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A lição do teletrabalho e os benefícios ao meio ambiente

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Por Carlos Bocuhy
Atualização:
Carlos Bocuhy. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Depois de duas semanas de paralisação, a melhora na qualidade do ar é visível. O vale do rio Mogi, que já foi chamado de "Vale da Morte", resplandece em verde pós-verão. A cumeeira da Serra do Mar, chamada de "A Muralha" pelos portugueses, destaca-se límpida contra o céu azul, como deveria parecer nos tempos de Anchieta. Em São Paulo, a muralha de prédios do espigão da Paulista mostra detalhes que ao longe eram antes imperceptíveis - e o céu claro exibe uma luz que só havia no interior, no princípio da primavera.

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Ver o mundo livre de poluição não é só poesia de natureza intocada, mas uma lição de boa gestão. A crise epidemiológica que se abate sobre a espécie humana, uma das maiores já vistas na história moderna, refreia atividades e revela a integridade natural da qual somos continuamente privados, dita pelos constitucionalistas como direito ao meio ambiente equilibrado e à saudável qualidade de vida.

Como o pós-crise pode proporcionar a oportunidade de transição para formas mais contemporâneas de trabalhar e com mais qualidade de vida?

Transformar modais de transporte para matrizes limpas é imprescindível, assim como controlar a poluição das queimadas e das fontes fixas industriais. Mas há ações factíveis, de curto prazo, que demandam apenas vontade política. Na crise da covid-19, o teletrabalho, ou home office, como se adotou neste momento, tornou-se emergencialmente compulsório. Em situação de normalidade, sem a necessidade do isolamento social, o teletrabalho despressuriza os aglomerados urbanos com a diminuição dos deslocamentos -- e faz com que as pessoas tenham mais tempo para lazer e o convívio com seus familiares.

Se considerarmos os picos de poluição já anotados por estudiosos da Faculdade de Saúde Pública de São Paulo, cerca de 50 vidas por dia poderiam ser poupadas na Grande São Paulo, se esta estiver livre da poluição do ar. No Brasil, seriam poupadas 139 vidas por dia, conforme dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2018.

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As epidemias carregam um efeito multiplicador exponencial, exigindo todos os nossos esforços para contê-las. A poluição do ar é permanente e mata ano após ano - além de apresentar um efeito incapacitante por doenças crônicas -, e ataca também os mais vulneráveis, crianças, idosos e hipossuficientes.

São Paulo precisa aprender essa lição. É uma deseconomia brutal permitir um efeito incapacitante que lota o atendimento emergencial dos prontos-socorros a cada inverno, especialmente na ocorrência de inversões térmicas.

O teletrabalho já é compulsório em alguns Estados americanos por força de leis estaduais. Uma pesquisa da Consumer Eletronics Association (CEA) reporta que mais de um terço da força de trabalho nos Estados Unidos pratica teletrabalho ao menos uma vez por semana. Os benefícios são palpáveis, inclusive nos aspectos de produtividade e de economia, pois representa menor custo em energia e deslocamentos. É um caminho benéfico e factível para a melhoria da qualidade ambiental.

Os avanços possibilitados por aplicativos garantem a integração para trabalhar em equipe e online, eliminando obstáculos exigidos pelo trabalho presencial. Implementar teletrabalho exige uma política de Estado. É possível torná-lo compulsório por meio de boas normas. Alguns Estados americanos dão isenção de impostos a empresas que adotam o teletrabalho.

Esperar apenas pela iniciativa privada é uma visão limitada, pois estamos tratando de aspectos de interesse público: a melhoria da qualidade ambiental.

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Uma política bem estruturada de teletrabalho melhoraria a qualidade de vida de muitos funcionários, traria mais tempo para atividades pessoais, ganharia em produtividade, eliminaria a deseconomia dos deslocamentos, seria benéfico para as mudanças climáticas, melhoraria a qualidade de vida e a saúde, salvando muitas vidas, seja no tráfego ou da poluição.

A crise da atual epidemia deve nos fazer refletir para além de sua condição emergencial, na superação de nossos problemas crônicos cotidianos.

*Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

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