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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Pandemia: uma visão em três tempos e um roteiro para repensar a gestão pública.

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Por Redação

Evelyn Levy - é Especialista em Gestão Pública, Doutora em Administração pela EAESP/FGV. Foi Secretária de Gestão/MPOG, Sub-secretária de Gestão e RH do Estado de São Paulo; foi docente no curso de Gestão de Políticas Públicas/EACH-USP ;é consultora de organismos internacionais como Banco Mundial e PNUD

 

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No início de fevereiro concluí um artigo indicando as atuais tendências das reformas de Gestão Pública em alguns dos países da OCDE, confrontando-as com o rumo que vinha tomando a reforma administrativa entre nós. Aguardei sua publicação em um jornal de grande circulação, que o incluiria no momento em que a reforma fosse para o Congresso. Isso não aconteceu e aquelas indicações parecem agora quase antediluvianas.  (Assinalei os maiores desafios para os governos contemporâneos...nenhuma previsão de uma pandemia!)

O novo cenário, absolutamente inédito, impõe que repensemos a administração pública, em virtude de tão profundas e rápidas transformações. Aqui quero fazer uma ressalva: boa parte das análises vem enxergando o futuro em dois momentos: o atual, em que a pandemia está presente de forma intensa e um segundo momento, pós-covid, em que retornaríamos a um mundo semelhante àquele que conhecemos até fevereiro ou a um mundo novo, em que um "o novo normal" se estabeleceria.

Convido o leitor a olhar diferentemente para os futuros cenários; assim, vejo a existência de três momentos:

  • o primeiro, que estamos vivendo, em que as atenções dos governos e da sociedade estão primariamente voltadas para a reorganização da Saúde, por um lado, e por outro para a sustentação (ainda que precária) dos mais vulneráveis; esse momento deve durar mais alguns meses, até que haja um certo consenso de que é possível flexibilizar a quarentena pois o número de novos casos começa a declinar;
  • um segundo momento se inicia então, dura até que a sociedade esteja liberada da quarentena e novas ondas virais não se apresentam; salvo engano, os epidemiologistas estimam que esse processo deverá atravessar 2021;
  • começa aí um terceiro momento, da pós-covid, em que essa pandemia foi aparentemente superada, as vacinas já fizeram efeito.

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Cada momento parece ter desafios diferentes; entretanto, as decisões tomadas em um momento têm consequências indeléveis sobre os momentos seguintes. E por essa razão, parece ser necessário desenhar cenários que considerem os impactos do momento anterior.

 

Quais os desafios do primeiro momento?

Em primeiro lugar, organizar toda a cadeia de serviços e insumos para conter a expansão da pandemia: desenho das estratégias, contratação de pessoal suplementar, planejamento dos leitos, hospitais de campanha e seus equipamentos, testes, laboratórios, serviços funerários, comunicação, campanhas, entre outras.

Como dito acima, proposição, debate e aprovação de transferências de renda e a logística para tanto. Organização da sociedade para apoio material e imaterial das camadas mais vulneráveis em parceria com os governos. Reorganização do sistema educacional para prover ensino remoto. Adoção do teletrabalho para as atividades administrativas e da telemedicina para consultas de rotina. E no campo da segurança pública, as ações de apoio às medidas - mais ou menos rígidas- de isolamento social; igualmente, contenção de um possível aumento da violência e da criminalidade.

Da perspectiva da gestão pública, esse primeiro momento indica a necessidade de colocar à disposição instrumentos ágeis de recrutamento (eventualmente digitais); igualmente, rápida adequação das ferramentas de capacitação, especialmente aquelas de EAD, para qualificar os novos colaboradores ou requalificar os existentes para novos processos de trabalho e/ou novas funções. Adoção do teletrabalho, da telemedicina, da teleducação; implementação das ferramentas e capacitação dos colaboradores para esse novo modo de trabalho.

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É importante lembrar que, nesse momento, uma série de ações públicas estão praticamente suspensas, como as da área da Cultura, por exemplo. Essa força de trabalho redundante poderia eventualmente assumir tarefas de setores atualmente mais assoberbados.

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Em paralelo, ainda referente à Gestão de pessoas, parece necessário preparar a administração para dar suporte à saúde física e emocional aos servidores que estão nas distintas frentes: Saúde, Educação, Segurança, Desenvolvimento Social...

No campo das finanças públicas, será necessário rever orçamentos e readequá-los às novas fontes de recursos advindos de transferências e outros. Em paralelo será necessário rever e atualizar planos existentes. As parcerias provavelmente irão se intensificar, portanto a capacidade de coordenação deverá ser reforçada. O fortalecimento da capacidade de liderança dos gestores será ainda mais necessário.

Passado o pico da pandemia, pouco a pouco as restrições deverão ser diminuídas. Ainda será um período de múltiplas excepcionalidades. Provavelmente será um lento retorno às atividades, talvez transfiguradas pela experiência do momento anterior. Prevê-se que atividades geradoras de aglomeração irão iniciar impondo diminuição do número de pessoas que terão acesso a elas; isso talvez ocorra no sistema escolar, escritórios, fábricas, restaurantes e outros serviços. Os prognósticos também são de que a experiência da nova logística (comércio eletrônico, entregas a domicílio, teletrabalho, etc.) irão se manter. A atividade econômica estará, portanto, arrefecida, com impactos sobre o nível de emprego e arrecadação. Esses constrangimentos à economia devem advir tanto pela adoção de novas tecnologias, quanto pelas políticas de contenção da covid-19 mas, também pelo declínio da atividade de outras economias, importadoras de bens e serviços produzidos no país, ou ainda pela desorganização de cadeias produtivas globais.

