O diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Floriano de Azevedo Marques Neto, afirma que a extinção de fundos, proposta na reforma administrativa do governo Jair Bolsonaro, pode fazer com que gestores de áreas específicas tenham que negociar, todo ano, a reserva de verba no Orçamento. Atualmente, o dinheiro fica "carimbado" para determinadas funções.
Em entrevista ao Estado, Marques Neto afirma que, se por um lado isso "amarra" o Orçamento, porque dificulta a realocação de recursos, por outro permite uma previsão de gastos no longo prazo.
Em reportagem publicada nesta quarta-feira, o Estado mostrou que o governo federal ignorou ministérios na proposta de extinguir 248 fundos públicos que constituem cerca de R$ 220 bilhões do Orçamento. Ao menos seis pastas afirmam não terem sido consultadas sobre a possível extinção das reservas, idealizada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Em resposta à medida, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, pretende encaminhar ao Congresso projetos de lei para evitar o fim de dois fundos.
Fundos de áreas específicas “amarram” o Orçamento, como diz o governo? Depende do fundo. Um fundo que destina receitas do Tesouro para finalidades específicas pode amarrar o Orçamento, mas, ao mesmo tempo, permite uma previsão de gastos orçamentários de longo prazo. Mas há fundos em que a própria receita nasce vinculada. Nesses casos, o fundo pode até amarrar o orçamento, mas se ele deixar de existir, também não vai existir a receita.
Desvincular as receitas põe em risco programas e serviços públicos? A contrapartida disso é fragilizar destinações (de verba orçamentária) já conquistadas. As políticas públicas podem ser descontinuadas (se não houver mais o fundo) ou podem seguir sendo aplicadas desde que haja previsão de recursos (para aquela política pública) a cada lei orçamentária. Com a extinção do fundo, a cada ano, os defensores da política em questão terão que brigar pelo recurso durante a discussão do Orçamento.
Como o sr. acha que o governo deveria lidar com essa questão? Se for o caso, é melhor extinguir fundos em espécie: “Esse aqui era fundo para o desenvolvimento de telégrafos, não existe mais telégrafo, vamos extinguir”. Bastaria propor uma emenda que diga que os fundos terão prazo e uma reavaliação periódica. E aí, se não estiver correspondendo, o fundo é extinto. Passar a régua (em todos os fundos) é uma coisa, a meu ver, inconsequente.
É legal remanejar recursos carimbados para pagar dívida? Para os fundos compostos por receitas vinculadas ("carimbadas"), é ilegal. É mais ou menos assim: você ganha “x” mil reais e o dinheiro do ônibus. Você não pode pegar o dinheiro do ônibus e gastar em diversão. Esses fundos são feitos com receita que já surge "carimbada". Já em parte dos fundos, com receita tributária, pode ser uma medida legal, mas indesejável.