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O caso Legião Urbana na Justiça: um equívoco desde o início

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Por Guilherme Coelho
Atualização:
Guilherme Coelho. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decide, no próximo 6 de abril, o processo em que se discute o direito de uso da marca Legião Urbana pelos ex-integrantes da banda Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá. No recurso relatado pela ministra Maria Isabel Gallotti, o que de fato está em questão no STJ é a aplicação da legislação sobre direitos de propriedade industrial e intelectual no país.

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Embora seja registrada, desde 1987, pela Legião Urbana Produções Artísticas, os músicos obtiveram autorização judicial para utilizarem a marca sem a necessidade de autorização da empresa titular do registro por autoridade absolutamente incompetente, o Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro. Na prática, o provimento judicial afasta os direitos assegurados por lei federal à detentora do registro da marca Legião Urbana.

No Brasil, os direitos marcários nascem com o registro expedido pelo Instituto Nacional de Marcas e Patentes (INPI). Como se trata de órgão federal, toda e qualquer discussão relativa à efetivação das normas de propriedade industrial só poderia ser analisada perante a Justiça Federal. O que há muito é consolidado na jurisprudência do STJ. A garantia de exclusividade do uso da marca só poderia ser mitigada em ação de nulidade de registro de marca perante a Justiça Federal - o que não é o caso da ação em comento.

O que se espera do julgamento é o reestabelecimento da disposição textual do art. 129 da Lei Federal nº 9.279/1996, segundo o qual "a propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional".

Fundada em 1987 e registrada por Renato Russo, a empresa é detentora de todas as marcas. A pretensão originária dos músicos Dado e Bonfá era o reingresso, com 33% das cotas para cada um. Os ex-integrantes nunca participaram com esse volume de cotas na empresa titular do registro ativo da marca "Legião Urbana". As cotas simbólicas que detiveram por um breve período, venderam, em 1988, a Renato Russo. Nessa mesma ocasião, também o virtuoso baixista Renato Rocha vendeu suas cotas mas, ao contrário dos colegas, nunca tentou burlar o negócio jurídico após o falecimento do fundador da empresa. O instrumento jurídico que concretizou a operação torna a questão incontroversa:

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"a) Retiram-se da sociedade os sócios EDUARDO DUTRA VILLA LOBOS, RENATO DA SILVA ROCHA e MARCELO AUGUSTO BONFÁ, cedendo e transferindo todas as cotas da sociedade para o sócio remanescente, Sr. RENATO MANFREDINI JÚNIOR [...]

c) Os cedentes assim pagos e satisfeitos do preço da presente transação, dão aos cessionários plena, rasa e irrevogável quitação, para nada mais reclamar em juízo ou fora dele"

A pretensão dos ex-integrantes com investida sobre a Legião Urbana Produções ainda era complementada com o pedido de participação retroativa nos direitos da empresa - entre os quais os direitos autorais de Renato Russo. Embora os ex-integrantes não tenham conseguido reingressar no quadro social para, na prática, tomarem o seu controle, a sentença que se busca desconstituir no julgamento estabeleceu que a detentora do registro "se abstenha de impedir que os autores façam uso da marca 'Legião Urbana' no exercício de sua atividade profissional, sob pena de multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), incidente sobre cada ato de descumprimento da presente decisão".

O provimento favorável obtido pelos músicos Dado e Bonfá é absolutamente contrário ao ordenamento jurídico. No caso, a já impensável flexibilização dos direitos oriundos de um registro de marca perante um órgão federal ainda foi efetivada pelo Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, absolutamente incompetente para tanto.

Por outro lado, nem mesmo a sentença que permitiu que Dado e Bonfá explorem comercialmente o nome da banda assentou que esse uso prescindiria da devida contraprestação à Legião Urbana Produções. Por isso, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no processo que trata da regulamentação da forma de uso, classificou como "aberração jurídica" a defesa dos músicos que tentava emplacar, além do pedido de utilização da marca sem qualquer contraprestação, que eles deveriam ser credores de remuneração pela empresa devido à valorização agregada à propriedade intelectual alheia pelos shows realizados no Brasil e no exterior. Corretamente, o Judiciário entendeu que isto seria uma "inversão dos valores que o próprio direito brasileiro consagra, de proteção à propriedade intelectual e de coibição do seu uso não autorizado".

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A compreensão do que já foi deduzido na investida judicial dos ex-integrantes desmonta por completo as narrativas apresentadas ao público. Diuturnamente, tenta-se impor ao imaginário popular que a Legião Urbana Produções dificulta as atividades dos artistas. O argumento, além de falso, é desonesto. Não há impedimento para os músicos se apresentarem, tampouco tocarem os muitos sucessos emplacados pela banda.

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O ponto central é: não se pode induzir o público a pensar que ainda está em atividade, com apresentações ao vivo, uma banda identificada pela marca registrada pelo cantor e compositor Renato Russo, cujos direitos foram por ele, em vida, associados à sua empresa. Os direitos de utilização da marca para qualquer fim comercial, inclusive shows, pertence, por uma série de negócios jurídicos perfectibilizados por Renato Russo, à empresa Legião Urbana Produções Artísticas. Isso não isenta a história de vida de cada um dos ex-integrantes, que ostentam a honra de terem participado de um movimento liderado por Renato Russo gestado na erma Capital Federal, na virada dos anos 70, a partir do embrionário Aborto Elétrico.

Contudo, a opção de seguir com outros vocalistas após o falecimento do seu idealizador e líder, contradiz com o acordo entre os ex-integrantes da Legião Urbana já revelado publicamente diversas vezes.

*Guilherme Coelho, advogado, sócio do Sérgio Bermudes Advogados

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