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Opinião|Algumas palavras sobre o exame criminológico

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convidado

Ab initio, leve-se em conta que de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, o Brasil atualmente conta com 832 mil pessoas presas. O crescimento da população prisional nos últimos 20 anos deu-se na proporção inacreditável de cerca de 1.500%.

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Prevalece no Brasil o sistema vicariante e não o sistema binário, em que o juiz podia aplicar pena mais medida de segurança. Quando o réu praticava delito grave e violento, sendo considerado perigoso, recebia pena e medida de segurança. Assim terminada a pena privativa de liberdade, continuava detido até que houvesse o exame da cessação de periculosidade, ficando detido, indefinidamente, na prática. Pelo sistema vicariante, hoje utilizado, o juiz somente pode aplicar pena ou medida de segurança. Caso o réu seja considerado inimputável, caberá aplicação de medida de segurança. Com o devido respeito, no sistema do duplo binário, o papel destinado aos psiquiatras é importante, pois extinta a pena privativa de liberdade, fica o apenado sob observação desses profissionais para análise de sua periculosidade. Muitos desses criminosos, dentro de uma análise técnica, evidenciam nítida propensão a cometer novos crimes, após o cumprimento da pena.

Discute-se aqui a Lei de Execução Penal( LEP) e suas modificações quanto ao instituto do exame criminológico.

Originariamente disposto no artigo 8º da LEP (Lei 7.210/84), o exame criminológico tem por objetivo a correta aplicação da pena de forma individualizada, como forma de adequar às características pessoais de cada preso.

Tal análise abrange questões de ordem psicológica e psiquiátrica do apenado, tais como grau de agressividade, periculosidade, maturidade, com o finco de prognosticar a potencialidade de novas práticas criminosas.

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Observa-se o binômio delito-delinquente, numa inteiração de causa e efeito, tendo como objetivo a investigação médica, psicológica e social, como se observa da Exposição de Motivos da Lei de Execuções Penais. No exame criminológico, a personalidade do criminoso é examinada em relação ao crime em concreto, ao fato por ele praticado, pretendendo-se com isso explicar a “dinâmica criminal (diagnostico criminológico), propondo medidas recuperadoras (assistência criminiátrica)”, e a avaliação da possibilidade de delinquir (prognóstico criminoso), como dizia Sérgio Marcos de Moraes Pitombo (Ainda o exame criminológico, Jornal do Advogado, junho de 1985 e os regimes de cumprimento da pena e o exame criminológico, RT 583/3013, pág. 315).

O exame criminológico tem como função definir questões individuais para que cada preso cumpra a sua pena antes de voltar ao convívio em sociedade. Para isso, o indivíduo passa por avaliação psicológica e social para classificá-lo conforme seus antecedentes e sua personalidade.

Sigo a lição de Julio Fabbrini Mirabete (Execução penal, 4ª edição, pág. 66), ao comentar a Lei 7.210/84, em sua redação primeira, para quem ao cuidar da classificação do condenado, a LEP refere-se também ao exame criminológico, que será efetuado, obrigatoriamente, nos condenados a pena privativa de liberdade em regime fechado (art. 8º, caput) e facultativamente, naqueles destinados ao regime semiaberto (art. 8º, parágrafo único), com o objetivo de obter os elementos necessários, primeiro à adequada classificação, e, segundo, a individualização da execução. Considera-se que o exame criminológico é uma espécie do gênero exame da personalidade e parte do binômio delito-delinquente. No exame criminológico, a personalidade do criminoso é examinada em relação ao crime em concreto, ao ato por ele praticado, pretendendo-se com isso explicar a “dinâmica criminal (diagnóstico criminológico), propondo medidas recuperadoras (assistência criminiátrica)” e a avaliação da possibilidade de delinquir (prognóstico criminológico).

Quanto ao momento da realização do exame criminológico, a doutrina entendeu que deve ser “exame prévio, ou seja, antecedente à aplicação da pena ou da medida de segurança.

