PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Traduzindo a política

Opinião|Bolsonaro faz chantagem em ato na Paulista: ‘bandeira branca’ em troca de anistia a golpistas

Ato serviu também para mostrar fidelidade de possíveis sucessores, sem que tenha qualquer capacidade para mudar os planos da Justiça que podem levá-lo à cadeia ao fim dos processos

Foto do author Ricardo Corrêa
Atualização:

Em meio a uma demonstração de força enquanto é investigado por uma tentativa de articular um golpe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) usou seu discurso na Avenida Paulista para uma chantagem: bandeira branca, em troca de anistia aos presos pelos atos do dia 8 de Janeiro. Naturalmente, a anistia se aplicaria também a ele, que usou sua fala para dizer que a manifestação seria mostrada ao mundo e pedir a articulação não apenas dos bolsonaristas, mas dos 513 deputados e 81 senadores, em prol de um projeto que derrubasse as punições a quem invadiu e destruiu as sedes dos Três Poderes em Brasília.

Em ato na Paulista, Bolsonaro usou chantagem em discurso, pedindo anistia a golpistas de 8 de janeiro Foto: Taba Benedicto/Estadão

PUBLICIDADE

No ato em São Paulo, houve pouco espaço para uma defesa efetiva de Bolsonaro. Coube basicamente apenas a ele argumentar que, por não ter manejado a ideia de um estado de sítio ou de um estado de defesa, não poderia ser acusado de dar um golpe. E que mesmo tivesse feito isso estaria dentro das regras previstas na Constituição - o que só seria verdade se o objetivo não fosse interferir no resultado das urnas. As reuniões sobre o golpe, os detalhes da colaboração premiada de Mauro Cid, as mensagens trocadas por seus auxiliares, aí incluído seu fiel escudeiro Walter Braga Netto, ficariam ignoradas.

Apesar disso, o ex-presidente tentou argumentar que a eleição de 2022 ficou para trás, dizendo que deveria ser considerada uma “página virada”. Isso, porém, pouco antes de dizer que não consegue entender a existência de um presidente sem o povo ao seu lado, o que na prática significa novamente questionar o sistema eleitoral.

Preocupado com uma prisão, Bolsonaro entregou ao pastor Silas Malafaia, organizador do ato, a missão de fazer os ataques mais diretos ao Supremo Tribunal Federal e a seus ministros. Malafaia disse que Moraes tem sangue nas mãos e que ele tem lado, e chamou de “vergonha” falas do presidente do STF, Luís Roberto Barroso. Isso após dizer que não queria atacar ninguém e dar o recado que era o objetivo central do ato: de que se prender Bolsonaro é o STF quem será destruído.

Antes deles, a cada discurso, um dos objetivos do evento ia sendo revelado. Michelle Bolsonaro e Magno Malta usaram o enfoque religioso, com citações bíblicas e apelos a Deus, de quem eles e Bolsonaro seriam enviados. O deputado Gustavo Gayer, com as ameaças: “Nós não vamos parar. O Brasil é nosso”. Nikolas Ferreira, com um tom mais eleitoral de que, um dia, a direita vai voltar ao poder. E Tarcísio de Freitas, com uma exaltação ao governo Bolsonaro a quem chamou de “movimento” tal qual Lula um dia se intitulou “uma ideia”.

Publicidade

No fim, o evento serviu como uma representação pública de tudo o que o bolsonarismo prega nas redes sociais. Com muita gente, como era de se esperar, ainda que, em uma cidade com milhões de pessoas e após uma eleição dividida, qualquer avenida cheia diga muito pouco sobre o tamanho do apoio e muito mais sobre a capacidade de mobilizar aqueles que não soltarão a mão do ex-presidente mesmo às portas da cadeia. Um ato que não mudará o curso das investigações contra Bolsonaro, nem poderia, por si só, antecipar sua prisão. O sentimento continua sendo o de que ele será detido ao fim das investigações, dos processos e posterior condenação. Mas que mostrou que, mesmo nas cordas, é o ex-presidente quem continua conduzindo qualquer oposição, o que foi visto com os principais nomes na corrida de 2026 beijando sua mão diante da chegada de seu pior momento. Parece que é tudo o que Bolsonaro, a essa altura, tem para apresentar.

Opinião por Ricardo Corrêa

Coordenador de política em São Paulo no Estadão e comentarista na rádio Eldorado. Escreve às quintas

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.