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Crianças e adolescentes devem ter a garantia de se desenvolver sem que todos os seus movimentos, gostos, desejos e opiniões sejam monitorados e utilizados para a manipulação de comportamentos e escolhas. Essa é a premissa básica para garantir a liberdade de crítica e pensamento, o livre desenvolvimento da personalidade, das representações subjetivas e identitárias e, até mesmo, a igualdade de oportunidades. E, no entanto, em um contexto de economia baseada em dados e intenso fluxo de informações, esta liberdade, tão fundamental e necessária, está ameaçada.
Pouca gente se dá conta que crianças e adolescentes são parcela relevante dos usuários de tecnologias da informação e comunicação, sendo que 82% deles já navegam na Internet. E, no entanto, é equivocado supor que essas tecnologias, sistemas e dispositivos, foram desenvolvidos considerando as especificidades e o melhor interesse desses indivíduos. Não que tenham sido necessariamente desenhados de forma mal intencionada, mas muitas vezes foram produzidos por adultos sem conhecimento do universo da infância, adolescência e suas características sensíveis e essenciais.
Isso significa que dados de crianças e adolescentes estão sendo tratados como se fossem de adultos, reféns de lógicas comerciais e sistemas de processamento de informações complexos, abstratos e frequentemente abusivos. Contudo, crianças e adolescentes não são mini adultos, mas pessoas em um estágio peculiar de desenvolvimento - mais vulneráveis e, por isso, com direito a proteção especial, inclusive nas relações de consumo de publicidade, marketing ou no uso de plataformas online. Dessa forma, é fundamental que o tratamento de dados pessoais desses indivíduos por empresas, interessadas na exploração ou até venda de informações para terceiros, seja regulado da perspectiva protetiva e garantista de direitos.
É fundamental que dados de crianças de até 12 anos só possam ser tratados quando houver consentimento de um responsável legal - sendo que dispositivos e serviços devem apresentar seus melhores esforços para assegurar que a regra foi obedecida.
Ainda, para se evitar a exploração comercial e manipulação comportamental, dados pessoais de pessoas de até 16 anos, idade inicial para a capacidade jurídica para atos da vida civil, não deveriam ser utilizados para microssegmentação publicitária, ou seja, para o direcionamento de comunicação mercadológica específica e extremamente persuasiva com base em informações íntimas e sensíveis. Entretanto, é o que ocorre frequentemente em redes sociais, quando vulnerabilidades socioemocionais de adolescentes são devassadas por anunciantes para estratégias sedutoras de marketing.
Na sociedade da informação, é necessário garantir a crianças e adolescentes o direito de acesso ao que de melhor a Internet pode oferecer, como conhecimento, lazer e cultura, sem condicioná-lo à lógica predatória de coleta de dados, sob o risco de violar direitos fundamentais, como a privacidade, o desenvolvimento sadio e a própria liberdade.
Pela mesma razão é preciso garantir a infância e a adolescência não sejam enquadradas e classificadas por modelos artificiais e algorítmicos opacos, que possam afetar seu acesso a serviços, como saúde e educação ou, ainda, a oportunidades sociais e profissionais. O risco é real e grave de criarmos uma sociedade ainda mais discriminatória e desigual, em que as pessoas estão fadadas a seguir um caminho pré-definido antes mesmo que suas capacidades, potencialidades e esforços pessoais possam aparecer e florescer diante de um mundo também em constante mutação.
É injusto, antiético e ilegal que o direito de crianças e adolescentes ao desenvolvimento livre da personalidade possa ser cerceado utilizando seus rastros digitais. Não é razoável tampouco que eles tenham seus horizontes limitados pelo que parecem dizer esses dados acerca do que já conhecem, gostam e buscam online. Isso seria prendê-la automaticamente em uma bolha autorreferencial, sem espaço para ampliar suas perspectivas, suas oportunidades e dimensões, inclusive socioeconômicas.
Essa proteção especial a dados de crianças e adolescentes é um movimento regulatório global, com normas consolidadas tanto na União Europeia quanto nos Estados Unidos. Em ambos os casos, a responsabilidade por essa proteção não é somente de mães e pais, mas sim de todos os setores e agentes envolvidos, em um esforço conjunto de cuidado, conforme determinou a própria Constituição Federal brasileira em seu Artigo 227, que estabelece como obrigação da família, Estado e sociedade, incluindo o setor empresarial, assegurar a prioridade absoluta dos direitos de crianças e adolescentes.
É neste sentido que o programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana, e outras entidades de direitos na Internet e de defesa do consumidor estão trabalhando para que uma lei geral de proteção de dados nacional observe a necessidade especial e específica de proteção e salvaguardas a crianças e adolescentes, considerando e estabelecendo as responsabilidades de todos em garantir que o presente e futuro desses indivíduos possam ser livres, com autonomia crítica e consciente de escolhas e oportunidades.
O debate, no Senado, em torno do Projeto de Lei da Câmara nº 53, de 2018, chega à reta final e todos os que acreditam na importância de se colocar crianças e adolescentes em primeiro lugar, como projeto de sociedade e de desenvolvimento de país, devemos ficar atentos e cobrar dos Parlamentares que cumpram o dever constitucional de proteção à infância e adolescência, garantindo-lhes o exercício de seus direitos e de uma verdadeira cidadania digital.
*Pedro Hartung é advogado e coordenador do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana; Marina Pita é jornalista e pesquisadora do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana
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