Na lição de Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, exposta por Mirabete (obra citada, pág. 67) compõem o exame criminológico, como instrumentos de verificação, ”as informações jurídico-penais (como agiu o condenado, se registra reincidência etc), o exame clínico (saúde individual e eventuais causas mórbidas, relacionadas com o comportamento deliquencial); o exame morfológico (sua constituição somatopsíquica); o exame neurológico (manifestações mórbidas do sistema nervoso); o exame eletrencefalográfico (não para só a busca de ‘lesões focais ou difusas de ondas sharp ou spike’, mas da ‘corrrelação - certa ou provável - entre alterações funcionais do encéfalo e o comportamento do condenado); o exame psicológico (nível mental, traços básicos da personalidade e sua agressividade); o exame psiquiátrico (saber-se se o condenado é pessoa normal, ou portador de perturbação mental); e o exame social (informações familiares, condições sociais em que o ato foi praticado’, etc)”. Assim a perícia deve fornecer a síntese criminológica.”Isso explica um enquadramento de cada caso em itens de uma classificação, na seleção do destino a ser dado ao examinado e em medidas a serem adotadas. Os informes sobre a periculosidade (no sentido de “provável’ reincidência) e adaptabilidade (em sentido reducacionao) são básicos”, em artigo citado, pág. 315.

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Estatísticas de população carcerária da Secretaria Nacional de Polícias Penais (Senappen), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, e dados de profissionais do sistema prisional obtidos via Lei de Acesso a Informacao (LAI) da Controladoria Geral da União (CGU) indicam que há no Brasil:

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  • 1 assistente social para cada 550 presos;
  • 1 psicólogo para cada 617 presos;
  • 1 psiquiatra para cada 2.793 presos.

Compõem o exame criminológico, como instrumentos de verificação as informações jurídico-penais; o exame clínico; o exame neurológico; o exame eletrencefalográfico; o exame psiquiátrico; e o exame social. Assim essa perícia deve fornecer a síntese criminológica.

Alertou ainda Sérgio Pitombo (obra citada, pág. 315) que é preciso, contudo, não privilegiar em demasia o exame criminológico. A valoração cabe, sempre, ao juiz da execução, livre no apreciá-lo.

Entenda-se, como disse Sérgio Salomão Shecaira (O exame criminológico e a execução da pena, Cadernos de Advocacia Criminal, ano I, volume I, n. 2, páginas 36 a 41) que a perícia criminológica assim como da personalidade, colocadas em conjugação, tendem a fornecer elementos para a percepção das causas do delito e indicadoras para a sua prevenção.

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Com a redação dada pela Lei nº 10.792 de 2003 alterou significativamente o artigo 112 da Lei de Execuções Penais, substituindo a necessidade do exame criminológico para a progressão de regime por um simples atestado de bom comportamento carcerário. Hodiernamente, fica a critério do magistrado requerer quando achar necessário o exame, desde que fundamentadamente.

Assim, foram suprimidas essas exigências, impondo o legislador o cumprimento do mínimo de um sexto da pena imposta e atestado de bons antecedentes, fornecido pela direção do estabelecimento penitenciário.

Tal modificação legislativa, não obstava o magistrado de determinar tais exames, conforme entendimento consolidado dos Tribunais Superiores, desde que o juiz da execução profira sua decisão fundamentadamente, senão vejamos:

PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - EXAME CRIMINOLÓGICO INEXIGIBILIDADE.A previsão de exigência do exame criminológico, para a análise relativa aos benefícios a que tem jus o custodiado, foi excluída do artigo 112 da Lei de Execuções Penais mediante a Lei nº 10.792/2003. (STF – HC: 115212 SP – SÃO PAULO 9966338-20.2012.0.01.0000, Relator Min. MARCO AURÉLIO, Data de Publicação: DJe-237 25-11-2015).

Para o regime fechado a Lei de Execucoes Penais instituiu o exame criminológico para classificação dos condenados, o que será feito pela Comissão Técnica de Classificação, encarregadas de elaborar o programa individualizador e acompanhar a execução das penas, propondo a autoridade competente as progressões e regressões devidas.

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Essa Comissão será presidida pelo diretor e será composta, no mínimo, por dois chefes de serviço, um psiquiatra, um psicólogo e um assistente social.

Com relação a matéria o STF editou a Súmula 439 afirmando a admissibilidade do exame criminológico sempre que as peculiaridades do caso vierem a recomendar.

Recentemente o STJ, no julgamento do HC 431.433, entendeu que a exigência de exame criminológico para a progressão de regime deve ser bem fundamentada.

Consoante se lê do site do STJ, em 5 de janeiro de 2018, apenas a gravidade do delito cometido não justifica a necessidade de realização de exame criminológico para concessão de progressão de regime. Com esse entendimento, a então ministra Laurita Vaz, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), deferiu liminar em habeas corpus para afastar exigência do exame criminológico. Ela ainda determinou que o juízo de Execuções Penais prossiga no exame dos requisitos para a progressão de regime do condenado.

Naquele caso em análise, o paciente foi condenado a 14 anos de prisão por homicídio qualificado. As instâncias ordinárias, a fim de examinar o requisito subjetivo para a progressão de regime (do fechado para o semiaberto), determinaram a realização de exame criminológico.

