Avanço do crime organizado na Baixada Santista e disputa de território aumentam violência no Guarujá

Dez pessoas foram mortas desde quinta-feira, após o assassinato de um policial da Rota; SSP afirma que prisões aumentaram 22% em comparação com o ano passado

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Foto do author José Maria Tomazela
Por José Maria Tomazela
Atualização:

A cidade do Guarujá está sob clima de tensão e violência, que já resultou em dez mortes desde a noite de quinta-feira, 27, quando um policial das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) foi assassinado e a Polícia Militar reagiu com uma operação de caçada aos responsáveis. Mais conhecida pelas praias que atraem paulistanos nos fins de semana, a Baixada Santista tem visto recentemente o avanço do crime organizado.

A região concentra um dos maiores números de comunidades espalhadas pelos morros e manguezais do Estado. São ao menos 40, cinco delas no Guarujá.

Nesta geografia, locais de difícil acesso para o policiamento motorizado ajudam na expansão das facções, que disputam entre si o controle do território. A proximidade com o Porto de Santos, usado para o escoamento de drogas para o exterior, atrai grupos que desejam aumentar seu poder no tráfico. Somente nos três primeiros meses do ano, equipes da Receita Federal interceptaram dez partidas de cocaína - totalizando 2.686 quilos - no porto de Santos.

Movimentação de policiais militares no distrito de Vicente de Carvalho, no Guarujá; PM faz operação na cidade Foto: TABA BENEDICTO/ESTADÃO

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A investigação policial aponta que o suspeito de ter disparado contra os policiais da Rota, Erickson David da Silva, de 28 anos, cresceu no Primeiro Comando da Capital (PCC) na Baixada Santista. ‘Deivinho’ conheceu a facção há sete anos e teria recebido lições de tiro em uma das células do grupo criminoso instaladas nos morros existentes na região.

O promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), Silvio de Cillo Loubeh, que atuou na investigação e repressão a saques de trens na Baixada Santista, acredita que os traficantes atiraram contra a polícia para proteger o ponto de tráfico. “Infelizmente, é a realidade da Baixada Santista. Nesses lugares a polícia é sempre recebida a tiros.” Segundo ele, o atirador fazia parte da chamada “contenção” – grupos armados que protegem o ponto de venda de drogas.

“Isso acontece em Santos, no Rádio Clube; em Cubatão, na Vila Esperança e na Vila dos Pescadores; em São Vicente, em Fazendinha, Dique do Piçarro, Dique da Caixeta e Sambaiatuba; e no Guarujá, na Vila Zilda. Se a polícia intensificar as operações, vamos ter mais confrontos”, afirma Loubeh.

Investigações conduzidas em 2020 pelo MP-SP mostraram a ação da facção Primeiro Comando da Capital (PCC) na Baixada Santista. Na ocasião, foi identificado que o traficante Frank Cavalcante Nobre, além de exercer a função de “cadastro final” na região do litoral paulista, coordenava o tráfico de rua do PCC no Amazonas. Frank foi preso em agosto daquele ano, em Cubatão, mas outras lideranças ocuparam seu posto rapidamente.

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Alguns chefes do PCC são oriundos da Baixada Santista, como é o caso de André Oliveira Macedo, o André do Rap, um dos criminosos mais procurados do Estado. Também está foragido, mas sem abandonar a região, o traficante André Luiz dos Santos, o Keko, uma das pontes do PCC com o tráfico internacional.

David Marques, coordenador de Projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lembra que o Porto de Santos “é um equipamento que tem grande atratividade pela capacidade de trânsito de mercadorias para o PCC fazer circular suas mercadorias, sobretudo drogas.”

Nos últimos anos, a facção fortaleceu suas conexões com grupos criminosos no exterior, com rotas de envio de cocaína para Europa e África. Como o Estadão revelou, o PCC recebia até armas do Paquistão em troca do pó enviado para a ‘Ndrangheta, a máfia da Calábria, sul da Itália.

Clarissa Borges, mestre em psicologia social do Instituto Elos, organização de direitos humanos que atua há quase 25 anos na Baixada Santista, destaca a vulnerabilidade na região, em meio à disputa de territórios pelo tráfico. Tem uma vulnerabilidade sistêmica, ligada às condições de vida nesse território. As pessoas não têm trabalho nem renda e às vezes buscar uma alternativa que pode ser perigosa. Há territórios em que a insegurança alimentar é muito impactante”, afirma.

Disputa de territórios

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Um policial militar lotado no Guarujá, e que falou ao Estadão sob a condição de não ser identificado, contou as dificuldades que os policiais de fora, enviados para reforçar o policiamento na região, estão enfrentando.

“O pessoal aqui é mais fechado, mais desconfiado e solidário entre eles. Tem morro, mangue, muita ‘quebrada’. Quem não conhece fica exposto”, disse ele. Segundo o agente, o PM da Rota morto não teve tempo de conhecer a região. “Nesse aspecto, estava vulnerável”, disse.

Em nota, a SSP informou que as polícias Civil e Militar estão unindo esforços para realizar ações integradas em toda a Baixada Santista, incluindo o Guarujá. Foram realizadas 5.156 prisões e 435 apreensões de armas de fogo apenas neste semestre. Ainda de acordo com a pasta, neste ano cinco policiais da reserva e um em serviço morreram na Baixada Santista.

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As prisões efetuadas no Guarujá apresentaram um aumento de 22% em comparação com o mesmo período do ano passado. Em relação aos crimes contra cargas e patrimônio, a PM realiza patrulhamento ostensivo e preventivo, sendo reforçada pela “Operação Impacto - Modal Ferroviário Litoral Sul”.

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