Nos rincões e gabinetes do País, a eleição já vai longe. Se não para a maioria dos candidatos a presidente- que ainda pelejam internamente, negociam adesões e palanques --, certamente para quem pleiteia a reeleição. Caso de Jair Bolsonaro e de uma miríade de deputados federais de diversas legendas. No escuro do Plenário, governo e parte da oposição tornam-se, todos, gatos pardos.
Isso ficou patente na votação, em primeiro turno, da PEC que altera a regra para o pagamento de precatórios e afeta o teto de gastos do governo federal. A proposta, em si, é um alívio para o populismo político com o dinheiro público que faz do necessário Auxílio Emergencial um boi e do teto de gastos a cerca furada. E por onde passa um boi, passará a boiada de recursos vários, expressos em emendas parlamentares e orçamentos secretos.
Gente qualificada e com credibilidade como Felipe Salto, articulista de O Estado e diretor-executivo da IFI, afirma que haveria, sim, espaço para atender aos pobres sem ignorar o imperativo moral dos precatórios. Instituir o Auxílio é bem fácil, mexer em emendas e no clientelismo dos líderes da Câmara é que é o xis do problema.
Impossível fugir do clichê: farinha pouca, a tigela do pirão do parlamentar é a que vem primeiro. Diante do autointeresse de cada deputado, a disciplina partidária é luxo descartável. O fato revela contradições e choques no interior da chamada terceira via e mostra que, no salve-se quem puder de hoje, quase todos perderão amanhã. Para quem tiver amanhã.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.