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O que diz a nova versão do projeto de anistia que pode beneficiar Jair Bolsonaro?

Projeto de lei abre brechas para anistiar o ex-presidente de crimes relacionados ao 8 de Janeiro e busca tirar Alexandre de Moraes da relatoria de inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal

Foto do author Gabriel de Sousa
Foto do author Weslley Galzo
Atualização:

BRASÍLIA - O relator do projeto de lei que anistia condenados pelos atos do 8 de Janeiro, deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), apresentou nesta terça-feira, 10, um novo texto que contém brechas que podem beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O relatório também prevê que as investigações sobre os ataques golpistas deixem o gabinete de Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF).

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) Foto: Taba Benedicto/Estadão

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Valadares propõe anistiar todos os participantes das manifestações em defesa do golpe, inclusive aqueles que “as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas”.

Se for aprovada, a lei tornará imune de punição os financiadores da invasão aos prédios dos Três Poderes e os agitadores que insuflaram a multidão golpista por meio das redes sociais. Aliados de Bolsonaro e o próprio ex-presidente são investigados pelo STF por apoiarem as manifestações que terminaram em vandalismo e destruição do patrimônio público.

Para ser aprovada, a anistia aos condenados pelo 8 de Janeiro precisa ser aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, onde está atualmente. Se isso ocorrer, o texto será levado para o plenário da Casa, onde é preciso ter a maioria mínima de votos.

Caso isso seja concretizado, o tema vai para o Senado, onde será necessário o aval da maioria dos 81 senadores. Passado pelo Congresso, ainda é preciso que o texto seja sancionado pelo presidente da República.

O texto iria ser votado nesta terça-feira pela CCJ, porém, a base do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva liderou uma obstrução e impediu a deliberação. A sessão foi suspensa e será retomada nesta quarta-feira, 11.

Amplitude do texto pode beneficiar Bolsonaro

De acordo com juristas ouvidos pelo Estadão, a anistia prevista pelo novo texto de Valadares é ampla demais e pode beneficiar Bolsonaro. Isso acontece porque o relator diz que serão perdoados os crimes cometidos por ações que “mantenham correlação” com os atos golpistas de 8 de Janeiro.

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“Fica também concedida anistia a todos que participaram de eventos subsequentes ou eventos anteriores aos fatos acontecidos em 08 de janeiro de 2023, desde que mantenham correlação com os eventos acima citados”, diz um artigo do projeto de lei.

Ou seja, caso seja aprovada a anistia, será garantido o perdão para todos os condenados por investigações relacionadas à tentativa de golpe de Estado. Bolsonaro é investigado no STF por ser o mentor dos atos antidemocráticos em um inquérito que Moraes é relator.

Valadares negou ter a intenção de beneficiar Bolsonaro com a nova versão do texto. “Para entrar na anistia, tem que existir a correlação fática (com os eventos do 8 de Janeiro). O presidente Bolsonaro, a pedido dele, pediu para que ele não fosse incluído (na anistia)”, disse.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em reunião na Câmara dos Deputados Foto: Wilton Junior/Estadão

Fim de investigações relatadas por Moraes e inquéritos em primeira instância

O texto de Valadares também visa tirar Moraes da relatoria dos processos que tenham alguma relação com os atos de 8 de Janeiro. Segundo o texto, o julgamento dos processos serão deslocados para a primeira instância. No caso dos atos antidemocráticos, os inquéritos sairiam do STF e seriam transferidos para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DFT).

“Uma vez cessado o exercício da função, o julgamento de todos os processos atraídos por conexão ou continência será imediatamente deslocado para as instâncias adequadas, independentemente da fase processual que esteja em curso, observado os critérios e as regras de fixação de competência dos órgãos com poder jurisdicional previsto no ordenamento jurídico, ressalvado os casos em que houver sentença definitiva”, diz um trecho do projeto.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes Foto: Wilton Junior/Estadão

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Fim dos crimes ‘multitudinais’

Se aprovada, a lei da anistia também acabará com o argumento dos “crimes multitudinários”, utilizado por Moraes para condenar os golpistas pelos mesmos crimes: associação criminosa, tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e dano ao patrimônio público.

“A condenação pelos crimes previstos neste título não admite a incidência da figura do crime multitudinário, tampouco de qualquer teoria similar fundada na desindividualização ou na generalidade das condutas, exigindo-se, como pressuposto para a condenação, a individualização concreta dos atos praticados por cada coautor ou partícipe”, escreveu Valadares no relatório.

O crime de execução multitudinária se dá quando diferentes réus são condenados conjuntamente por um mesmo crime. Isso ocorre quando o juiz entende que o delito foi consumado por conta da ação conjunta de diferentes criminosos. O STF define o termo jurídico da seguinte forma:

“Aquele que resulta do fato de ter sido o agente levado à prática do crime por instigação de um grupo de pessoas amotinadas ou de multidão em estado de tumulto, o que constitui circunstância atenuante na aplicação da pena cabível. É o praticado por multidão em estado de agitado, impulsionada pelo desespero ou ódio levado por líderes, ou investigadores”, descreve o vocabulário jurídico do STF.

Anulação de multas eleitorais e proibição de inelegibilidades

Além do perdão aos crimes praticados, o projeto de lei também pretende anular as multas aplicadas pela Justiça Eleitoral aos beneficiados. Se entrar em vigor, a medida pode beneficiar parlamentares bolsonaristas punidos desta forma por atos relacionados ao 8 de Janeiro.

“Ficam anuladas as multas aplicadas pela Justiça Eleitoral ou Comum às pessoas físicas e jurídicas em decorrência dos atos descritos”, colocou o relator.

Em outro trecho, o projeto propõe assegurar “os direitos políticos, e, ainda, a extinção de todos os efeitos decorrentes das condutas a si imputadas, sejam cíveis ou penais, para as pessoas que se beneficiem da presente lei”. Na leitura de especialistas consultados pelo Estadão, o trecho impede que Bolsonaro fique inelegível em outras situações, mas não altera a atual situação do ex-presidente, que não pode participar de eleições até 2030.

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