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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Financeirização e privatização das finanças públicas no Brasil

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Por Redação

José Celso Cardoso Jr., Doutor em Desenvolvimento (IE-Unicamp), desde 1997 é Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA. Atualmente, exerce a função de Presidente da Afipea-Sindical e nessa condição escreve esse texto

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Miguel Bruno, Doutor em Economia das Instituições (EHESS de Paris) e Doutor em Ciências Econômicas (IE-UFRJ). Professor e Pesquisador da Pós-Graduação em População, Território e Estatísticas Públicas da ENCE/IBGE e das Faculdades de Ciências Econômicas da UERJ e da Mackenzie Rio

Ilan Lapyda, Sociólogo (USP), com intercâmbio de um ano na Universidade de Paris 10 - Nanterre. Mestre e Doutor em Sociologia (USP)

O Fonacate (Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado) vem produzindo, desde 2016, reflexões críticas, documentos e proposições em defesa do Estado nacional, da CF-1988 e de políticas públicas orientadas para a restauração de uma trajetória de desenvolvimento democrático e soberano, produtivo, humano e ambientalmente sustentável, bem como regional e socialmente justo, includente e solidário.

Neste sentido, somos contrários à EC n.95 do teto de gastos (2016), às reformas trabalhista (2017) e previdenciária (2019), e temos nos colocado de forma aberta e decidida contra a PEC 32/2020, que busca implementar uma reforma administrativa de natureza e orientação autoritária, fiscalista e privatista.

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Para fundamentar nossa posição, produzimos o livro Rumo ao Estado Necessário: críticas à proposta de governo para a reforma administrativa e alternativas para um Brasil republicano, democrático e desenvolvido, que pode ser acessado pelo link disponibilizado ao final deste artigo[1].

Agora, a fim de dar sequência a este trabalho, queremos avançar no tema das finanças públicas no Brasil, já que:

i) todas as iniciativas e justificativas de desmonte de direitos sociais, laborais e previdenciários dos últimos governos assentam-se na falácia de que o Estado brasileiro está quebrado e, portanto, apenas ajustes fiscais estruturais e de longo prazo poderiam resgatar a credibilidade e restaurar o crescimento sustentado;

ii) o ajuste fiscal, concentrado na farta produção de restrições legais e administrativas aos gastos primários em investimento público, em políticas sociais e com o funcionalismo, não termina nunca porque nem a economia, nem receitas públicas, nem resultados fiscais se recuperam, o que coloca direitos e população sob ataque eterno;

iii) os lucros e sua concentração aumentaram e se sustentaram no agronegócio, nos grandes grupos varejistas e nos bancos, mesmo na semiestagnação pandêmica em curso, e;

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iv) o debate sobre finanças públicas no Brasil, diferentemente da direção observada no resto do mundo hoje, é altamente blindado pelo respaldo que a narrativa do governo encontra na grande mídia e no empresariado ideologicamente interessados na agenda liberal de mercado.

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Portanto, para contrarrestar a dita narrativa e apresentar alternativas críveis ao desmonte do Estado e à subalternidade das finanças públicas à ideologia liberal, tomamos a iniciativa de levar a cabo o projeto Financeirização e Privatização das Finanças Públicas no Brasil: arranjo institucional e implicações econômicas e sociais.

Resumidamente, sabe-se que desde os anos 1990 está em curso no Brasil um processo de financeirização e privatização das finanças públicas federais, que se manifesta por meio da liberalização financeira, da consolidação de regras fiscais disfuncionais à gestão da demanda agregada e do pleno emprego, da desindustrialização e do impulso à reprodução fictícia da riqueza, tudo isso expresso nas altas lucratividades das atividades de intermediação financeira e na centralidade dos ganhos de tesouraria mesmo para as empresas do chamado setor produtivo da economia.

As implicações desse fenômeno são perniciosas para a dinâmica de crescimento econômico, bem como para as condições de vida e reprodução social adequada e digna da população.

No âmbito sociopolítico e institucional, a financeirização usurária da economia brasileira tem minado as bases da democracia, uma vez que reduz ou suprime direitos sociais pelas restrições que impõe às finanças públicas, derivadas de posições eminentemente ideológicas, mas que interessam ao setor financeiro, apesar da ausência de fundamentação teórica e de evidências empíricas que justifiquem sua necessidade e contribuição ao desenvolvimento.

