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Opinião|Impeachment: reflexões no contexto do presidencialismo brasileiro (parte IV)

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convidado

Nas últimas partes da presente sequência temática sobre “impeachment”, que publiquei recentemente neste espaço, analisei, de modo muito breve, elementos comparativos do tratamento britânico, norte-americano e francês do instituto.

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Desse resumido olhar comparativo, proponho, como conclusão, que o impeachment, com suas variantes específicas em termos de regimes jurídicos, é uma figura compatível tanto com a lógica parlamentarista como com a lógica presidencialista, comportando também, naturalmente, adaptação a todos os sistemas mistos.

De fato, nos sistemas que tendem ao parlamentarismo, o impeachment está fundido no próprio instituto da responsabilidade política do governo e na prática dos votos de confiança a mantê-lo ou derrubá-lo.

E, nos sistemas que tendem ao presidencialismo, o impeachment é o último recurso político, dentro da ordem constitucional, levando a que, em casos de gravidade constitucional extrema, possa haver destituição do presidente da república, sem desrespeito às instituições democráticas.

Passo então a considerações sobre o caso brasileiro.

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Não pretendo aqui traçar um estudo da sequência histórica do tratamento constitucional do impeachment do presidente da República no direito brasileiro, mas sim centrar atenção no caso da Constituição de 1988.

De todo modo, pode-se dizer que uma nota característica do presidencialismo no Brasil – aliás, uma nota característica da maioria dos presidencialismos em qualquer parte do mundo, mas exacerbada, entre outros casos, no Brasil – é uma tendência de ênfase “personalista” no poder do Presidente da República.

Essa tradição de destaque jurídico para o poder do presidente da República manteve-se na Constituição de 1988.

É verdade que a história registra – até como possível reação de cautela ao longo ciclo de exercício autoritário dos poderes presidenciais com o regime de 1964 – uma tentativa, na Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988, de rumar para a adoção de um parlamentarismo, de modo menos casuístico do que a experiência vivida ao tempo da presidência de João Goulart.

Todavia, o resultado final da Constituinte, consagrado na Constituição de 1988, foi a manutenção de um modelo presidencialista, não muito diverso da tradição da República brasileira em seus momentos de abertura democrática.

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E não é estranho a esse presidencialismo que haja – na lógica de um equilíbrio decorrente dos controles recíprocos entre os Poderes – controles parlamentares sobre a ação do Poder Executivo: os controles exercidos com auxílio dos tribunais de contas, os controles por meio das comissões parlamentares (e, notadamente, as comissões parlamentares de inquérito), a aprovação da nomeação de ocupantes de certos cargos públicos organicamente ligados ao Poder Executivo e, entre outros exemplos, o julgamento do presidente da República por crime de responsabilidade.

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Esse mesmo presidencialismo, não por previsão constitucional, mas por uma acomodação da dinâmica política, chegou a estabelecer uma tal relação entre o governo e o parlamento, a qual, ainda que muito criticada por suas consequências, permite à ciência política e ao direito constitucional até mesmo designá-la como um novo padrão de presidencialismo: o “presidencialismo de coalizão”.

Esse novo padrão, se, por um lado, traz constrangimentos políticos ao presidente da República (ao “negociar” a coalizão), por outro, pode facilmente resultar, na prática, no aumento dos poderes do presidente, sem, todavia, deixar de submeter-se a controles, dentre os quais, os controles parlamentares.

Pois é nesse contexto político-jurídico institucional que se deve compreender a figura do impeachment.

É a mesma Constituição Brasileira que dá os contornos desse presidencialismo e do impeachment do presidente da República.

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E o faz de maneira a assegurar ampla margem de apreciação política do Poder Legislativo sobre o processo de impeachment.

Por apreciação política, quer-se dizer um critério de decisão – de expressão de vontade – que prescinda de motivação, de modo a não ser possível o controle da validade jurídica dos motivos em sua correlação com a finalidade.

Dito de outro modo, a decisão, proferida por autoridade investida de um poder político para fazê-lo, valida-se pela própria investidura de quem a profere; e não pelo cotejamento de seus motivos e sua finalidade com algum parâmetro jurídico-normativo superior (ou seja, não pelo controlo jurídico).

O assunto terá continuidade em novos artigos.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Foto do autor Fernando Menezes de Almeida
Fernando Menezes de Almeidasaiba mais

Fernando Menezes de Almeida
Professor titular da Faculdade de Direito da USP
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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