As ameaças às pequenas e médias empresas e às camadas vulneráveis ainda estarão presentes, portanto, as mesmas ou novas políticas se farão necessárias para dar sustentação a esses grupos.

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No campo da Saúde, possivelmente os desafios da pandemia ainda estarão presentes, ainda que diminuídos. Nesse momento, a infraestrutura para o combate da doença estará razoavelmente equacionada, mas a demanda reprimida por serviços de Saúde - como cirurgias eletivas- ressurgirão pressionando por novos recursos. É possível igualmente que a pandemia deixe sequelas que deverão ser enfrentadas.

Na Educação é possível prever uma retomada do trabalho nas escolas, talvez com uma diminuição de alunos por classe. As novas ferramentas de colaboração deverão ter continuidade. Aí também um dos desafios será dar suporte a alunos, pais e professores pelas diferentes situações pelas quais passaram e ainda estarão passando. Finalmente, haverá necessidade de reorganizar o calendário escolar.Na Segurança Pública possivelmente os desafios permanecerão os mesmos.

Diante desse quadro, a Gestão Pública terá de continuar a drenar recursos para a Saúde e apoio às camadas empobrecidas. Isso aponta para uma diminuição de recursos para as outras áreas. Esse talvez já se torne o momento de uma intensificação da transformação digital, para aumentar a eficiência e diminuir os custos da máquina pública. Como consequência, uma nova onda de reconfigurações do trabalho e necessárias capacitações deverá ocorrer.

Debelada a pandemia, teremos chegado ao terceiro momento. Uma nova realidade irá se impor. É possível antever um mundo bastante diferente. Dois movimentos se sobrepõem: de um lado o impacto das profundas mudanças trazidas pela adoção das novas tecnologias mudando consideravelmente o mercado de trabalho, a competitividade e produtividade das organizações, ao que poderão se somar as consequências multivariadas deixadas pela COVID- 19.

Uma boa parte dos economistas sugere que um plano de desenvolvimento será necessário para reinserir o país no comércio global e alavancar o emprego e a economia. Haverá também a necessidade de decidir sobre o Estado necessário e possível. As finanças públicas ainda estarão muito restritas, exigindo o uso estratégico dos recursos existentes. Será oportuno usar os subsídios de forma a incentivar atividades e novos processos que concretizem o plano de desenvolvimento. Nesse sentido, as compras governamentais também poderão representar um importante estímulo à atividade produtiva.

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Definir claros objetivos e metas para as políticas, programas e projetos, estabelecidos e baseados em evidências, para serem monitorados e avaliados será também necessário. A multiplicidade de atores governamentais e não governamentais e de diferentes setores exigirá uma forte capacidade de coordenação.

Mais que nunca será imperativo rever o quadro institucional que rege o funcionalismo público. Diante das transformações do mundo do trabalho não caberá mais a rigidez que caracteriza a gestão de pessoas no setor público hoje. Novas capacidades serão necessárias e a flexibilidade, a possibilidade de mobilizar permanentemente a força de trabalho para novos e diferentes desafios será fundamental. Os estudos mostram que as novas gerações se identificam com esses esquemas mais dinâmicos, aumentando sua motivação. As carreiras deverão ser construídas sobre bases mais atraentes e desafiadoras.Em paralelo, mais do que nunca, será preciso continuar a investir na capacitação dessas pessoas, tendo em vista as rápidas mudanças que vem ocorrendo e continuarão a ocorrer no trabalho do setor público, como visto mais acima. O emprego de Inteligência Artificial e das novas tecnologias cognitivas deverá aprimorar o processo decisório, para lidar com problemas complexos e incertezas. Será preciso tornar mais vigoroso o planejamento da força de trabalho: a despesa de pessoal é também resultado do número de servidores, não somente dos níveis salariais, e esse número depende dos processos de trabalho existentes. As novas tecnologias disponíveis podem impactar significativamente sobre esses números. Da mesma maneira, novas formas de divisão de trabalho entre setor público e parceiros poderão trazer consequências semelhantes.

A utilização da Inteligência Artificial poderá facilitar e eventualmente "despersonalizar" o presente conflito entre gestão e controle. A melhoria na prestação dos serviços ao cidadão deve ser impulsionada por uma intensa promoção da inovação; a criação de "laboratórios de inovação", bem como incentivos que permitam a experimentação, estão impulsionando o aparecimento de soluções cada vez mais sintonizadas às necessidades de sociedades plurais e heterogêneas.

Outro campo que será necessário priorizar é o da governança regulatória: aqui cabe tanto o empenho na desburocratização, quanto no monitoramento e na avaliação do impacto de novas regulações.

A capacidade de liderança deverá ser cada vez mais desenvolvida, nos vários níveis de responsabilidade e os ensaios recentes de governadores e prefeitos recrutando quadros técnicos, que se comprometem com metas de desempenho, representa um início de uma via a ser trilhada.

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Não resta dúvida de que o desafio que devemos enfrentar é gigantesco. Traçar uma rota para enfrenta-lo no curto e médio prazo parece ser a melhor estratégia para minorar o sofrimento de todos e a superação dessa tragédia. Faço minhas as palavras de Paulo Hartung: "(...)as mais bem-sucedidas travessias de tempos trágicos, ou seja, as que implicaram menos perdas e possibilitaram uma reabilitação  mais rápida e com uma sociedade mais preparada, tiveram o dom de dar prioridade às demandas do momento e ao olhar pós-crise- mais que o olhar, o agir em prol do futuro."(Paulo Hartung, "O Estado de São Paulo", 5/5/20.

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