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Portanto, posto tratar-se de opção política de política econômica, esse arranjo normativo que se consolida no Brasil é passível de contestação teórica e empírica, razão pela qual é importante desnudar as suas implicações e apontar alternativas críveis para redesenhá-lo, com vistas à promoção de um desempenho econômico e social mais condizente com o potencial e anseios de crescimento e de inclusão do país e sua população.

Desta maneira, nesse projeto - que se converterá num livro a ser lançado no primeiro trimestre de 2022 - nós buscamos mostrar que a financeirização consolidou-se no país como um limite estrutural ao desenvolvimento nacional, e que ela não pode ser revertida por mudanças somente no âmbito da política econômica.

A perda de autonomia do Estado nacional e a vigência de um regime de crescimento e acumulação de capital inadequado às necessidades do desenvolvimento socioeconômico brasileiro são subprodutos de uma modalidade de financeirização fortemente baseada na renda de juros ou usurária.

Altamente conveniente à revalorização rentista em ativos financeiros, em sua maior parte desconectados das necessidades de imobilização de recursos no setor produtivo, a financeirização tem mantido a economia brasileira em trajetórias de crescimento lento e instável, além de aumentar sua vulnerabilidade e dependência frente a capitais externos especulativos e frente a crises financeiras recorrentes e intensas.

Em muitos lugares do mundo, mas em particular no Brasil, a financeirização assume um caráter disfuncional, pois aqui ocorre algo como uma socialização ampla e intensa da arrecadação/expropriação tributária no processo de formação do fundo público, ao mesmo tempo que uma destinação/apropriação privada do gasto público, igualmente intensa, porém concentrada em poucos e privilegiados setores/agentes econômicos, com consequências deletérias para o conjunto da população e para a própria dinâmica econômica capitalista no país.

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Em particular, principalmente desde a integração do Brasil à mundialização financeira nos anos 1990, os investidores institucionais - agentes privados das finanças relativamente recentes - ganharam importância. Com isso:

i) os investidores institucionais não só aumentaram em quantidade e se mantiveram muito concentrados, como ampliaram fortemente o volume de recursos geridos, tornando-se agentes fundamentais do sistema financeiro brasileiro;

ii) devido à terceirização da gestão de recursos, os fundos de investimento se destacam entre os investidores institucionais;

iii) os bancos sofreram rodadas sucessivas de concentração e controlam boa parte do setor de seguros, de previdência e de fundos de investimento - permanecendo os agentes centrais das finanças no país; e

iv) a alocação expressiva em títulos de dívida pública por parte de bancos e investidores institucionais sugere que o rentismo sobre o orçamento público, um dos pilares da financeirização em geral, possui uma importância particular no Brasil.

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Assim, no caso brasileiro, a financeirização e a privatização das finanças públicas se processam por meio da montagem paulatina de um arranjo normativo e institucional que vem cristalizando formas financeiras de valorização dos fluxos de renda e estoques de riqueza para a sua realização dinâmica intertemporal.

Tal fenômeno precisa, portanto, ser compreendido segundo uma dupla perspectiva.

De um lado, significa transformação de recursos reais, derivados do sistema econômico produtivo por meio da arrecadação tributária primária, em recursos financeiros que a partir de então engendram mecanismos autônomos e endógenos de valorização aos quais chamamos de processo de financeirização. Esses mecanismos ajudam a configurar no país um regime de dominância financeira fortemente intermediado pelas finanças públicas nacionais.

De outro lado, a transmutação compreende a própria mudança de titularidade/propriedade do capital, de uns para outros agentes econômicos, processo esse que chamamos de privatização das finanças públicas.

Nota

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[1] Acesso ao livro Rumo ao Estado Necessário: críticas à proposta de governo para a reforma administrativa e alternativas para um Brasil republicano, democrático e desenvolvido. Disponível em: https://fonacate.org.br/wp-content/uploads/2021/03/Livro-Fonacate-2021-V8.pdf

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