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‘Eu era lotado na Câmara, mas trabalhava na fazenda do tio dele’, diz ex-assessor de Juscelino Filho

Ministro das Comunicações contratou como funcionário fantasma na Câmara de 2015 a 2022 um motorista que diz só ter trabalhado na propriedade rural do tio de Juscelino Filho; salário era pago com dinheiro público. Procurado, ministro ainda não se manifestou

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Por Tácio Lorran , Vinícius Valfré , Julia Affonso e Daniel Weterman
Atualização:

BRASÍLIA - O ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), contratou com dinheiro público o “faz-tudo” de fazendas da sua família, no interior do Maranhão. O motorista Waldenôr Alves Catarino passou quase uma década realizando diversos serviços braçais na roça enquanto era pago pela Câmara. Em entrevista exclusiva ao Estadão, o homem de 57 anos afirmou que foi contratado por Juscelino como assessor parlamentar, mas nunca trabalhou na função. O local de trabalho eram as terras do ex-senador e ex-prefeito de Santa Inês Roberth Bringel, tio de Juscelino.

“Era assim, ó: eu era lotado aí na Câmara Federal e trabalhava aqui para o tio dele na fazenda”, afirmou o trabalhador ao Estadão. “Eu fazia tudo, trabalhava num caminhão. Levava óleo para trator, instalando estaca na fazenda, fazia tudo…”, disse Waldênor.

Motorista Waldenôr Alves Catarino que foi nomeado assessor da Câmara por Juscelino Filho, mas só trabalhava na fazenda do tio do ministro das Comunicações Foto: Reprodução / Estadão

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O homem foi nomeado como secretário parlamentar no gabinete do então deputado Juscelino Filho logo no início do seu mandato, em outubro de 2015. A contratação irregular chegou ao fim somente em maio de 2022, um ano antes de Juscelino virar ministro de Lula, porque o funcionário quis mudar de emprego após se fartar do serviço duro que começava no nascer do sol e não tinha hora para acabar. “O serviço era muito puxado. Eu tinha que levantar todos os dias 5 da manhã, não tinha horário para parar”, contou.

Nos sete anos que esteve nomeado na Câmara, afirma Waldênor, uma das únicas vezes que fez algo para Juscelino Filho foi buscá-lo certa vez no aeroporto. O homem sequer se comunicava com o deputado, que, no papel, era seu chefe. “Se eu for dizer as vezes que eu falei com Juscelino foi pouco”, revela. O salário do motorista era de R$ 2,3 mil. Pelo período em que ficou na Casa, ganhou R$ 171,4 mil.

O caso de Waldênor se junta a outros revelados pelo Estadão que indicam desvio de verba pública por Juscelino, hoje comandando uma pasta federal com orçamento de mais de R$ 3 bilhões. Na última semana, o jornal mostrou que o piloto da aeronave e o gerente do haras de Juscelino são pagos até hoje com verba da Câmara. Eles estão lotados no gabinete do suplente do ministro, mas dão expediente mesmo nas propriedades de Juscelino.

Klennyo Ribeiro foi contratado em 2016 e hoje recebe R$ 7,8 mil por mês. Lotado na Câmara, ele cuida do Parque & Haras Luanna, em Vitorino Freire, e organiza vaquejadas. Já Leumas Rendder Campos Figueiredo pilota o bimotor Piper PA-34-220T Seneca V, que Juscelino tem em parceria com um outro tio. Para isso, recebe R$ 10,2 mil. Após a reportagem, a Casa Legislativa abriu uma apuração sobre a situação do piloto.

O Estadão revelou também que Juscelino Filho, já como ministro de Lula, ganhou diárias e usou avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para participar de leilões de cavalos de raça em São Paulo. O caso é investigado pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República. O deputado licenciado também omitiu um patrimônio superior a R$ 2 milhões em equinos, usou dados falsos para justificar 23 dos 77 voos declarados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na última campanha e, ainda, enviou verba do orçamento secreto para asfaltar uma estrada que passa no meio de suas fazendas, em Vitorino Freire.

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Família Bringel

O tio de Juscelino para quem Waldênor diz ter trabalhado por sete anos é o ex-senador e ex-prefeito de Santa Inês Roberth Bringel, irmão da mãe do ministro. Hoje, é suplente do senador Weverton (PDT), aliado de primeira ordem do ministro das Comunicações. Trata-se de uma figura influente no interior do Maranhão. É dono de ao menos R$ 791,9 mil em terras, de acordo com a declaração feita ao TSE em 2018. Sua esposa, Maria Vianey Bringel, também foi prefeita de Santa Inês.

