Viagem de Lula à China define novos rumos da política externa

Presidente desembarca no país – principal parceiro do Brasil – em março; Itamaraty define a agenda como ‘prioridade’

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Por Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - Depois do encontro com Joe Biden em Washington, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acelerou os preparativos para desembarcar em março na China. A viagem ao principal parceiro comercial do Brasil expõe de forma acentuada a mudança de rota da política externa, marcada nos últimos anos pelos atritos e provocações do governo de Jair Bolsonaro (PL) com os chineses.

A aposta da diplomacia brasileira agora é retomar protagonismo em fóruns internacionais e alavancar os Brics, bloco que inclui também a Rússia, a Índia e a África do Sul. A ida de Lula a Pequim é tratada no Itamaraty com “senso de prioridade” e dá sequência a um roteiro eminentemente político nos Estados Unidos e mesmo na Argentina e Uruguai.

Lula visitou Joe Biden no início de fevereiro; a diplomacia americana está atenta à ida do brasileiro à China, em meio a uma escalada de tensões entre o país asiático e os Estados Unidos Foto: Sarah Silbiger/The New York Times

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Pela distância do deslocamento, a expectativa é de que Lula fique quatro dias na China. A viagem está prevista para a última semana de março. As atividades principais com o líder chinês, Xi Jinping, devem se concentrar no dia 28.

Os diplomatas dos dois países discutem a programação da viagem no momento da escalada de tensões entre China e Estados Unidos, que vão das disputas comerciais à geopolítica, passando pela questão de Taiwan e pela recente guerra de narrativas sobre os “balões-espiões”. O Brasil não quer ser envolvido no caso. A impressão de diplomatas, brasileiros e americanos, é a de que se trata apenas de uma questão bilateral. De qualquer forma, a diplomacia de Biden acompanha atenta a visita de Lula, dado o avanço da presença chinesa na América Latina.

Relação

Lula visitou a China em 2004, 2008 e 2009. Desde que as relações diplomáticas foram estabelecidas, em 1974, outros seis presidentes brasileiros pisaram no país: João Figueiredo, José Sarney, Fernando Henrique Cardoso, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro. O momento-chave dos preparativos da viagem de março será um encontro entre o chanceler Mauro Vieira e seu homólogo chinês, Wang Yi, em Nova Délhi, no fim deste mês, à margem da reunião do G-20, presidido pela Índia. Esses diálogos costumam acertar os detalhes finais da visita.

O presidente Lula em sua primeira visita à China como chefe do executivo, em 2004, cumprimentando o então presidente chinês, Hu Jintao. Foto: Sergio Dutti/AE

Na avaliação de um embaixador envolvido nos preparativos da ida a Pequim, o que definiu a visita do presidente brasileiro aos Estados Unidos, de caráter mais político, foi a defesa da “democracia”. Já na China, a expectativa é ir além da discussão política. O tema estará presente na defesa da reforma de fóruns multilaterais, como o Conselho de Segurança da ONU, mas também nas conversas para discussão ampliada sobre a guerra na Ucrânia. Lula tem dito que deseja trazer os chineses à mesa. Ele considera a China ator essencial no esforço para sensibilizar a Rússia e chegar a um acordo de paz.

Relatório

Apesar de ter visitado Pequim, Bolsonaro fomentou crises com representantes chineses, protagonizadas por seus filhos e ministros. A própria diplomacia presidencial foi abalada, com visita anterior de Bolsonaro a Taiwan, ainda na campanha eleitoral de 2018, e as acusações de que os chineses desejavam “comprar o Brasil”. A ilha é considerada um território “rebelde” que Pequim deseja anexar. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) chegou a responsabilizar a China pela pandemia.

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A ida à China nos primeiros meses de mandato de Lula vinha sendo preparada pela equipe do petista desde a transição. Na ocasião, o grupo das relações exteriores sugeriu os preparativos para que ocorresse durante os primeiros cem dias de governo. No diagnóstico da equipe, até então sigiloso, o movimento de afastamento político da China verificado na era Bolsonaro foi “fundado por motivações ideológicas” e a cooperação deve ser retomada com base nos interesses concretos em comum.

