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Opinião|De Gaulle e as redes

convidado

Charles De Gaulle (1890-1970), o mais lembrado estadista francês, que presidiu o governo provisório durante o regime de Vichy (1942-1944) e depois presidiu a República Francesa de 1959 a 1969, era considerado um astro da televisão. Como atuaria nesta nossa era web?

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Antes dele, os presidentes franceses não se importavam com a TV. Até porque, eram poucos os possuidores de aparelhos televisivos. Em janeiro de 1964, ele transferiu as cinzas de Jean Moulin para o Panteão e fez com que a cerimônia fosse televisionada. Antes disso, o primeiro acontecimento transmitido ao vivo para os franceses foi a coroação da Rainha Elisabeth II, em junho de 1953. Quando De Gaulle chegou ao poder, o número dos possuidores de TV aumentava. Em 1958, eram apenas 7% das casas. Em 1964, o índice crescera para 39%. Já em 1968, o número chegara a 62%. Já sabia servir-se do rádio entre 1940 e 1944 e, desde 1958, aprendeu a se utilizar eficazmente da televisão.

O primeiro discurso transmitido ao vivo, em 13.6.2958, foi um sucesso. Ele se recusara a usar maquiagem e todas as suas rugas e manchas foram ressaltadas. Usava óculos de grossas lentes e olhava para o texto, não para a câmera. Marcel Bleustein-Blanchet, magnata da publicidade, assistiu horrorizado. Foi chamado pelo Elise para conversar com De Gaulle. Este foi bem objetivo: “Parece que fui mal na televisão”. “Muito mal, General”, foi a resposta.

De Gaulle aprendeu rápido. Na segunda aparição, em 27 de junho, havia decorado o texto. Sem óculos, olhava diretamente para a câmera. Passou a ter aulas com um ator da Comédie-Française e contratou os serviços do maior maquiador da França, Charles Koubesserian, que trabalhava também para Brigitte Bardot.

Tornou-se um intérprete brilhante. Durante a Guerra da Argélia, entre 1958 e 1962, falou para a nação trinta e uma vezes pela televisão. Duas das intervenções mais espetaculares foram obras-primas de retórica performática: a Semana das Barricadas e o golpe fracassado de abril de 1961. A eficiência de sua comunicação consistia em fazer, de cada discurso, um encontro pessoal entre os franceses e ele. “Françaises, français, aidez-moi!”. Francesas, franceses, ajudai-me! “Vocês podem ver a importância do “sim” que peço a cada um de vocês”. Ou : “E aqui estamos juntos novamente”.

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Encerrava a intervenção pedindo um “sim” no referendo sobre a Argélia em janeiro de 1961: “Eu preciso, sim, eu preciso, preciso saber o que se passa na cabeça e no coração de vocês. É por isso que me dirijo a vocês, passando por cima de todos os intermediários. Na verdade – e quem não sabe? – este é um assunto entre mim e cada um de vocês!”.

Sabia exprimir ideias com singeleza. Embora seus assessores o municiassem com inúmeros dados complicados sobre economia, ele transformou tudo num discurso objetivo, conciso e direto, que começava assim: “Era uma vez um velho país sobrecarregado de hábitos e de cautela. Tendo sido no passado o mais populoso, o mais rico e o mais poderoso país no cenário mundial, depois de sofrer muitos infortúnios ele se voltou para dentro de si”.

Ele sabia exatamente o que queria. “É preciso falar para eles como se fossem crianças, mas, ao mesmo tempo, encontrar uma explicação”. Idêntico ao talento para a simplicidade, ele – quando queria – era exímio cultor da obscuridade. Gostava de imagens fortes. Abusava dos antagonismos entre abismo e píncaros. Falava do mar tempestuoso no qual os franceses precisavam de um “guia” e um “capitão” para conduzi-los a águas mais seguras. Emocionava os telespectadores com finais como: “O caminho é difícil, mas belo! O objetivo é árduo, mas quão grandioso! Comecemos a jornada! A hora da partida soou!”.

Sabia utilizar-se de expressões faciais, de gestos, de estilo de um verdadeiro showman. Batia na mesa, apontava para a câmera, estendia os braços, encolhia os ombros. Dispunha de um vasto repertório hipnótico de expressões faciais. Sabia que não poderia ser histriônico. Um homem de setenta anos, sentado sozinho, atrás de uma mesa sob as luzes implacáveis, o objetivo era parecer animado e espontâneo o bastante para captar a atenção das pessoas sem gesticulação excessiva ou caretas inadequadas. Nunca foi uma caricatura, embora tivesse poderosos adversários.

Gostava de assistir na TV entrevistas com astros, intelectuais, figuras públicas, para aprender com eles as melhores técnicas de dialogar com o seu povo. Os críticos diziam que ele era um manipulador. Na verdade, só falava o que queria. E se não perguntassem o que esperava, ele mesmo se encarregaria de responder. Tanto que uma charge ironizava: “Acho que ouvi lá atrás alguém não fazer a pergunta à qual agora vou responder”.

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Charles De Gaulle encontraria, galhardamente, utilidades insuspeitas para cacifar seu prestígio e popularidade, em tempos de algoritmos e de Inteligência Artificial. Mas já não se fazem mais estadistas como ele.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras
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