Waldênor não é, contudo, o único funcionário que esteve lotado no gabinete de Juscelino e que, ao mesmo tempo, trabalhou para a família Bringel. O Estadão apurou que Vanuza Silva Mendes atua como secretária de Roberth Bringel. Ela paga contas e boletos para o político.

Após diversas ligações não atendidas, a reportagem entrou em contato com a mulher via aplicativo de mensagens, e perguntou se estava falando com a “Vanuza, secretária do sr Roberth Bringel”. A funcionária disse que “sim”. Em seguida, apagou o mensagem e ficou uma hora sem falar com a reportagem, alegando estar numa reunião. Por fim, ela ignorou o que havia dito anteriormente e informou que não está trabalhando com o tio de Juscelino. “Não tenho como te ajudar”, esquivou-se.

Vanuza foi nomeada no gabinete de Juscelino Filho em fevereiro de 2015 também como secretária parlamentar. Ela ganha R$ 6.181,07 por mês. Incluindo-se os auxílios, a Câmara já desembolsou R$ 801,9 mil com a funcionária. Hoje a mulher está lotada no gabinete do deputado federal Dr Benjamin de Oliveira (União Brasil), o suplente de Juscelino – assim como Leumas Figueiredo, o piloto, e Klennyo Ribeiro, o gerente do haras.

Procurado, o ministro não respondeu aos questionamentos do Estadão.

“Se eu for dizer as vezes que eu falei com Juscelino foi pouco”

Em entrevista ao Estadão, o motorista Waldênor Alves Catarino contou como era sua rotina durante os sete anos em que foi contratado pelo ministro Juscelino Filho para ser assessor parlamentar da Câmara, mas atuava como “faz tudo” da fazenda do tio do ministro.

Como era o trabalho do senhor para Juscelino Filho?

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Era assim, ó: eu era lotado aí na Câmara Federal e trabalhava aqui para o tio dele na fazenda.

O que o senhor fazia na fazenda?

Eu fazia tudo, trabalhava num caminhão. Levava óleo para trator, instalando estaca na fazenda, fazia tudo…

Quem era o tio do ministro para quem o senhor trabalhava?

Roberth Bringel. Ele foi senador na vaga do Weverton (Rocha, amigo e compadre de Juscelino Filho).

O senhor trabalhou lá por quanto tempo?

Eu trabalhei lá 9 anos.

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E lotado na Câmara?

Era.

Mas para o Juscelino o senhor nunca fez nada?

Para o Juscelino, só algumas vezes que ele chegava aqui... uma vez busquei ele no aeroporto, só isso mesmo.

Não fazia obrigações na Câmara?

Não, nunca fiz não.

Qual é a profissão do senhor?

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Lá na Câmara eu era secretário parlamentar, parece, alguma coisa assim. Mas aqui eu era motorista do Bringel.

O senhor ainda trabalha com ele?

Não, trabalho mais não.

O senhor recebia direitinho?

O salário eu recebia, todo mês eu recebia.

Era quanto?

Não tô lembrado agora, eram uns R$ 2 mil e um pouco.

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O senhor já veio a Brasília alguma vez?

Não, nunca fui aí não.

Hoje, o senhor reside em Santa Inês (MA)?

Moro. estou trabalhando, sou motorista aqui numa empresa.

Por que o Juscelino demitiu o senhor?

Eu não sei direito. Eu pretendia ter continuado, mas eu tive um problema com o tio dele. O Juscelino mesmo nunca me procurou. Se eu for dizer as vezes que eu falei com Juscelino foi pouco.

O senhor teve um problema com o tio dele?

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Tive. Foi problema de serviço.

Problema de quê?

O serviço era muito puxado. Eu tinha que levantar todos os dias 5 da manhã, não tinha horário para parar. Chegava 22 horas, 23 horas em casa. Às vezes quando o carro dava problema ele se zangava, ele é muito zangado. Eu vim empurrando por 9 anos, aí um dia não deu mais certo.

Pode detalhar como era o serviço?

Acordava cedo e ia levar óleo para trator. Depois era arame, comprova arame e todas as coisas de fazenda. Deixava vaqueiro na fazenda, ia buscar.

O senhor trabalhava sozinho?

No caminhão, só. Mas tinha outro motorista que trabalhava para ele também.

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Qual era o nome da fazenda em que o senhor trabalhava?

Rapaz, tem a Fazenda São Luís... são umas cinco fazendas. Eu prestava serviço para todas.

Como era a escala do senhor?

Era a semana toda, e sábado até meio dia.

E no domingo?

Às vezes eu descansava.

O senhor não achava errado estar na Câmara e trabalhar para o Bringel?

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Achava. Quando eu comecei a trabalhar já comecei assim. Aí pronto…

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