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Diálogos revelam a vida dupla de dr Áureo, diretor da Câmara de Cubatão e advogado de líder do PCC

Segundo Ministério Público de São Paulo, Áureo Tupinambá Fausto Filho, preso na Operação Muditia e exonerado no último dia 16, tinha linha direta com o pagodeiro Vagner Borges Dias, o ‘Latrell Britto’, apontado como cabeça do esquema de fraudes da facção em licitações que superam R$ 200 milhões de prefeituras e câmaras municipais do interior paulista e Grande São Paulo

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Foto do author Pepita Ortega
Foto do author Fausto Macedo
Por Pepita Ortega e Fausto Macedo
Atualização:
O advogado Áureo Tupinambá, alvo da Operação Muditia Foto: Reprodução

Doutor Áureo Tupinambá de Oliveira Fausto Filho levava uma vida dupla, segundo o Ministério Público de São Paulo, até cair nas malhas da Operação Muditia, investigação que desmontou esquema do PCC para fraudes em licitações de prefeituras e câmaras municipais no interior paulista e na região metropolitana. Como advogado, ele representa na Justiça o líder da facção André do Rap - foragido desde outubro de 2020.

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Em paralelo, ele exercia o cargo de diretor-secretário da Câmara de Cubatão, na Baixada Santista - após ser preso no último dia 16, Áureo foi exonerado. Em meio às demandas profissionais, no entanto, sua missão principal, suspeita a Promotoria, consistia em manter linha direta com o pagodeiro Vagner Borges Dias, o ‘Latrell Britto’, e ajustar contratos fabricados em órgãos públicos municipais.

O criminalista Marcelo Cruz, que defende Áureo, avalia que as mensagens não apontam ‘eventual responsabilidade criminal’ de seu cliente. “A extração de meros trechos de conversas sem a exposição de todo o seu contexto acaba levando a interpretação equivocada”, enfatiza.

A Câmara de Cubatão informou que seu presidente, Cléber do Cavaco, exonerou Áureo das funções de diretor-secretário no dia 16. Foi aberto um processo administrativo para apurar ‘eventuais irregularidades nos processos de licitação’. O contrato com a empresa alvo da Operação Muditia foi rescindido.

Latrell, pagodeiro do PCC, seria o cabeça do esquema que infiltrou ‘soldados’ da facção em prefeituras e câmaras. Contratos que estão sob análise da Promotoria e de peritos por suspeita de terem sido fraudados somam valores superiores a R$ 200 milhões. Eles foram assinados no âmbito de licitações para contratação de bens e serviços sob influência de emissários do PCC.

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O levantamento sobre o papel de Áureo na escalada da facção na máquina pública consta de petição do Ministério Público de São Paulo à Justiça para liberar a Operação Muditia. Os promotores colocam Áureo, ainda na condição de diretor-secretário da Câmara de Cubatão, como beneficiário de propinas.

Sob o argumento de que o cargo de Áureo tem ‘vínculo indissociável’ com fraudes em licitações, o Ministério Público requereu sua prisão.

Segundo o MP, sua ‘relevância política e administrativa’ justifica a medida.

Áureo foi preso no último dia 16, quando a ofensiva foi às ruas, uma força-tarefa de 27 promotores de Justiça e 200 policiais militares. Outros 12 investigados foram capturados, por ordem da 5.ª Vara Criminal de Guarulhos, entre eles três vereadores: Flávio Batista de Souza (Ferraz de Vasconcelos), Luiz Carlos Alves Dias (Santa Isabel) e Ricardo Queixão (Cubatão).

Segundo a Promotoria, Áureo é o ‘responsável pela gestão documental para conferir aparente legalidade’ aos contratos supostamente forjados na Câmara de Cubatão.

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Os investigadores apontam que, na renovação de um contrato da Casa Legislativa daquela cidade, ele pediu a ‘Latrell Britto’ três orçamentos ‘para simular a vantajosidade da prorrogação do vínculo ilícito’. Em resposta, o pagodeiro encaminhou contratos e orçamentos forjados de três empresas por ele controladas.