O relatório obtido pelo Estadão destaca que o governo Bolsonaro, “ao hostilizar ostensivamente a China, criou constrangimentos desnecessários com nosso principal parceiro comercial e país produtor de produtos hospitalares essenciais, vacinas e seus insumos básicos”. Entre os objetivos traçados estão retomar a cooperação em ciência, tecnologia e inovação, como inteligência artificial e biotecnologia, e o apoio a iniciativas conjuntas de produção de imunizantes, medicamentos e insumos farmacêuticos em geral.

Embora não tenha comparecido à posse de Lula, Xi Jinping mandou sinais de bom relacionamento: escreveu uma carta ao petista e despachou para Brasília o vice-presidente Wang Qishan. Ele também se reuniu na ocasião com o vice-presidente Geraldo Alckmin e o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS).

A expectativa do setor privado é de que a viagem à China tenha viés comercial mais forte, favoreça a abertura de mercados no agronegócio e destrave discussões que dependem da interação entre governos. Em janeiro, por exemplo, Pequim anunciou que três frigoríficos brasileiros foram reabilitados para exportação.

Indicação de Dilma para assumir banco dos Brics marcará visita

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A viagem do presidente Lula à China ganhou mais importância com a sua decisão de indicar a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) para presidir o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), instituição financeira dos Brics. A sede do banco fica em Xangai.

Dilma sofreu impeachment em 2016 e, desde então, não voltou a ocupar cargos públicos. Durante a campanha eleitoral do ano passado, circularam rumores de que Lula esconderia a ex-presidente para que a rejeição dela não colasse nele, mas isso não ocorreu.

Do lado brasileiro, há interesse em ampliar o atual patamar de US$ 70 bilhões de investimentos chineses em setores estratégicos, como energia e infraestrutura. O comércio bilateral, da ordem de US$ 150 bilhões, é favorável ao Brasil, com superávit de US$ 28 bilhões, no ano passado. Os produtos-chave são commodities, soja e minério, mas também se busca aumentar esse relacionamento com exportações de alto valor, como aviões.

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Na lista de entregas está a abertura de um consulado em Chengdu, decidida ainda na gestão de Bolsonaro. A cidade é um polo tecnológico. Embora trabalhem para acelerar a abertura, postergada por causa da pandemia, diplomatas dizem que a inauguração talvez não se concretize a tempo da visita de Lula.

A viagem ainda pode se dividir em até duas cidades: Pequim e Xangai. O pacote oficial inclui um jantar e visitas ao presidente Xi Jinping, ao primeiro-ministro Li Keqiang e à Assembleia Popular Nacional, além de passagem na Grande Muralha e um seminário organizado pela Apex-Brasil.

Cooperação

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Há acordos em diversas áreas sendo levantados pelo Itamaraty. Uma possibilidade é expandir a cooperação espacial, com o lançamento de um novo satélite produzido em parceira. O programa Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres já produziu e colocou em órbita seis satélites.

Lula levará à China numerosa comitiva. Uma mostra foi a presença de vários ministros na reunião preparatória da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação, na quarta-feira, no Itamaraty. Coordenador da comissão, o vice-presidente Geraldo Alckmin deverá ficar no Brasil para assumir o Executivo na ausência de Lula.

A primeira viagem internacional de Lula em 2023 foi para a Argentina, onde encontrou o presidente Alberto Fernandéz. Foto: Eraldo Press/AP

Viagens ao exterior em 2023 serão ao menos nove

  • Argentina

Em janeiro, Lula se encontrou com Alberto Fernández e participou da Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac)

  • Uruguai

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O brasileiro se reuniu, ainda no mês passado, com Lacalle Pou e visitou José Mujica.

  • Estados Unidos

Lula foi a Washington no dia 10 deste mês. Reuniu-se com Joe Biden e com deputados democratas e líderes sindicais

  • China

Viagem de quatro dias está prevista para março. Lula deve se reunir com o presidente Xi Jinping e com o primeiro-ministro Li Keqiang

  • Portugal

Em abril, o presidente brasileiro deve participar de evento com autoridades portuguesas

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  • Continente africano

Visita prevista para maio deve marcar a retomada de relações com países africanos

  • África do Sul

Em agosto, Lula deve participar de reunião de cúpula dos Brics, com Rússia, Índia, China e África do Sul

  • Índia

Em setembro, está prevista reunião de cúpula do G-20

  • Estados Unidos

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Ainda em setembro, Lula deve comparecer à Assembleia-Geral da ONU