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Juiz de garantias, uma necessidade!

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Por Alberto Zacharias Toron
Atualização:
O criminalista José Zacharias Toron, um dos defensores dos réus da Lava Jato / Foto: Jf. Diorio/Estadão

Há uma crença absolutamente equivocada segundo a qual a governos autoritários correspondem no campo penal posturas legislativas necessariamente autoritárias. Na experiência brasileira não é assim. É paradoxal, mas ao tempo da ditadura militar experimentamos um avanço liberalizante com o fim da prisão preventiva obrigatória (1967) e o direito de recorrer em liberdade (1973). Idem, no que diz com a promulgação da nova Parte Geral do Código Penal (1985). Na contramão, para citar alguns exemplos, em pleno período democrático, vimos a promulgação da lei que instituiu a Prisão Temporária (1989), que nada mais é do que a flexibilização dos pressupostos autorizadores da prisão preventiva e da Lei dos Crimes Hediondos que, entre outras coisas, havia reintroduzido, ainda que por via oblíqua, a prisão preventiva obrigatória (1990).

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Agora, o governo Bolsonaro nos brinda com a promulgação do Pacote Anticrime e, nele, o juiz de garantias. A matéria foi aprovada por unanimidade na Câmara dos Deputados e, no Senado, passou sem retoques, a indicar a força da ideia em prol de se reforçar a importância de se garantir a imparcialidade do juiz que julga a causa. Aliás, como adverte Gustavo Badaró: "a palavra juiz não se compreende sem o qualificativo de imparcial" (Processo Penal. 3ª ed., São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2015, p. 40).

O presidente Bolsonaro merece um efusivo aplauso pela aprovação do instituto, que já estava previsto no Projeto do Código de Processo Penal desde 2002. O tema, apesar de ser apresentado como uma novidade, nada mais é do que a bem-sucedida experiência iniciada em São Paulo há mais de 30 anos, do Departamento de Inquéritos Policias (DIPO) que, obviamente, não é um mero gestor de inquéritos e, sim, um complexo que atua no inquérito velando pelo respeito à legalidade e, portanto, impedindo abusos investigatórios. Com isso, preserva-se a imparcialidade do juiz da causa, que não atuou na fase investigativa. Explicando melhor: o juiz que na fase do inquérito autoriza medidas como escutas telefônicas e ambientais, além de buscas e apreensões e prisões; ele acaba se tornando uma espécie de protagonista da própria investigação. Seu olhar e sentir fica profundamente comprometido com o que viu, ouviu e produziu. Esse juiz, quando sentenciar, não será imparcial. Ele está contaminado pela sua atuação na fase investigativa.

Essa separação entre o juiz que atua na fase investigatória e o que ouvirá as testemunhas e julgará é essencial para se garantir a sua imparcialidade. Como registra o citado Badaró, a Corte Europeia de Direitos Humanos, de longa data, tem rechaçado o modelo do juiz que atua tanto na fase de investigação como na do julgamento da causa (ob. cit., p. 42). Este não é ___ e não pode ser ___ o imparcial para julgar.

Causa estranheza que membros da própria magistratura e suas entidades representativas se insurjam contra o instituto. Ora argumentando com o ônus para o erário, ora com a dificuldade de se instaurar a nova sistemática em Comarcas onde só há um juiz.

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Os gastos são mais imaginários do que reais. Basta se realocar os juízes nas cidades grandes. Já nas Comarcas onde haja apenas um juiz pode-se trabalhar com os juízes da Circunscrição que engloba juízes de várias Comarcas e dividir funções. O mesmo vale para o âmbito da Justiça Federal com as adaptações necessárias. Alguns juízes ___ e também comentaristas mal informados ___ chegaram a dizer que o juiz de garantias seria só para réus ricos ou os da Lava Jato. Bobagem!

O sistema, há mais de 30 anos, funciona muito bem em São Paulo e para todos os investigados, pobres e ricos. Agora, em Manaus também há uma Central de Inquéritos com competência idêntica a do Juiz de Garantias. Outros Estados da Federação também instituíram essa separação entre o juiz da fase de inquérito e o que julgará a causa. Garante-se não apenas a imparcialidade do último, mas a especialização do primeiro, tema tão caro à própria magistratura nos últimos anos, preocupada com a eficiência.

Só mesmo uma ultrapassada e assustadora postura autoritária pode se colocar contra uma experiência que provou bem em São Paulo e não tem nada para dar errado, a não ser a má vontade de alguns e, claro, o misoneísmo de outros.

*Alberto Zacharias Toron, advogado, Mestre e Doutor em Direito pela USP, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), ex-diretor do Conselho Federal da OAB e professor Titular de Processo Penal da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap)

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