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‘Rei’ das comissões: deputado bate ponto em 1 mil sessões e ‘comparece’ a 36 eventos num dia

O deputado ‘onipresente’, Carlos Henrique Gaguim bateu a marca de mil presenças em comissões, mas participa pouco ou nada dos debates; procurado, o parlamentar não se manifestou

Foto do author Levy Teles
Foto do author Tácio Lorran
Por Levy Teles e Tácio Lorran
Atualização:

BRASÍLIA – O deputado Carlos Henrique Amorin, conhecido como Gaguim, (União Brasil-TO) se orgulha de ser o mais presente da Câmara dos Deputados nas comissões. Registros feitos pelo Estadão, porém, mostram um parlamentar constante em quase todos os trabalhos, mas muito pouco participativo.

O hábito é simples: o congressista chega ao corredor das comissões – composto por 16 salas – e começa um “tour”. Ele vai a um plenário, registra presença e logo depois se retira para a próxima sala. O método então se repete até visitar todos os espaços.


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Gaguim é o parlamentar que mais “participou” de comissões e sessões na Câmara dos Deputados, segundo dados analisados pela reportagem. Desde o início do mandato, ele marcou o ponto em 1.006 eventos na Casa, uma média de 11 comissões por dia. O segundo colocado tem 632 presenças.

O dia que Gaguim mais marcou presença foi em 30 de agosto. Naquela data o deputado esteve em 36 comissões. O primeiro ponto foi batido às 9h32 na Subcomissão Especial de Hidrogênio Verde e Concessões. Até 12h25 ele já havia marcado presença em outros 19 eventos. Às 13h51 ele volta a bater o ponto, agora na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. Naquela tarde, participou de mais 15 eventos. A última presença foi registrada às 17h51.

Ele não fez comentários, contudo, em nenhuma das comissões. O deputado perdeu, entre outras, a chance de participar de debates relevantes na Comissão de Constituição e Justiça, a maior importante da Casa, e de uma audiência com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Procurado pela reportagem, ele não se manifestou.

O Estadão recriou parte do caminho de Gaguim nesse dia. A reportagem precisou de 9 minutos e 40 segundos, sem interrupções, para fazer o mesmo trajeto que o deputado fez para bater o ponto em 17 comissões. Isso significa uma média de 34 segundos de caminhada por comissão. Ou seja, desde o início do mandato ele passou 9,5 horas caminhando para registrar presença.

Deputado Carlos Henrique Amorim (o Gaguim), o parlamentar que mais 'participou' de comissões e sessões na Câmara dos Deputados Foto: Câmara dos Deputados/Reprodução

Deputado se orgulha de bater ponto

Gaguim é titular em cinco colegiados e suplente em quatro. No Estado, ele já foi vereador na capital, Palmas, e deputado estadual. Também presidiu a Assembleia Legislativa de Tocantins e assumiu o governo de Tocantins em 2009 em uma eleição indireta, exercendo a função até 2010, quando tentou e reeleição e foi derrotado.

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Há pelo menos oito anos, Gaguim se orgulha da presença na Câmara. Ele já fez cinco diferentes postagens sobre o assunto em seu perfil das redes sociais. “Tenho 100% de presença e trabalho desenvolvido”, disse, durante campanha à reeleição, em 2018.

“Muito trabalho hoje de manhã. Todas as comissões em que passei”, escreveu Gaguim, em setembro de 2015. Ele publicou uma foto com todas as presenças registradas, sem apresentar o que falou ou discutiu em qualquer um desses colegiados.

A reportagem flagrou o deputado marcando presenças em cadeia na Câmara no último dia 7 de novembro. Em pouco mais de 2 minutos, Gaguim marcou presença em seis comissões. O vídeo flagra ele fazendo o registro em quatro. Nesta oportunidade, ele apenas seguiu, em linha reta, marcando presença em colegiados com presença aberta.

Comissões têm papel relevante no processo legislativo

As comissões são órgãos técnicos previstos pelo regimento interno da Câmara, com o objetivo de discutir e votar os projetos de lei que são apresentados. Para o cientista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria, as comissões tem papel relevante no processo legislativo brasileiro.

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“É um espaço muito importante do ponto de vista legislativo. Muito da eficiência ou não de um projeto de lei sobre determinado problema passa pelo trabalho nas comissões”, afirma. Ele adiciona o comportamento é um reflexo de uma mudança na Câmara dos Deputados desde a pandemia. “Tem questões deliberativas que são feitas de forma remota, então alguns dos parlamentares não estão presentes fisicamente no Congresso nas votações. Como que se faz o monitoramento individual do parlamentar?”, questionou.

O atual sistema de presença exige que parlamentares estejam no Congresso para registrar a presença, mas uma vez computada, os deputados podem votar remotamente, isto é, de qualquer lugar onde estiverem, inclusive fora do Congresso.

Por outro lado, o deputado que mais falta é Júnior Lourenço

O Estadão revelou em julho como os deputados mais ausentes da Câmara naquele período sequer participavam das comissões que integravam. Júnior Lourenço (PL-MA) era titular na comissão de Saúde e não participou de uma reunião sequer do colegiado – foram 18 faltas consecutivas até sair do grupo.

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Como também mostrou o Estadão, a Câmara vem cada vez mais usando os requerimentos de urgência para trazer as votações de projetos diretamente ao plenário, reduzindo a discussão sobre as matérias.

Deputados levaram cerca de um mês para aprovar os projetos, desde a apresentação do texto inicial. Se tivessem percorrido o caminho “tradicional”, com discussões nas Comissões, essas propostas poderiam ter levado meses ou até anos para serem aprovadas.

“Esse é um tipo de regra que, sob diversos aspectos, vai precisar ser revisitada. Porque envolve gasto de verba pública, o que parlamentares estão fazendo ou não, controle desse gasto, qualidade do processo decisório, qualidade da representação”, afirmou Cortez.

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