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Qualidade das licitações é fundamental para universalização do saneamento básico

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Por Roberto de Oliveira Muniz e Wladimir Antonio Ribeiro
Atualização:
Roberto de Oliveira Muniz e Wladimir Antonio Ribeiro. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Brasil precisa de muito investimento em saneamento básico. Segundo estudo da ABCON/KPMG, para a universalização do abastecimento de água e do esgotamento sanitário, em valores de 2019, são necessários investimentos de R$ 530 bilhões, o que significa aporte anual médio de R$ 34,7 bilhões para os próximos 15 anos, valor muito superior ao que o país investiu em 2018 (R$ 13,1 bilhões).

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Doutro lado, evidente a limitação fiscal. O orçamento público, que já se encontrava extremamente pressionado, hoje está em ainda piores condições, em razão dos necessários e extraordinários gastos decorrentes da pandemia da Covid-19. Tudo aponta que o caminho para a universalização do acesso ao saneamento básico passa pelos investimentos privados, mercado de capitais e financiamento dos bancos públicos e privados.

Contudo, esses investimentos somente acontecem quando há bons projetos e segurança jurídica. Ou seja, quando o investidor, mesmo assumindo alguns riscos, tem confiança de que os contratos serão cumpridos e que, não havendo anormalidades, haverá o retorno de seus investimentos em condições de mercado. Como se pode concluir, a qualidade dos contratos passa a ter um papel central. Isso nos faz perguntar: qual tem sido a qualidade das licitações e contratos dos últimos projetos de saneamento?

Projetos

Primeiro aspecto que tem que ser considerado é que os projetos que foram e estão sendo licitados em 2020 e 2021 não se derivam do Novo Marco Regulatório do Saneamento (Lei 14.026/2020), até porque, neste curto espaço de tempo, não seria possível que já produzisse resultados concretos. São projetos anteriores, quase todos iniciados na gestão do Presidente Michel Temer, e em contexto de procura do equilíbrio fiscal, ou seja, fazem parte do mesmo esforço no qual se aprovou, por exemplo, a Emenda Constitucional do Teto de Gastos.

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Analisando o mais famoso dos projetos recentes, o da concessão de água e esgoto na Região Metropolitana de Maceió, pode-se observar que o seu aspecto central foi o de ter gerado receita para os cofres estaduais. Ou seja, a empresa privada pagou para o Poder Público o valor de R$ 2,1 bilhões, a título de ônus, que não foram destinados para investimentos em saneamento básico, porque tais recursos passaram a integrar o Caixa Único do tesouro estadual, contribuindo para o equilíbrio das contas públicas.

Os números do projeto indicam que, em média, cada ligação de água pagará R$ 13 mensais, ao longo de 35 anos, apenas para devolver, sem juros, o valor de R$ 2,1 bilhões pago pela empresa privada como ônus pela outorga do direito de explorar os serviços. Este modelo impõe um custo adicional ao usuário ou ainda, quando não há aplicação dos recursos para investimentos no sistema, posterga a universalização do acesso.

Na prática embutiu nas faturas mensais de água e esgoto um tributo novo. Com isso, eleva o valor dos serviços de saneamento, essenciais à saúde pública, inclusive trazendo novos custos para todas as atividades econômicas que usam estes serviços como insumo, diminuindo a competitividade econômica. Doutro lado, tarifas muito elevadas trazem maiores riscos políticos, especialmente de que os reajustes e revisões não sejam concedidos em seus valores integrais.

O que se pode concluir é que o pagamento de ônus, ou seja, de uma determinada quantia, pelo direito de explorar os serviços de saneamento, salvo situações excepcionais, não é um bom modelo para a universalização. Espera-se que as modelagens de concessões já disciplinadas pelo Novo Marco Regulatório tenham outras opções.

Preço e técnica

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Outro projeto de destaque é a licitação, realizada no Estado do Ceará, da produção de água mediante dessalinização da água do mar. Trata-se de importante projeto para a segurança hídrica, pois visa garantir que, mesmo em situações de escassez hídrica, o abastecimento de água não seja prejudicado. A importância do projeto é tanto para a saúde pública, como para as atividades produtivas, que podem se implantar e se desenvolver sem a preocupação de que não venha a ter acesso a um insumo fundamental.

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Nessa outra licitação não se previu o pagamento da outorga pela concessão dos serviços, o que já a torna muito superior à realizada em Maceió. Porém, mesmo em se tratando de projeto que envolve tecnologias novas e complexas, a licitação teve como único critério a menor tarifa, em detrimento do modelo licitatório técnica e preço, ideal para este projeto.

A qualidade técnica do projeto, especialmente por se tratar de algo inovador, pode variar muito. Doutro lado, os riscos do empreendimento são muito maiores, justamente porque não se trata de atividade que tenha experiência conhecida, especialmente nas peculiares condições do saneamento básico brasileiro.

A inclusão de uma avaliação técnica seria fundamental. A própria licitação terminou com três licitantes ofertando preços semelhantes, ou seja, o melhor preço apresenta uma diferença menor que 2%, pequena diferença em relação aos demais preços ofertados. E aí vem a pergunta: e a qualidade, seria a mesma? Como saber isso se não houve avaliação técnica?

Apesar de os tribunais de contas privilegiarem o menor preço como critério de avaliação, isso não retira do Poder Público a responsabilidade de escrutinar e buscar de forma zelosa a comprovação da capacidade técnica e financeira dos participantes, tornando muito mais exigente e importante a fase de habilitação.

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Qualidade

A fase de habilitação não pode ser apenas um rito burocrático. As atestações técnicas devem cumprir todos os requisitos legais para serem aceitas e, doutro lado, necessária a plena comprovação da capacidade e da saúde financeira dos consórcios e de cada empresa participante, evitando o risco de descontinuidade do projeto.

Não se pode utilizar apenas a menor tarifa, sob pena de o saneamento básico rebaixar a sua qualidade, com visão imediatista incompatível com a visão de longo prazo que deveria imperar no setor.

Conhecido o menor preço, a Administração Pública se torna menos exigente na avaliação dos atestados técnicos. Nosso sistema de contratações, por vezes, idolatra o menor preço, prestigiando o lamentável fenômeno das aquisições de baixa qualidade.

Margens de preço muito apertadas, com projetos de elevados riscos podem gerar prejuízos muito maiores que a pretensa economia. E prejuízos não só para a Administração Pública, mas para o setor de saneamento. Isso porque contratos que não sejam cumpridos, ou que gerem conflitos com o Poder Público, com os usuários ou com os órgãos ambientais, trazem para os investidores a sensação de risco, o que faz com que exijam maiores remunerações para que continuem a investir seus capitais no setor de saneamento básico. Com contratos ruins, todos nós pagaremos mais caro para ter saneamento básico.

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Realizar uma reflexão sobre a qualidade de nossas licitações e contratos tem que ser uma constante, da mesma forma que devemos estar sempre abertos a novas tecnologias. Somente desta forma é que conseguiremos enfrentar o enorme desafio de propiciar o saneamento básico que a nossa sociedade merece e precisa.

*Roberto de Oliveira Muniz, engenheiro civil. Diretor de Relações Institucionais, Comunicação e Sustentabilidade da GS Inima. Foi presidente executivo e atualmente membro do conselho da ABCON - Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto. Ex-senador da República - BA

*Wladimir Antonio Ribeiro, advogado. Head de saneamento básico no escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques - Sociedade de Advogados. Foi consultor do governo federal na elaboração da LNSB - Lei Nacional de Saneamento Básico

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