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A defesa sustentou que “a justificativa da gravidade do fato, por si só, não abona a submissão do paciente à perícia, sendo que inexistem nos autos elementos outros que recomendem a medida pretendida pelo juiz a quo”.

Segundo a presidente, nos termos da jurisprudência do STJ, embora a nova redação do artigo 112 da Lei n. 7.210/84 não mais exija, de plano, a realização de exame criminológico, cabe ao magistrado verificar o atendimento dos requisitos à luz do caso concreto. Assim, ele pode determinar a realização de perícia, se entender necessário, ou mesmo negar o benefício, desde que o faça fundamentadamente, quando as peculiaridades da causa assim o recomendarem, em observância ao princípio da individualização da pena.

Entretanto, ao examinar os autos, a presidente do STJ verificou que as instâncias ordinárias se basearam apenas na gravidade do delito cometido para concluir pela necessidade de realização do exame criminológico, antes de analisar o pedido de progressão.

“Nesses casos, tem decidido este STJ no sentido de que ‘há flagrante ilegalidade a ser reconhecida, uma vez que o tribunal de origem não logrou fundamentar a necessidade da realização do exame criminológico. Restringiu-se a mencionar a gravidade em abstrato dos delitos cometidos pela paciente, a reincidência específica, bem como a necessidade, em tese, da realização de exame criminológico para aferir as condições meritórias da apenada, necessárias à concessão de benefícios da execução penal’”, ressaltou a ministra.

Foi pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que cumpre ao julgador verificar, em cada caso, a necessidade, ou não, de realização do exame criminológico, podendo dispensá-lo ou, ao contrário, determinar sua realização, desde que mediante decisão concretamente fundamentada na conduta do apenado no decorrer da execução, nos termos da Súmula 439/STJ.

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Fatores relacionados ao crime praticado são determinantes da pena aplicada, mas não justificam diferenciado tratamento para a progressão de regime, de modo que o exame criminológico somente poderá fundar-se em fatos ocorridos no curso da própria execução penal ( HC 323553/SP, Sexta Turma, Relator Ministro Nefi Cordeiro, julgado em 18/8/2015, DJe 3/9/2015)

Observe-se então:

AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME AO SEMIABERTO DEFERIDA PELO JUIZ DA EXECUÇÃO. DECISÃO CASSADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, de acordo com o art. 112 da Lei de Execução Penal, com a redação dada pela Lei n. 10.792/2003, não há mais a exigência de submissão do condenado ao exame criminológico, podendo o Juiz ou mesmo o Tribunal de origem determinar sua realização, diante das peculiaridades do caso concreto e de forma fundamentada. 2. O Juiz da execução encontra-se mais próximo à realidade do caso concreto, podendo com muito mais propriedade distinguir as situações em que se mostra desnecessária a realização do exame ( HC n. 196.913/SP, Ministra Maria Thereza, Sexta Turma, DJe 30/5/2011).

Assim, desde a Lei nº 10.792/2003, que conferiu nova redação ao art. 112 da Lei de Execução Penal, aboliu-se a obrigatoriedade do exame criminológico como requisito para a concessão da progressão de regime, cumprindo ao julgador verificar, em cada caso, acerca da necessidade, ou não, de sua realização, podendo dispensá-lo ou, ao contrário, determinar sua realização, mediante decisão concretamente fundamentada na conduta do apenado no decorrer da execução.

Como noticiou o portal G1 Política, em 12 de abril de 2024, o presidente Lula (PT) sancionou com vetos, na noite do dia 11.4.24, a nova lei das saidinhas (lei nº 2.253/2022), regra que mantém as visitas de presos aos seus familiares e define uma série de normas mais rígidas aos detentos.

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Entre as regras, está a obrigação de que todos os presos passem por um exame, chamado criminológico, para poder progredir de pena até a sua liberdade.

A lei sancionada pelo presidente define que todos os presos têm de fazer o exame no momento de entrada nos presídios e a cada mudança de regime de pena até voltar ao convívio em sociedade.

A exigência de realização de exame criminológico em todos os casos fará com que os processos tramitem de forma ainda mais morosa, contribuindo para o encarceramento massivo, acentuando no sistema penitenciário seu aspecto explosivo cujas consequências são de alta gravidade para a sociedade.

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Foto do autor Rogério Tadeu Romano
Rogério Tadeu Romanosaiba mais

Rogério Tadeu Romano
Procurador regional da República aposentado, professor de Processo Penal e Direito Penal e advogado
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