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Opinião|O STF e a (in)justiça por atacado

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convidado
Por Marcelo Batlouni Mendroni

Foi amplamente veiculada foi a decisão monocrática de sua Exa. o Ministro Dias Toffoli do STF que anulou, de uma só vez, “por atacado”, todos os processos e investigações contra o empresário Marcelo Odebrecht na operação Lava Jato. Causou, de fato, enorme perplexidade. Era algo inimaginável há 3 ou 4 anos, mas no Brasil, como se diz, até o passado é incerto!

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Nossa análise aqui é baseada no teor das reportagens.

A decisão do ministro afirma que houve “conluio processual” entre o ex-juiz Sérgio Moro (atual senador pelo União Brasil) e a força-tarefa de Curitiba, base da Lava Jato. Toffoli concluiu também que os direitos do empresário foram violados nas investigações e ações penais. “O que poderia e deveria ter sido feito na forma da lei para combater a corrupção foi realizado de maneira clandestina e ilegal”, justificou. [...] Ao declarar a “nulidade absoluta de todos os atos processuais” contra Marcelo Odebrecht na Lava Jato, o ministro determinou que os inquéritos e processos envolvendo o empresário sejam trancados. A decisão não lista os procedimentos penais que foram atingidos. (Jornal o Estado de S. Paulo, 22/05/2024).

Não vamos referir o fato de que a Operação Lava-Jato revelou o maior esquema de corrupção já visto no Brasil (talvez no mundo), envolvendo incontáveis políticos e empresários, porque isso, para nossa vergonha, o mundo inteiro já sabe. Tampouco vamos referir aqui a configuração, em tese, de suspeição do Magistrado, também comentada pela mídia. Vamos apenas trazer a nossa opinião técnica jurídica a respeito dessa decisão.

A exemplo da altamente contestável em seu âmbito jurídico, da alcunhada “descondenação” ou “anulação das condenações” pelos graves crimes de corrupção e lavagem de dinheiro do atual Presidente da República - Luiz Inacio Lula da Silva; de forma juridicamente insustentável; sobreveio mais uma surpreendente anulação processual por parte do STF, para desespero das pessoas honestas que a assistiram com angústia, tristeza e desespero.

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Difícil, em pouco espaço, referir sobre o tema de nulidades processuais, tanto as relativas como as absolutas. Entretanto, pela interpretação da conjugação dos dispositivos, constitucional e legal, as provas e os fatos que elas demonstram devem ser apreciados de forma individual e não “coletiva” porque, havendo alguma Ação determinada na qual se produziu prova ilícita, esta, e as demais que dela decorrem, de forma específica, devem ser desentranhadas. A regra geral é de que as nulidades são relativas. As nulidades processuais devem ser apontadas e analisadas de forma específica, individual e objetiva em relação ao ato, a cada ato praticado, até para a análise da viabilização do princípio básico em Direito de que não há nulidade se não houver prejuízo (Pas de nulllitè sans grief). As atividades processuais das partes produzem provas. Elas, as provas, indicam a comprovação de fatos. As provas, em si mesmas, não são lícitas ou ilícitas. Elas provam algo de forma eficaz ou não provam. Elas podem revelar condutas ilícitas, mas não são elas, as provas, ilícitas em si mesmas. O que podem ser lícitas ou ilícitas são as ações, ou os “meios” através dos quais as provas são produzidas – obtidas.  As provas são estáticas, enquanto os meios são dinâmicos e estes, que são ações ou condutas é que podem ser ilícitos.

Constituição Federal: Artigo 5° LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Código de Processo Penal: Art. 157:  São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (grifamos).

Isso significa que as alegadas nulidades dos processos da Lava Jato contra Marcelo Odebrecht deveriam ser analisadas cada uma, individualmente e em detalhes, para que se pudesse aferir em cada Ação Judicial, qual e quanto prejuízo causaram, verificando-se caso a caso eventuais nulidades, absolutas ou relativas; mas jamais se anular tudo, todos os processos por atacado, e de uma só tacada.

As provas que não são produzidas ou obtidas por meios ilícitos (admissão das provas), devem ser mantidas nos Autos para posterior análise no julgamento da causa (valoração das provas). Se forem obtidas por meios ilícitos, ao contrário, são (devem ser) desentranhadas, não admitidas, e por consequência não serão analisadas na Sentença pelo juízo de valoração.

Independentemente da teoria aplicada acerca do sistema de provas proibidas, p. ex. – exclusionary rules/fruit of the poisonous tree do sistema norte-americano, ou a Beweisverbote do sistema alemão, etc. em todas aquelas com lógica jurídica democrática, sempre, incondicionalmente, há que se analisar cada situação jurídica de forma individual e específica.

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É ainda bastante inusitado e ilógico o fato de que, pela decisão, todos os processos foram anulados, por, em tese, contrariarem os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, mas os respectivos acordos foram mantidos. Os acordos de colaborações premiadas estão inseridos no âmbito e são decorrentes dos processos e funcionam como direcionadores das decisões, portanto, sem prejuízos para as partes acusadas. Se houve acordos de colaboração premiada, de se interpretar que decorreram, não prejuízos, mas vantagens para os réus, até porque sempre estiveram assistidos por Advogados por determinação imperiosa da Lei. Impossível, aliás, imaginar e supor qualquer espécie de coação contra suspeitos e acusados na assinatura dos acordos realizados na presença e com o estrito acompanhamento de Advogados, conforme se alegou.

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Enfim, a referida decisão é, ao que parece pelas reportagens, smj, de todo juridicamente insustentável. Então, como serão tratados e interpretados os demais casos semelhantes, a partir desse julgado? Passam a valer, assim, anulações “por atacado”, sem as demonstrações específicas e determinadas de fatos, de provas ilícitas e de indicações dos respectivos prejuízos? Poderão ser separadas as anulações dos processos, sem as anulações dos acordos obtidos no âmbito destes processos?

O STF continua, ao que muitos comentam, gerando incrível instabilidade jurídica no País, e, pelo que se assiste, não há qualquer esperança de estabilização.

Laws catch flies but let hornets go free” - A lei pega as moscas mas deixa livres os vespões.

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Marcelo Batlouni Mendroni
Procurador de Justiça/SP. Foto: José Patricio/Estadão
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