Atualizado às 10h26*
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Benedito Gonçalves, relator da Operação Placebo, decidiu afastar o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), do cargo por 180 dias, em razão de supostos desvios da Saúde do Estado. A decisão ainda proíbe o acesso de Witzel às dependências do governo do Estado e a sua comunicação com funcionários e utilização dos serviços. A medida faz parte da Operação 'Tris in Idem' que faz buscas em seis Estados e no Distrito Federal e tenta prender 17 pessoas, entre elas o presidente do PSC, Pastor Everaldo, e o ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do Rio Lucas Tristão e o ex-prefeito de Volta Redonda Gothardo Lopes Netto.
A Procuradoria-Geral da República chegou a pedir a prisão de Witzel, mas o ministro do STJ negou.
"Os fatos não só são contemporâneos como estão ocorrendo e, revelando especial gravidade e reprovabilidade, a abalar severamente a ordem pública, o grupo criminoso agiu e continua agindo, desviando e lavando recursos em pleno pandemia da Covid-19, sacrificando a saúde e mesmo a vida de milhares de pessoas, em total desprezo com o senso mínimo de humanidade e dignidade, tornando inafastável a prisão preventiva como único remédio suficiente para fazer cessar a sangria dos cofres públicos, arrefecendo a orquestrada atuação da organização criminosa", destacou o ministro do STJ na decisão.
Witzel foi notificado sobre seu afastamento no Palácio dos Laranjeiras. A medida foi considerada previsível por integrantes do STJ ouvidos reservadamente pela reportagem. Na avaliação de um ministro, o governador se cercou de péssimas companhias. Segundo o Estadão apurou, as medidas foram tomadas por Gonçalves para impedir a reiteração de crimes e para garantir o aprofundamento das investigações. "A defesa do governador Wilson Witzel recebe com grande surpresa a decisão, tomada de forma monocrática e com tamanha gravidade", afirmam os advogados de Witzel.
Em pronunciamento de mais de 20 minutos à imprensa no fim da manhã, Witzel se disse indignado e "vítima de perseguição política". Ele afirmou que vai recorrer do afastamento e seguirá morando no Palácio Laranjeiras. "Não fui despejado."
Ele acusou a procuradora Lindôra Araújo, responsável por sua denúncia, de perseguição e ligação com a família Bolsonaro, de quem se tornou desafeto. "Uma procuradora cuja imprensa já denunciou um relacionamento próximo com a família Bolsonaro. Bolsonaro que já declarou que quer o Rio de Janeiro, já me acusou de perseguir a família dele", disse Witzel.
O governador afastado chamou a busca e apreensão promovida pela Polícia Federal em sua residência oficial de "busca e decepção". "Não encontrou um real, uma joia. Foi mais um circo. Lamentavelmente, a decisão do excelentíssimo senhor ministro Benedito, induzido pela procuradoria da República, na pessoa da doutro Lindôra, que está se especializando em perseguir governadores, desestabilizar os estados da federação, com investigações rasas, buscas e apreensões preocupantes", disse Witzel. Ele ainda chamou o ex-secretário de Saúde do Estado Edmar Santos - que chegou a ser preso e, em delação premiada, acusou Witzel de ter ligação com desvios - de "canalha" e "vagabundo". De acordo com Witzel, a delação de Edmar Santos é "mentirosa".
Entre os alvos das buscas da 'Tris in Idem' estão a primeira-dama Helena Witzel e André Ceciliano, presidente na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Agentes estiveram na sede administrativa da Casa na Rua da Alfândega, a poucos metros do Palácio Tiradentes, e também na casa do parlamentar na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. A PF também cumpre mandados no Palácio Laranjeiras, no Palácio Guanabara e na residência do vice-governador, Cláudio Castro.
Na decisão, o ministro determinou a prisão preventiva de seis investigados: o empresário Mário Peixoto, Alessandro de Araújo Duarte, Cassiano Luiz da Silva, Juan Elias de Paula Gothardo Lopes Netto e Lucas Tristão do Carmo, para a garantia da ordem pública, para a conveniência da instrução criminal e para assegurar a lei penal. Os presos e Witzel estão proibidos de manterem contato entre si e com os demais investigados, exceto se cônjuges ou pais e filhos, e com as testemunhas da investigação.
A Procuradoria-Geral da República informou que ao todo são cumpridos 17 mandados de prisão - seis preventivas e 11 temporárias - e 72 de busca e apreensão. As ordens são cumpridas no Distrito Federal e em seis Estados: Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Alagoas, Sergipe, Minas Gerais. Um endereço no Uruguai também é alvo da operação - um dos investigados cuja prisão preventiva foi decretada estaria no local, indicou a PGR.
