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Bolsonaro era o ‘comandante’ do processo e deve ser indiciado, diz relatora da CPMI do 8 de Janeiro

Relatora da CPMI do 8 de Janeiro disse em entrevista exclusiva ao Estadão que o seu relatório destacará as Forças Armadas como a instituição responsável por impedir a tentativa de golpe de Estado no País

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Foto do author Daniel Haidar
Por Weslley Galzo e Daniel Haidar
Atualização:
Foto: Evaristo Sá / AFP
Entrevista comEliziane GamaRelatora da CPMI do 8 de Janeiro

BRASÍLIA - Depois de serem revelados o suposto esquema de desvio de presentes presidenciais e os repasses de dinheiro de auxiliares para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) avalia que há grandes chances de que Bolsonaro seja alvo de um pedido de indiciamento no relatório final que ela vai produzir na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos golpistas de 8 de janeiro em Brasília.

A relatora da CPMI faz essa avaliação sobre Bolsonaro com base no papel de comando que ele exerceu como presidente da República na instigação dos atos que culminaram em uma tentativa de golpe de Estado no dia 8 de de janeiro deste ano. “Ele era o comandante máximo de todo esse processo”, afirmou Eliziane ao Estadão.

A senadora Eliziane Gama diz que o ex-presidente Jair Bolsonaro pode ter recomendação de indiciamento no relatório final da CPMI Foto: WILTON JUNIOR

“No caso de Bolsonaro, para além da questão do financiamento, a gente precisa também entender a autoria intelectual. Ele era o maior formador de opinião do Brasil. E a gente precisa também responder à pergunta: Quem planejou? Quem instigou o 8 de janeiro? O indiciamento é muito possível exatamente por isso”, acrescentou a senadora.

Além de Bolsonaro, outro ator institucional na trama do 8 de janeiro que deve figurar em seu relatório são as Forças Armadas. O Exército, a Marinha e Aeronáutica, no entanto, terão destaques positivos no documento a ser redigido por Eliziane. Para ela, o País só resistiu ao golpe por causa do papel exercícido pelo alto comando da caserna. “A instituição Forças Armadas impediu um golpe no país”, resumiu.

Confira abaixo os destaques da entrevista:

O presidente da CPMI, deputado Arthur Maia, já disse mais de uma vez que ainda não vê indícios para quebra de sigilo, tampouco a convocação de Bolsonaro e Michelle. Qual é a opinião da senhora sobre a importância e a necessidade de pautar esses requerimentos?

Tive muito cuidado, numa primeira etapa, de evitar qualquer uso político, por exemplo, de um órgão desse, que é muito importante, que é uma CPMI. E aí, por isso, eu coloquei logo lá atrás. Não houve necessidade de quebra de sigilo do ex-presidente Bolsonaro ou da Michelle. Só que, depois de recebermos, por exemplo, o RIFS (Relatórios de Inteligência Financeira) do Mauro Cid ficou muito claro uma necessidade de ampliar e entender um pouco essa relação e essas transferências financeiras bancárias, porque uma das linhas de investigação da nossa CPI, uma resposta que a gente precisa dar, é quem financiou o golpe. Então, para a gente entender quem financiou o golpe, a gente precisa saber para onde é que esse dinheiro está sendo movimentado. Não é, por exemplo, a investigação em si do crime de negociação de produtos, de joias que deveriam estar no patrimônio público e não estavam. Então, não é especificamente esse crime.

A senhora já tem suspeitas e indícios de que esse dinheiro chegou para o Bolsonaro?

Hoje, o que nós temos de indícios, na verdade, a gente tem, porque há uma movimentação muito grande e intensa do Mauro Cid. Ele era um ajudante de ordens, então ele fazia movimentação para o próprio Bolsonaro, para Michelle Bolsonaro. E ele está diretamente ligado, por exemplo, à questão das joias, dessa venda e dessa comercialização. Ao mesmo tempo, também, no celular dele havia, por exemplo, uma minuta de golpe. Então, ele fez vários contatos em relação ao golpe, em relação à tentativa do golpe, em relação à invasão na Praça dos Três Poderes. Então, por conta disso, há uma necessidade, de fato, clara de a gente ampliar e de a gente entender como se deu esse fluxo financeiro.

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O que a gente precisa entender é se esse dinheiro, que foi fruto dessa negociação desses objetos luxuosos, ele também serviu para financiar o ato do 8 de janeiro

Eliziane Gama, relatora da CPMI do 8 de Janeiro

Esses e outros fatos que a senhora narrou permitem incluir o Bolsonaro como investigado nessa reta final?

