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Opinião|Particularidades do Judiciário e da democracia no Brasil

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Em uma lista de 36 países destacados em estudo da Secretaria do Tesouro Nacional divulgado nesta quinta-feira (25/1), o Brasil tem a maior população (214 milhões) e a segunda pior taxa de homicídios (22,4 para cada 100 mil habitantes), números que são superlativos quando comparados às demais nações. Conforme o Estudo Global sobre Homicídios 2023, divulgado em pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil lidera o ranking de países com mais homicídios do mundo em números absolutos. Só em 2021, o país registrou mais de 45 mil assassinatos, o que significa mais de 10% do total mundial no período.

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Dona da segunda maior população na lista destacada no estudo do Tesouro, a Alemanha tem 85 milhões de habitantes (pequena, em relação ao Brasil) e um PIB de cerca de R$ 21 trilhões (mais do que o dobro do brasileiro). Há na lista, ainda, 16 países com menos de 10 milhões de habitantes cada. Com relação aos assassinatos, nosso país registra uma taxa de 22,4 casos a cada 100 mil habitantes e perde apenas para África do Sul (42 casos por 100 mil pessoas) e só se compara à Guatemala e El Salvador (cerca de 20 ocorrências para cada 100 mil habitantes em cada). Oito países da lista registram uma taxa de um a dois homicídios por 100 mil pessoas e outros 15, menos de um homicídio a cada 100 pessoas.

Esses dados são fundamentais para compreender que o valor nominal do orçamento dos tribunais não é suficiente para comparar o desempenho em relação às demandas que cada sociedade apresenta a seu sistema de Justiça. Tal análise comparativa internacional só pode prover resultados corretos quando são levadas em consideração as especificidades de cada nação, como incluir ou não despesas de custeio e estrutura no orçamento de tribunais, desigualdades socioeconômicas, número de novos processos, de magistrados e de jurisdicionados.

Os recursos investidos pelo Brasil no Judiciário constituem parte do custo da democracia e são necessários para enfrentar a alta demanda que a sociedade brasileira impõe ao sistema judicial. Um dos países comparados ao Brasil pelo Tesouro, por exemplo, é Portugal –que tem uma população de 10 milhões de pessoas e uma taxa de homicídios de 0,8 a cada 100 mil habitantes. Para além da disparidade desses dados, os portugueses não incluem no orçamento de seus tribunais o necessário para arcar com prédios, insumos de trabalho, aparato tecnológico e funcionários, por exemplo. No Brasil, tudo isso é somado ao orçamento da Justiça.

Os dados mais recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que, em 2022, os tribunais brasileiros fecharam o ano com 81,4 milhões de processos em tramitação, sendo que 31,5 milhões foram casos novos. Em Portugal, naquele ano, houve o ingresso de 417,3 mil novos processos –75 vezes menos do que no Brasil. Enquanto um magistrado português atua em cerca de 400 processos por ano, no Brasil esse número é de mais de 1,7 mil.

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Diversos países comparados pelo Tesouro com o Brasil ficam na Europa, onde a taxa de resolução dos homicídios (quando o autor do crime é identificado) é de 92%, segundo estudo da Unodoc (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime) publicado em 2023 com base em dados de 2016. No Brasil, esse índice é de 37%, segundo dados do Instituto Sou da Paz divulgados em 2022.

A realidade e as demandas levadas ao Judiciário de lugares como Austrália, Áustria, Suíça, Reino Unido e San Marino são muito diferentes das brasileiras. Esse esclarecimento é necessário para evitar a propagação de preconceitos e informações falsas e distorcidas sobre o sistema de Justiça nacional, um dos mais sobrecarregados e produtivos do mundo, como se pode constatar através dos balanços anuais e públicos elaborados pelo CNJ.

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Frederico Mendes Júniorsaiba mais

Frederico Mendes Júnior
Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros
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