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Tarcísio faz acordo e deputados federais indicarão emendas no Orçamento do Estado em ano eleitoral

Governador escolheu destino de R$ 316 milhões em emendas de bancada ao orçamento federal e cedeu o dobro, R$ 730 milhões, para parlamentares no orçamento de São Paulo

Foto do author Pedro Augusto Figueiredo
Foto do author Daniel  Weterman
Por Pedro Augusto Figueiredo e Daniel Weterman
Atualização:

BRASÍLIA E SÃO PAULO — Em um gesto político, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) permitirá que deputados federais e senadores de São Paulo destinem recursos do governo estadual para os municípios. A concessão é importante principalmente em um ano eleitoral, quando os parlamentares intensificam o uso de emendas para financiar obras e impulsionar candidaturas de aliados em suas bases eleitorais.

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Parlamentares federais indicam emendas somente ao Orçamento do governo federal. Historicamente, no entanto, eles conseguem direcionar de maneira informal recursos do orçamento estadual por meio de articulações junto ao governador de turno. A negociação geralmente ocorre caso a caso e somente quem apoia o governo costuma ser contemplado.

A novidade neste ano é que Tarcísio acordou que as emendas de bancada impositivas, atualmente em R$ 316 milhões, sejam divididas igualmente entre o custeio do Hospital das Clínicas e o programa Muralha Paulista, que integra câmeras de monitoramento do Estado e das prefeituras. O valor exato pode variar porque o Orçamento de 2024 ainda não foi sancionado.

Em troca, cada um dos 70 deputados federais e três senadores, inclusive a oposição, indicarão R$ 10 milhões no orçamento paulista, em um total de R$ 730 milhões. O acordo foi publicado no site do governo de São Paulo junto com a lista de indicações de cada parlamentar. Até o ano passado, o endereço disponibilizava apenas as indicações dos deputados estaduais.

Tarcísio retomou prática da gestão Covas e fechou acordo com deputados federais e senadores para definir destinação das emendas de bancada Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo

“É um gesto de parceria com a bancada federal. No passado recente, sempre tinha atendimento feito aqui e acolá. Agora, a gente fez com total transparência”, disse ao Estadão o secretário de Governo, Gilberto Kassab (PSD-SP). Segundo ele, o acordo representa uma retomada de uma prática adotada durante a gestão de Mário Covas, governador de São Paulo entre 1995 e 2001.

Kassab afirmou que o desejo do governo era adotar a prática já no ano passado, mas o secretário disse que não foi possível porque o orçamento de 2023 foi aprovado em 2022 ainda na gestão de Rodrigo Garcia.

Além do valor das indicações ser superior às emendas de bancada, o arranjo é favorável aos deputados e senadores porque as emendas de bancada precisam ser destinadas para obras estruturantes ou para custeio de ações que tenham caráter estadual ou regional. Agora, os parlamentares podem “picotar” os recursos e destiná-los para financiar ações e projetos de prefeituras e outras entidades que atuam nos municípios. A única regra é que 50% precisa ir para a área da saúde.

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O instrumento ganha ainda mais importância política em um ano eleitoral. Já foram feitas 1.159 indicações, uma média de quase 16 por parlamentar. São recursos para bancar o custeio de hospitais e Santas Casas, adquirir ambulâncias e máquinas para as prefeituras, comprar equipamentos para unidades de saúde e órgãos de segurança e reformar equipamentos públicos.

“Se ele cumprir isso, vai para o céu. Se não cumprir, vai ficar muito ruim e vai ter que aguentar nossa língua”, disse o deputado Fausto Pinato (PP-SP). “É uma parceria. Ele fez isso para fazer política, para ficar bem com a bancada”, afirmou o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), que é oposição ao governador. “Para nós, é uma vantagem porque podemos indicar emendas para onde temos interesse”, declarou o petista.

É um gesto de parceria com a bancada federal

Gilberto Kassab

Tarcísio não é obrigado a pagar as indicações feitas pelos deputados federais e senadores. Em seu primeiro ano de governo, a demora no pagamento das indicações feitas por deputados estaduais foi uma das principais reclamações de bolsonaristas e outros aliados na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).

Coordenador da bancada paulista, Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP) diz que “não há vantagem nem de um lado nem de outro” porque Tarcísio conseguiu alocar as emendas de bancada onde precisava e os deputados federais também.

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“Ficou bom para todo mundo. Para o governador, para a bancada federal e para o Estado de São Paulo”, declarou Rodrigues, que disse não ver ilegalidade no arranjo. “Os governadores sempre deram emendas para os deputados federais, mas apenas os da situação eram atendidos. Não podemos medir (tratar diferente) oposição e situação”.

O economista Marcos Mendes avalia que o acordo é inteligente, porque permitirá melhor alocação da verba federal destinada a São Paulo. Segundo ele, geralmente os deputados e senadores conseguem driblar as regras das emendas de bancada e as utilizam como se fossem emendas individuais para bancar pequenas obras nos municípios.

Embora o valor das emendas de bancada (R$ 316 milhões) seja inferior à soma das indicações no orçamento de São Paulo (R$ 730 milhões), Mendes diz que o impacto fiscal é reduzido, porque a maior parte das indicações feitas pelos parlamentares são para o custeio da máquina pública.

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“Boa parte do que os deputados estão indicando já iria ser alocado e gasto. É uma forma de simplesmente dar protagonismo aos deputados e a oportunidade deles dizerem ‘esse dinheiro foi eu que mandei’. É mais um gesto político do que efetivamente direito de alocação de recursos”, disse o especialista.

Indicações são semelhantes às emendas Pix

Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, compara as indicações dos deputados no orçamento estadual às chamadas emendas Pix — modalidade revelada pelo Estadão em que o dinheiro é transferido para as contas das prefeituras sem que haja vinculação a uma obra ou programa específico.

“Tem muitas indicações absolutamente genéricas. ‘Infraestrutura urbana’ pode ser desde asfaltamento até colocar placa ou pintar o meio-fio. Então isso não representa, necessariamente, uma melhoria na qualidade do gasto público”, avalia ela.

Atoji não enxerga irregularidade no acordo. Ela critica a destinação de verbas para o programa Muralha Paulista, que considera pouco transparente, ao contrário do acordo entre o governador e os parlamentares. A iniciativa utiliza inteligência artificial para vigilância em massa a partir das câmeras instaladas em todo o território estadual. Em pelo menos uma ocasião, também foram usadas informações relativas à biometria facial dos cidadãos.

“O governador desidrata um programa que comprovadamente tem resultados positivos na segurança pública, que são as câmeras corporais, e incrementa um programa sobre o qual os próprios cidadãos têm muito pouca informação, inclusive sobre a segurança dos dados”, afirma a diretora da Transparência Brasil.

A Secretaria de Segurança Pública disse, por meio de nota, que 19 mil infratores foram detidos no ano passado com o auxílio da Muralha Paulista e que 88 armas ilegais haviam sido retiradas de circulação até novembro devido a avisos emitidos pelo sistema.

“As informações das câmeras de todo o território são interligadas às forças de segurança, com monitoramento de rodovias e cidades, além da integração com o sistema Córtex, software de inteligência que reúne várias bases de dados do país com análise de informações a partir do CPF”, informou a pasta.

Ainda segundo a secretaria, o programa de câmeras corporais para os policiais está mantido para 2024, assim como os contratos para a manutenção dos equipamentos. Em uma entrevista no início do ano, Tarcísio de Freitas disse que não iria investir na compra de mais câmeras pois considerava que o equipamento não protege o cidadão. O governador afirmou que é necessário direcionar o recurso para outras ações de segurança pública.

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