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Lula se torna o presidente que mais liberou emendas parlamentares em um único mês

Liberação inclui valor recorde de emendas PIX, recursos sem transparência, e ocorre no mesmo mês em que governo bloqueou recursos da educação e do Auxílio Gás

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Foto do author Daniel  Weterman
Por Daniel Weterman
Atualização:

BRASÍLIA - Luiz Inácio Lula da Silva se tornou o presidente que mais liberou emendas parlamentares em um único mês na história. O recorde foi batido em julho, quando o governo destinou R$ 11,8 bilhões para Estados e municípios por indicação de deputados e senadores.

Em nenhum período anterior houve uma liberação nesse montante em 30 dias, conforme levantamento da Associação Contas Abertas com dados do Siga Brasil, sistema do Senado Federal, ao qual o Estadão teve acesso. O governo é obrigado a destinar os recursos obedecendo a escolha do parlamentar, mas o momento da liberação fica sob controle do Executivo.

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No mesmo mês em que bateu o recorde de emendas, o Executivo bloqueou recursos da educação básica, da alfabetização de crianças, do Auxílio Gás e da Farmácia Popular, como revelou o Estadão. Ou seja, blindou o dinheiro de maior interesse dos parlamentares e cortou em outras áreas.

O que explica o valor recorde? As emendas crescem ano a ano. Por trás da liberação bilionária, está uma fatura da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, aprovada em dezembro, antes de Lula tomar posse, mas negociada pela equipe do petista na transição. Com a extinção do orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), parte do dinheiro turbinou as emendas individuais, aquelas indicadas por cada deputado e senador.

A manobra provocou o aumento de outro tipo de recurso, ainda mais nebuloso, as emendas Pix, também reveladas pelo Estadão. De toda a liberação que ocorreu em julho, R$ 6,4 bilhões dizem respeito a esse tipo de transferência, destinados durante a votação da reforma tributária na Câmara.

Lula durante cerimônia de lançamento do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Theatro Municipal, no centro do Rio Foto: Pedro Kirilos/Estadão

O dinheiro da emenda Pix não fica carimbado para nenhuma despesa específica e não há fiscalização nem prestação de contas. Na prática, a sociedade brasileira não sabe onde vai ser gasta a maior parte das emendas liberadas pelo Poder Executivo no último mês e o dinheiro é aplicado sem justificativa técnica. O prefeito, por exemplo, pode usar o dinheiro para construir uma praça sendo que a cidade precisa de escola. Além disso, vários parlamentares privilegiam prefeitos do mesmo partido e parentes.

Em Carapicuíba, na Região Metropolitana de São Paulo, cidade que mais recebeu emenda Pix nos últimos três anos, a prefeitura pagou mais caro por asfalto, reforma de praça e até na compra de carrossel de brinquedo, enquanto deixou cinco escolas com obras paradas, conforme revelou o Estadão.

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Durante a campanha, Lula atacou frequentemente o orçamento secreto criado pelo governo Bolsonaro e a falta de transparência no encaminhamento do dinheiro a parlamentares. Mesmo depois de eleito, Lula chegou a afirmar que emendas não deveriam ser “secretas”. “Todo mundo sabe o que eu penso de emenda parlamentar. Eu fui deputado constituinte e eu sempre achei a emenda do deputado é importante, o que não precisa é ser secreta”, afirmou em dezembro, durante coletiva em que anunciou os primeiros ministros que ocupariam cargos em seu governo.

A Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República afirmou que ”não existe voluntariedade na liberação de emendas parlamentares, existe apenas o cumprimento dos prazos estipulados em lei”. Além disso, o governo alegou que efetuou bloqueios em algumas despesas da máquina pública para cumprir o teto de gastos e que a legislação não permite adotar o corte em emendas impositivas.

Centrão só inicia conversa com o governo após emendas liberadas

Nos bastidores do Congresso, o recado passado para Lula é o seguinte: as emendas são tidas como “propriedade” dos parlamentares por serem “impositivas”. Então, o Executivo é pressionado a liberar o quanto antes. Só a partir daí é que o Centrão se dispõe a negociar uma agenda de propostas e votar projetos de interesse do Palácio do Planalto.

No total, o bolo de julho é composto por R$ 8,4 bilhões em emendas individuais de deputados e senadores, R$ 3,3 bilhões de bancadas estaduais e R$ 124 milhões de comissões da Câmara e do Senado. Esse é o valor reservado e garantido. O pagamento, que é a transferência efetiva na conta dos Estados e municípios, deve ocorrer até o fim do ano.

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Os repasses, no entanto, não são suficientes para o governo construir uma base de apoio sólida no Congresso. Os parlamentares exigem cargos e mais ministérios. E ainda dizem que, a cada nova agenda que o Planalto quiser emplacar, mais concessões terão de ser feitas. O presidente do União Brasil, deputado Luciano Bivar (PE), resumiu recentemente como isso vai funcionar: “voto a voto, projeto a projeto”.

Emendas para a saúde não respeitam critérios do SUS, mas escolha dos parlamentares

De todas as emendas de julho, R$ 4,4 bilhões foram liberados pelo Ministério da Saúde. O governo tenta convencer o Centrão que não é preciso trocar o comando da pasta, antes cobiçada pelo PP, para que o dinheiro continue rodando. O repasse deve ir para postos de saúde e hospitais. O critério de municípios beneficiados, no entanto, não é do Sistema Único de Saúde (SUS) nem considera quem mais precisa, mas respeita exclusivamente a escolha dos parlamentares.

“Não faria nenhuma diferença se quem orientasse a programação fosse o Legislativo ou o Executivo, desde que isso estivesse alinhado a critérios socioeconômicos e outros critérios técnicos. Como isso não acontece, os parlamentares indicam conforme o interesse pessoal e político e não guardam relação com o que seria necessário”, diz o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco.

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O Ministério da Saúde respondeu à reportagem que o empenho das emendas “segue fluxo que independe do calendário Legislativo” e que todas devem ser liberadas ao longo do ano, desde que não tenham impedimentos técnicos.

Não faria nenhuma diferença se quem orientasse a programação fosse o Legislativo ou o Executivo, desde que isso estivesse alinhado a critérios socioeconômicos e outros critérios técnicos.

Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas

O Congresso se movimenta para aumentar ainda mais os valores de emendas parlamentares a partir do ano que vem e impor um cronograma obrigatório de pagamentos desses recursos, o que não existe atualmente. Além disso, os parlamentares querem dar um tratamento impositivo para todo e qualquer recurso apadrinhado por deputados e senadores, incluindo aquelas que não são impositivas e as verbas do antigo orçamento secreto, que ficaram sob controle dos ministérios.

As “pegadinhas” devem entrar no relatório da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, em tramitação no Legislativo, e na prática devem aumentar ainda mais o poder do Congresso sobre o Orçamento, sob o risco de diminuir a transparência e o planejamento. “Cada vez que o Legislativo amplia sua ação sobre o Orçamento, estamos piorando a qualidade do gasto porque deixa de ser um gasto elaborado mais tecnicamente para ser um baseado em critérios políticos”, afirma Castello Branco.

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