avaliação de suas políticas públicas. Lula governa hoje muito mais com olhar no retrovisor do que no para-brisa da história. Você não sabe como estão os alunos do ensino médio hoje no Brasil e há 5 milhões de jovens do Bolsa Família que o governo não sabe se estão na escola ou na rua. Não sabemos também o que está acontecendo com o Benefício de Prestação Continuada (PBC). Eu acho que o PT se acostumou com a pobreza, mas nunca se interessou em superar a pobreza no Brasil.

Então o sr, propõe uma espécie de governo paralelo?

Shadow cabinet? Não. Isso não é uma ideia só minha. É uma construção de muita gente que quer ajudar na área de educação, economia... É um núcleo técnico de pessoas da sociedade, que deve se hospedar na Fundação Teotônio Vilela. Vamos bimestralmente apresentar a avaliação das políticas públicas do governo: se avançaram ou não, se gastaram mais ou menos. O viés gastador do governo continua o mesmo. Estou vendo aí o ministro Haddad (Fernando Haddad, da Fazenda) num esforço imenso, numa sanha arrecadadora.

O sr. seria favorável a mais cortes?

O ministério do Lula é uma arca de Noé: tem espaço para todas as espécies. O que seria o correto? Seria reorganizar o governo pensando quais são os ministérios importantes, quais são aquelas áreas que têm sinergia e podem ser acopladas. Eu não condeno negociação com os partidos. Mas construir uma estrutura de governo a partir das demandas de sua base é um saco sem fundo. Lula já começou entregando os dedos, agora vai acabar entregando os braços. Três ministérios aqui, quatro para aquele, dois para aquele outro. E agora essa coisa insana de 38 ministérios, que não se justifica do ponto de vista de gestão em país nenhum do mundo.

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O sr. vai ser candidato ao governo de Minas, em 2026?

Não cogito ser candidato. Quero ajudar o Eduardo Leite a construir um novo PSDB. Tinha gente querendo mudar a sigla, acabar. Não! Nós temos uma história que é única.

Qual é sua opinião sobre o governo Zema?

Zema faz um governo correto, mas muito aquém do que se esperaria de um governante de Minas. Terminará sem deixar grande legado. Acho legítimo que ele busque uma candidatura presidencial, mas não vejo nele capacidade de articulação que permita que ele seja visto com alguma viabilidade. A primeira coisa que ele tem de fazer é controlar um pouco o verbo.

O sr. se refere à entrevista dele ao Estadão?

Minas é a síntese do Brasil. Mineiro tem que ter essa capacidade de olhar o País com generosidade, desprendimento. E o nosso papel sempre foi de unir, de integrar o Brasil. Não pode um governador de Minas ter uma palavra que, mesmo que não tenha sido essa sua intenção, claramente estimula um divisionismo inaceitável.

O PSDB paulistano defende o apoio à reeleição do prefeito Ricardo Nunes, mas o comando estadual do partido quer lançar candidato próprio. Há outro racha à vista?

Tenho muita cautela em entrar em terras alheias. Mas São Paulo sofreu mais do que o restante do Brasil com os equívocos que o próprio PSDB cometeu no ano passado. Está havendo uma reorganização, com novos nomes chegando ao comando do partido. Eu e Eduardo Leite também defendemos que façamos um esforço gigantesco para lançar candidatos no maior número de capitais e, é claro, em São Paulo e no Rio, mesmo que não tenham uma largada vigorosa do ponto de vista eleitoral.

Enquanto isso, ao que tudo indica, a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, pode deixar o partido para se filiar ao PSD.

Tenho muita esperança de que ela ficará. Raquel é um dos maiores símbolos desta renovação.

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