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Interpretação crítica e científica das instituições e do comportamento político

Opinião|Politização do desastre no Rio Grande do Sul é tragédia por si só

Foi desastrosa a decisão do presidente Lula de nomear, em caráter emergencial, seu ministro para atuar como autoridade federal em um estado cujo governador não pertence a um partido da base

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Foto do author Carlos Pereira
Atualização:

Políticos das mais variadas estirpes e colorações ideológicas sempre se deparam com um dilema diante de desastres naturais: tentar tirar vantagens políticas via politização do desastre ou se “autoconter” e esperar reconhecimento público por meio da empatia e da solidariedade ao sofrimento alheio.

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É do jogo democrático que políticos de oposição tentem atribuir responsabilidades pelo desastre e seus danos aos que governam. Por outro lado, os governantes de plantão também tentarão transferir tais responsabilidades a outras esferas do governo ou mesmo à própria magnitude da catástrofe.

Esse jogo de “transferência de culpa” é esperado diante da própria dificuldade dos eleitores de fazerem avaliações retrospectivas isentas ou livres de vieses políticos, ideológicos e afetivos do desempenho dos próprios políticos, especialmente em situações de catástrofes.

Paulo Pimenta foi nomeado por Lula para lidar com a tragédia no Rio Grande do Sul, um Estado governado pela oposição Foto: Ricardo Stuckert / PR

No artigo “Souces of bias in retrospective decision making: experimental evidence on voters’ limitations in controlling incumbents”, Gregory Huber, Seth Hill e Gabriel Lenz mostram, em análise experimental, que: (1) eleitores tendem a supervalorizar a performance do governante em eventos que ocorrem mais perto das eleições do que o desempenho cumulativo ao longo do governo; (2) a avaliação que os eleitores fazem do governante é fortemente impactada por eventos fora do controle do governante, como desastres naturais, mesmo quando são informados de que tais eventos não estão correlacionados com a sua performance; e (3) eleitores tendem a ser manipulados pela retórica que atribui mais peso ao desastre do que ao desempenho geral do governante.

Esses resultados apontam limitações importantes dos eleitores de se valerem da democracia retrospectiva na avaliação do governante em situações de crise e na tomada de decisão eleitoral subsequente.

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Já existe evidência no Brasil de que tanto o reconhecimento formal da situação de emergência (que gera um contexto jurídico especial no qual os municípios afetados podem contratar serviços sem licitação e receber recursos do governo federal de forma mais ágil por meio de transferências do ministério da Integração Nacional) como a alocação de recursos federais para municípios brasileiros que sofreram desastres naturais obedece a uma lógica político-partidária.

Governador Eduardo Leite terá que lidar com a presença de uma autoridade federal no processo de reconstrução do Rio Grande do Sul Foto: Mauricio Tonetto / Secom RS

No artigo “A politização de desastres naturais: alinhamento partidário, declarações de emergência e alocação de recursos federais para municípios no Brasil”, os pesquisadores Anderson Henrique e Mariana Batista, da UFPE, mostram que, no período de 2010 a 2015 (quando o PT ocupava a Presidência), os municípios brasileiros foram afetados por 18.605 situações que podem ser consideradas desastres naturais.

Entretanto, os autores indicam que os municípios governados por prefeitos alinhados ao governo federal, especialmente os pertencentes a partidos da coalizão do presidente ou ao partido do ministro da pasta responsável pelas transferências, apresentaram uma maior probabilidade de ter a condição de emergência reconhecida, bem como de receber maiores aportes de recursos federais de transferências emergenciais.

Daí porque ter sido desastrosa decisão do presidente Lula de nomear, em caráter emergencial, seu ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) e deputado federal, Paulo Pimenta (PT), para atuar como autoridade federal para a reconstrução do Rio Grande do Sul, um estado cujo governador, Eduardo Leite (PSDB), não pertence a um partido que faz parte da coalizão do presidente.

Além de explicitamente federalizar um desastre em uma esfera subnacional, a nomeação de Paulo Pimenta sempre será percebida com desconfiança e suspeição. Pesará sobre ele, um político gaúcho, a pressuposição de que é um representante do Presidente tentando auferir vantagens políticas do desastre. Além do mais, sempre existirão suspeitas de que os municípios governados por aliados do governo federal e do próprio ministro possam vir a ser desproporcionalmente beneficiados com a alocação de recursos federais e de políticas públicas emergenciais.

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Um contrafactual poderia ser a Bahia, que é governada por Jerônimo Rodrigues (PT), mesmo partido do presidente. Será que se a Bahia tivesse tido um desastre de proporções semelhantes ao Rio Grande do Sul, Lula teria indicado uma “autoridade federal” para atuar na sua recuperação? Ou teria preferido confiar a execução dos recursos federais a um governador do seu partido?

Parece que o “interventor” da confiança do presidente é o preço que está sendo cobrado pelos recursos federais.

Ao invés da autocontenção, o presidente Lula parece ter preferido a politização do desastre.

Opinião por Carlos Pereira

Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE) e sênior fellow do CEBRI.

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