O Ministério Público Federal apontou que a operação deflagrada nesta manhã foi batizada de 'Tris in Idem' em 'referência ao fato de se tratar do terceiro governador do Estado que se utiliza de esquemas ilícitos semelhantes para obter vantagens indevidas'.
"A partir da eleição de Wilson Witzel, estruturou-se no âmbito do governo estadual uma organização criminosa, dividida em três grupos, que disputavam o poder mediante o pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos. Liderados por empresários, esses grupos lotearam algumas das principais pastas estaduais - a exemplo da Secretaria de Saúde - para implementar esquemas que beneficiassem suas empresas", afirmou a Procuradoria em nota.
Além das medidas da 'Tris in Idem', o ministro do STJ Jorge Mussi autorizou, no âmbito de outro inquérito, o cumprimento de 12 mandados de busca e apreensão no Piauí, com o objetivo de coletar provas sobre suposto esquema de nomeação de funcionários fantasmas no governo fluminense para desvio de dinheiro público.
As últimas semanas já vinham sendo de burburinho nos bastidores da política fluminense sobre o provável afastamento de Witzel. Desde a homologação da delação premiada do ex-secretário de Saúde Edmar Santos, no início deste mês, começou-se a especular que a saída via Judiciário ocorreria antes da saída política.
A Alerj ainda vai discutir o impeachment do governador, um processo que passa por idas e vindas judiciais - principal estratégia de Witzel para evitar o afastamento. Não se sabe ainda, contudo, como ficará o clima na Casa depois da operação desta sexta-feira, que também a atingiu.
Operação Placebo
A 'Tris in Idem' é um desdobramento da Operação Placebo, que foi inicialmente aberta em maio, quando a Polícia Federal cumpriu 12 mandados de busca e apreensão, parte deles em endereços do governo fluminense, para investigar suposto esquema de corrupção envolvendo a instalação de hospitais de campanha para combate ao novo coronavírus no Estado.
Com o decorrer das investigações, a Procuradoria-Geral da República chegou a pedir exclusividade na condução das investigações de compras e contratações emergenciais firmadas pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio tendo em vista que provas colhidas 'claramente colocavam o governador Wilson Witzel no vértice da pirâmide'.
O ex-secretário estadual de Saúde do Rio, Edmar Santos - preso em uma das operações sobre desvios na Saúde fluminense, a Mercadores do Caos - fechou delação com o Ministério Público Federal. Em seus relatos, ele citou diferentes integrantes da cúpula do governo fluminense e ainda apontou a existência de contratações em organizações sociais por indicações de parlamentares.
COM A PALAVRA, A PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA
A subprocuradora-geral da República Lindora Maria Araújo, por meio da assessoria de imprensa da PGR, afirmou que, assim como em todos os casos que tramitam na Assessoria Jurídica Criminal para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), sua atuação é pautada em provas e é sempre submetida à apreciação do Poder Judiciário. "O descontentamento dos investigados é natural e deve ser manifestado e rebatido nos autos", disse.
COM A PALAVRA, O GOVERNADOR WILSON WITZEL
A defesa do governador Wilson Witzel recebe com grande surpresa a decisão, tomada de forma monocrática e com tamanha gravidade. Os advogados aguardam o acesso ao conteúdo da decisão para tomar as medidas cabíveis.
COM A PALAVRA, O PASTOR EVERALDO
O Pastor Everaldo sempre esteve à disposição de todas as autoridades e reitera sua confiança na Justiça.
COM A PALAVRA, O PSC
O ex-senador e ex-deputado Marcondes Gadelha, vice-presidente nacional do PSC, assume provisoriamente a presidência da legenda.
O calendário eleitoral do partido nos municípios segue sem alteração.
O PSC reitera que confia na Justiça e no amplo direito de defesa de todos os cidadãos.
O Pastor Everaldo sempre esteve à disposição de todas as autoridades, assim como o governador Wilson Witzel.
COM A PALAVRA, O DEPUTADO ANDRÉ CECILIANO
O presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), deputado André Ceciliano, está acompanhando os desdobramentos da Operação Tris in Idem e seus impactos na governança do Estado do Rio de Janeiro.
Ceciliano desconhece as razões da busca e apreensão em seus gabinetes no prédio da Rua da Alfândega e no anexo, mas está tranquilo em relação à medida. Ele pôs à disposição dos agentes da PF seu gabinete no Palácio Tiradentes, que não estava incluído no mandado.
Ceciliano reitera a sua confiança na Justiça e afirma que está pronto a colaborar com as autoridades e a contribuir com a superação desse grave momento que, mais uma vez, o Rio de Janeiro atravessa. Ele também colocou seus sigilos bancário, fiscal e telefônico à disposição das autoridades.