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Opinião|O Estado e a reintegração de posse da violência

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convidado
Por Leonardo Augusto de Andrade Cezar dos Santos e Rodrigo Monteiro*
Atualização:

Para evitar a lei do mais forte, o Estado prometeu trazer a pacificação social, usando como instrumento a força e a violência. No dizer de Max Weber, o Estado passou a ser o monopolizador da violência legítima. Isso mesmo, o Estado é violento. Entretanto, essa violência é legítima, uma vez que o seu exercício ocorre única e exclusivamente na estrita delimitação da Constituição Federal e das demais regras do sistema normativo vigente. O exercício da violência, portanto, em sua essência e origem, é de titularidade do povo.

Este, para manter a ordem pública, delegou esse exercício para o Estado, sem renunciá-lo. Tanto é que temos exemplos de autotutela como o a legítima defesa e o desforço incontinenti (legítima defesa da posse).

Leonardo Augusto de Andrade Cezar dos Santos e Rodrigo Monteiro Foto: Arquivo pessoal

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É o desejo de todas as pessoas cumpridoras de seus deveres que as regras do contrato social fossem respeitadas e que o Estado não precisasse lançar mão dos instrumentos de coerção. Esse seria o “mundo perfeito”. Entretanto, quando se faz necessário, a violência estatal legítima é a única e última resposta capaz de conferir segurança e garantir a manutenção da ordem e da paz social. A intervenção do Estado para conter o crime e a violência é essencial para a criação de um efeito preventivo, apto a evitar a prática de novos atos que irão ofender a tranquilidade de todo o tecido coletivo. A ausência do Estado nessa perspectiva de conter o crime tem o condão de impulsionar a violência desenfreada. E isso pode ser comprovado pelos acontecimentos dos últimos tempos em que a própria sociedade tem se arvorado no direito de exercer a violência para “punir” o crime. Como o Estado, o detentor do monopólio da violência legitima, a retirou do povo, prometendo exercê-la legitimamente, jamais poderá se omitir e deixar de agir.

Ocorre que, gradativamente, o Estado está abandonando o exercício da violência ou a exercendo com timidez. Chamam a atenção as inúmeras e reiteradas decisões judiciais na seara penal que insistem em minar a força do Estado, exigindo dos agentes de segurança pública, em diversos casos de flagrante delito, uma atuação impossível, com a indicação e imposição de critérios descolados da realidade. Muitas escolhas do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) têm demonstrado um inegável desejo de não cumprir com o poder-dever de exercer a violência legítima e, com isso, alcançar a prevenção a novos atos de violência.

Tudo isso ocasiona uma série de consequências graves: policiais que morrem no exercício da função por medo de cumprirem seu papel, diante da insegurança jurídica provocada, sobretudo, por decisões judiciais descoladas da realidade; criminosos deixam de sofrer a violência legitima da prisão, ficando livres e cometendo novos crimes; legislação e interpretações que levam à redução irresponsável do cumprimento da sanção penal imposta, bem como a concessão de benefícios variados a todos os tipos de condutas ilícitas, criando no imaginário popular a ideia de que “o crime compensa”; recuo da política criminal que busca exercer um direito penal abstrato e simbólico para uma sociedade que vive rodeada por facções criminosas e por crimes extremamente graves. O efeito direto disso é o que denominamos de “reintegração de posse da violência”.

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Esse fenômeno está ocorrendo pelo não cumprimento das promessas estatais de pacificação social, com o uso coerente da violência legítima. O Estado tem, inegavelmente, apresentado mensagens que indicam seu desejo de não exercer o seu poder-dever, fazendo com que a sociedade retome a titularidade da violência e a exerça, já que o ente que a retirou não cumpriu suas promessas. O problema está no exercício dessa violência perpetrada diretamente pela sociedade, não raro, com excessos e risco de injustiças.

A violência legítima exercida pelo Estado está acompanhada de todos os direitos e garantias ao cidadão, com a observância do contraditório e da ampla defesa, em cujo âmbito habita o devido processo legal. Exercer esse monopólio não significa cometer abusos ou arbitrariedades, mas sim e tão somente, agir conforme determinam a Constituição e as lei. Noutro sentido, quando a violência é exercida diretamente pela sociedade, tais direitos e garantias deixam de existir.

Assim, vemos que os sintomas desse fenômeno são os linchamentos e os chamados “tribunais do crime”, impulsionados pelo descrédito na atuação estatal. Se o Estado continuar com essa política de ter medo de ser Estado, não exercendo, legitimamente, a violência ou com vergonha de atuar, estaremos caminhando rumo ao caos e à barbárie.

*Leonardo Augusto de Andrade Cezar dos Santos é mestre e doutor (Universidad de Salamanca, Espanha); promotor de Justiça Titular do Tribunal do Júri da Comarca de Vitória (ES)

*Rodrigo Monteiro é doutor (Universidad de Salamanca, Espanha); Mestre (FDV); promotor de Justiça titular do Tribunal do Júri da Comarca de Vitória (ES)

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