Não há dúvidas que a gente poderá estar incluindo nas próximas semanas, mas não é uma decisão definitiva. Eu acho que o resultado do que vier, por exemplo, do RIFS, é o que vai nos dar uma visão. Se é possível ou não ele ser incluído como investigado, se é necessário ou não ele ser ouvido, de fato, na CPMI. Eu ainda te asseguro que hoje, diante da necessidade de a gente buscar o RIF dele, a gente já iniciou o processo de investigação. Então, a gente já pode compreender que há indícios claros de ele (Bolsonaro) ser, de fato, colocado como alguém investigado pela CPMI.

A senhora pretende propor indiciamento no seu relatório?

A questão do indiciamento em relação ao Bolsonaro é algo que naturalmente também é muito possível que isso venha a acontecer. Exatamente por isso. Na medida que você pede um RIF, você vai fazer essa avaliação. Tem um RIF, teve movimentação atípica e tal, tem esse movimento. E aí, também, no Bolsonaro, para além da questão do financiamento, a gente precisa também entender a autoria intelectual. Ele era o maior formador de opinião do Brasil. Ele era um cara que falava e as pessoas ouviam, porque ele tem seguidores, como tem ainda hoje seguidores. Então, ele tem um nível de influência muito grande. E a gente precisa também responder a outra pergunta. Quem pensou? Quem planejou? Quem, na verdade, instigou, de fato, o 8 de janeiro? Então, eu acho que, no caso dele, a gente precisa estar antenado em relação a essas duas perguntas.

A questão do indiciamento em relação ao Bolsonaro é algo que naturalmente também é muito possível que isso venha a acontecer.

Eliziane Gama, relatora da CPMI do 8 de Janeiro

A senhora vê Bolsonaro como parte de uma rede golpista, com militares ao seu lado, ou ele estava acima coordenando tudo?

Ele era o presidente da República. Ele tinha um poder muito grande. Ele tinha uma força política muito grande. Então, claro que no entorno dele havia pessoas, por exemplo, da Aeronáutica, pessoas do Exército, da Marinha. Há todo um conjunto de militares no entorno dele que tinham e estavam sob o guarda-chuva dele. Ele era o comandante máximo de todo esse processo. Quer dizer, ele era o líder. Ele era alguém que tinha uma posição muito preponderante por ser o presidente da República. Então, naturalmente que você não pode, até agora, nesse momento, dizer que ele tem uma responsabilidade individual ou existia também outras pessoas no entorno dele. É uma pergunta que a gente deverá estar respondendo nas próximas semanas.

O presidente da CPMI tem um entendimento de que a CPMI não deve investigar o caso das joias porque não é o objeto da comissão. Porém, a senhora acredita que o dinheiro oriundo dessas transações, dessas movimentações de joias, foi de alguma maneira utilizado na preparação do 8 de janeiro?

É exatamente isso que a gente precisa responder. E, mais uma vez, eu digo, eu não faço a defesa da investigação do crime, da comercialização de produtos, de presentes, de instrumentos que deveriam, por exemplo, estar no acervo público brasileiro. Eu acho que esse é um tipo de crime, é um tipo de ilegalidade que não compete à CPI fazer essa investigação. Então, isso para mim é um ponto pacífico, esse não é o nosso objeto. Agora, é o nosso objeto entender qual dinheiro foi usado para o financiamento do 8 de janeiro. E aí, se eu tenho um ajudante de ordem que trata de atos antidemocráticos e eu tenho esse mesmo ajudante de ordem que participa de movimentação financeira, eu preciso entender se esta movimentação financeira veio para o ato do 8 de janeiro.

Como é que estão as suspeitas relacionadas a empresários?

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Nós estamos debruçados, nós estamos estudando, estamos fazendo essa ligação. Porque essas pessoas, por exemplo, que são ligadas mais ao agronegócio, são pessoas que estavam fisicamente no ato. Algumas dessas empresas, por exemplo, tiveram negociações com o governo federal na parte mais pública, por exemplo, inclusive com recursos do BNDES, adquiriram veículos e esses carros foram utilizados no ato do 8 de janeiro. Então, é esse o conjunto aí que a gente precisa entender. Quer dizer, é uma empresa que tem negociação com o governo federal, que recebe dinheiro público e usa o que adquiriu a partir desse dinheiro público para um ato golpista?

A CPMI só ouviu dois personagens das Forças Armadas: Mauro Cid e Jean Lawand. As Forças Armadas estão sendo poupadas?

Acho que as Forças Armadas no Brasil hoje, o Alto Comando, a instituição Forças Armadas impediu um golpe no País. A instituição como um todo não se curvou, não aceitou, na verdade, essa provocação, e tanto que nós não tivemos um golpe no Brasil. Agora, as pessoas que instigaram, elas têm que ser responsabilizadas por isso. Nós já temos aprovado aqui a convocação do general G.Dias. Tenho uma proposta apresentada da convocação do general Dutra, que claramente foi a pessoa que, pelos relatos que nós temos, impediu a desmobilização dos acampamentos. O general Augusto Heleno (ex-ministro de Bolsonaro) também é um dos nomes que a gente já colocou da necessidade, de fato, de ouvir. Nós estamos exatamente no meio da CPI. Nós temos mais três meses de trabalho pela frente, e nos próximos três meses de trabalho nós precisamos esgotar essa pauta. Na minha parte como relatora, não estou poupando ninguém. Sigo uma linha de investigação. Vamos tentar encontrar as pessoas que individualmente tentaram chegar e trabalhar para que houvesse, de fato, esse golpe no Brasil.