Em um diálogo interceptado pelo MP, por exemplo, Áureo diz ao pagodeiro do PCC que precisa ‘entender sua planilha’. O suposto operador do esquema desbaratado pela Operação Muditia responde que é ‘normal’ que o documento esteja ‘apertado’ e que a planilha está ‘exequível’. “É muita margem, mas a margem a gente faz o caminho”, afirmou ‘Latrell Britto’.

Trechos de diálogos entre o advogado Áureo Tupinambá e operador de esquema desbaratado na Operação Muditia Foto: Reprodução

Para os investigadores, a ‘margem que fazem no caminho’ diz respeito a acréscimos simulados nos contratos, para ‘amparar as propinas pagas’.

O áudio é de janeiro de 2021. À época, a Câmara de Cubatão estava promovendo pregão para a contratação de ‘empresa especializada para prestação de serviços de limpeza, conservação, higienização, copeiragem e cozinha e manutenção predial preventiva e corretiva’.

A homologação do certame, no entanto, só foi publicada após uma reunião entre o pagodeiro e o advogado. O encontro ocorreu no gabinete da presidência da Câmara, segundo o MP.

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Trechos de diálogos entre o advogado Áureo Tupinambá e operador de esquema desbaratado na Operação Muditia Foto: Reprodução

Em diálogo travado após o encontro, o advogado diz já ter enviado ‘nomes para contratação’.

Segundo o MP, é ‘evidente’ que Áureo está no rol de autoridades pagas por ‘Latrell Britto’ considerando mensagens em que o advogado nega o envio de PIX, ‘ainda que em nome de terceiros’.

“Aquele doc pode ser PIX? Nome de qualquer pessoa, não sai da nossa”, consulta o pagodeiro, em fevereiro de 2023.

Áureo responde: “Não. Vem hoje, né?”.

Para os investigadores, a entrega de dinheiro foi presencial.

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Trechos de diálogos entre o advogado Áureo Tupinambá e operador de esquema desbaratado na Operação Muditia Foto: Reprodução

No entanto, em outra conversa, em março de 2023, a Promotoria aponta a menção a um e-mail que, na verdade, seria uma chave PIX com pagamento do pagodeiro do PCC. Em maio foi constatado outro pagamento, conforme comprovante armazenado no celular de ‘Latrell’. O documento foi enviado a Áureo, que respondeu: ‘Uffa’.

Trechos de diálogos entre o advogado Áureo Tupinambá e operador de esquema desbaratado na Operação Muditia Foto: Reprodução

COM A PALAVRA, O CRIMINALISTA MARCELO CRUZ, QUE DEFENDE ÁUREO TUPINAMBÁ FAUSTO

Em análise aprofundada das conversas apresentadas pelas digníssimas Autoridades que presidem as investigações, verificamos que não possuem o condão de apontar eventual responsabilidade criminal do advogado (Diretor da Câmara Municipal). Ademais, salientamos que a extração de meros trechos de conversas sem, contudo, a exposição de todo o seu contexto, acabam levando a interpretação equivocada. Finalizamos registrando que o investigado, desde que tomou conhecimento dos fatos, vem se colocando à disposição para esclarecimentos.

COM A PALAVRA, A CÂMARA DE CUBATÃO

A Câmara Municipal de Cubatão informa que o sr. Áureo Tupinambá de Oliveira Fausto Filho foi exonerado pelo presidente da Câmara, o vereador Joemerson Alves de Souza, o Cléber do Cavaco, no dia 16 de abril (Portaria Nº 36/2024 publicada no diário oficial eletrônico).

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O Legislativo cubatense informa também que instaurou um processo administrativo para apurar eventuais irregularidades nos mencionados processos de licitação. A Câmara ainda ressalta que o contrato com a empresa investigada na Operação Muditia foi rescindido.

A Câmara Municipal de Cubatão está à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos e segue acompanhando os desdobramentos das investigações e, sendo necessário, voltará a se pronunciar sobre o caso.

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