Eu acho que as Forças Armadas no Brasil hoje, o Alto Comando, a instituição Forças Armadas impediu um golpe no país.

Eliziane Gama, relatora da CPMI do 8 de Janeiro

Quais são os argumentos e a expectativa da senhora para conseguir demover o presidente da CPMI dessa resistência sobre Bolsonaro, sobre a falta dessas coisas de Bolsonaro?

Vou convencer, como a gente já teve dor de cabeça e já evoluiu em outras partes. A nossa ideia, de fato, é fazer a coisa acontecer da CPI. Como eu disse, a gente precisa entender o fluxo financeiro. Não a investigação do crime, sim, mas o fluxo que a gente tem que ter. E, para isso, a gente precisa entender esse cruzamento a partir da quebra desses dados bancários.

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A senhora já pensa na quebra de sigilo telemático, bancário de algum general, ex-comandante? Ou oficial mais ideológico ligado ao Bolsonaro?

O do pai do Mauro Cid a gente precisa quebrar, porque ele, de uma forma muito direta, participou desse processo de negociação, num período muito intenso, quando a gente estava com várias manifestações golpistas no Brasil. Então, eu acho que ele é uma pessoa que a gente, de fato, precisa quebrar. Como eu acho que a gente precisa quebrar o sigilo do Wassef, que é o advogado que participou de uma forma muito direta em relação a essa negociação. Os ajudantes de ordem também tiveram um papel muito preponderante. Eram muito próximos do Maurício Cid. Então, esses ajudantes também estão no foco.

Se o relatório tivesse que ser entregue hoje, qual que é o relatório que a senhora apresentaria? O que está na sua mente?

Eu não posso te dizer, porque eu não tenho elementos hoje que me dê conclusão de nada ainda. Eu te diria, do ponto de vista de conclusão, essa que eu te falei. Que, realmente, a instituição Forças Armadas impediu que o golpe ocorresse no Brasil. Porque, de fato, eles foram estados e provocados para isso. Todos os outros caminhos, como a gente tem tempo para isso, você tem uma linha que vai obedecendo cronologicamente. Se eu tivesse três meses, eu teria feito uma estratégia diferente para a gente chegar à conclusão de forma mais rápida.

A senhora acredita que será preciso estender o prazo?

Eu acredito que não. Essa é uma CPI com um tempo bem significativo. Todas as outras CPIs têm 120 dias. Essa foi para 180 dias. Então, eu acho que a gente pode concluir em novembro.

A senhora acredita que uma eventual recondução de Augusto Aras como procurador-geral da República, como defendem setores do governo Lula, pode fazer com que o relatório da senhora termine engavetado?

Olha, em relação à recondução do Aras, é um processo, na verdade, que está em curso. Eu, na verdade, não tenho hoje um posicionamento sobre isso, vai muito de uma decisão presidencial. Ele vem de um governo anterior que a gente acompanhou. Por exemplo, o resultado da CPMI, da pandemia, nós tivemos alguns problemas, que ela acabou, na verdade, não avançando na justiça por causa do próprio PGR. O Ministério Público acabou, na verdade, não dando a atenção necessária para o relatório da CPI da Pandemia, isso é um fato. Então, de fato, isso traz algumas dificuldades.

O que a senhora pretende fazer para que o relatório tenha encaminhamentos práticos e não tenha uma inação do MPF?

Qual é o grande problema? Nós temos uma função, a nossa função acaba do ponto de vista das atividades com o relatório. Então, você finaliza suas ações com relatório e encaminha os relatórios para vários órgãos e até instituições, dentre eles a Procuradoria Geral da República. A partir daí, o trabalho, do ponto de vista da responsabilidade individual, não é mais da CPI. É uma ação que deve acontecer no âmbito da magistratura brasileira e dos demais órgãos, que aí passa também pela PGR. O que é, na verdade, o nosso papel? O nosso papel é de fiscalizar e de cobrar a partir de então, que é também uma das funções do próprio Congresso Nacional. Então, cabe a gente, de fato, fiscalizar, exigir, cobrar, para que realmente os encaminhamentos possam ser dados. A gente precisa sempre deixar isso de forma muito clara e transparente. O papel da CPMI é fazer o relatório e encaminhar. E esse é o relatório que nós vamos construir. Aliás, nós já estamos, na verdade, construindo e construindo com a devida responsabilidade. Fazendo, na verdade, os indiciamentos justos, não é?

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