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Plano Diretor de SP: Câmara recuou na ampliação de áreas com prédios altos? Estudo calcula

Nova regra para expansão dos eixos de verticalização abrange quadras ‘alcançadas’ por um raio de 700 m, atingindo imóveis a até mais de 1 km de estação de trem e metrô; revisão será votada na segunda

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Por Priscila Mengue
Atualização:

A Câmara Municipal de São Paulo, que discute a revisão do Plano Diretor, apresentou esta semana o texto final do projeto de lei, que deve ser votado nesta segunda-feira, 26. Projeções feitas por pesquisadores indicam que a expansão dos eixos de verticalização ficou muito próxima ao que foi aprovado pelos vereadores em 1º turno, no dia 31 de maio.

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A alteração havia sido anunciada inicialmente como recuo pelo Legislativo, que foi alvo de pressões diante da leitura de parte dos especialistas e das associações de bairro de que a proposta aprovada pela Câmara trazia aumento excessivo das áreas onde serão permitidos prédios sem limite de altura na cidade.

A alteração traz uma “pegadinha”, segundo parte dos urbanistas. Hoje, o perímetro dos eixos de verticalização é um limite de até 600 metros das estações de metrô e trem. A proposta atual aumenta para uma área “alcançada” por um raio de 700 metros. Mas isso, na prática, engloba porções a uma distância ainda maior das estações de metrô e trem, uma vez que pode incluir no perímetro de verticalização quadras inteiras que sejam, em alguma parte, atingidas por esse raio de influência.

Levantamento feito pelo Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper aponta que o atual texto da revisão aumenta em até 148% a expansão dos eixos. A proporção da alta é parecida com a da versão aprovada pelos vereadores em maio (lotes a até um quilômetro da estação e a até 450 metros de corredor de ônibus), que permitia avanço de 160% dos trechos de verticalização.

Além disso, projeções realizadas por especialistas e confirmadas pelo Estadão mostram que o raio de influência poderá até alcançar imóveis a mais de um quilômetro do metrô e do trem.

No caso abaixo, mais de uma dezena de quadras no entorno da Estação Tatuapé, da Linha 3-Vermelha, poderão se tornar eixo de transporte mesmo com imóveis a mais de 700 metros do metrô, alguns com distância superior até mesmo a um quilômetro.

O distrito da zona leste é um dos polos de arranha-céus da cidade. Com a expansão das áreas sem limite de altura, poderá ver ainda mais edifícios altos despontarem na paisagem — o que é criticado por uma parte dos moradores e apoiado por outros.

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Segundo o levantamento do Arq.Futuro, coordenado pelo professor Adriano Borges Costa, a mudança no Plano Diretor pode ampliar as áreas de eixo dos cerca de 51 quilômetros quadrados atuais para mais de 127 quilômetros quadrados. A versão do texto aprovada em primeira discussão (de lotes a até um quilômetro) previa expansão para 130 quilômetros quadrados. Para o pesquisador, trata-se, portanto, de uma diferença pequena.

No caso dos corredores de ônibus, a expansão foi aplicada para quadras alcançadas pela área de influência a 400 metros, ante a determinação anterior de quadras dentro de uma área a até 300 metros. Nessa redação do texto, quadras parcialmente atingidas pela linha de influência poderão ser totalmente transformadas em eixo.

Anunciada pelo relator, vereador Rodrigo Goulart (PSD), como um recuo dias antes da divulgação do novo substitutivo, a mudança foi um dos principais temas das duas audiências públicas devolutivas realizadas. A última está marcada para a segunda-feira, 26, pela manhã, horas antes da segunda e definitiva votação pelo Legislativo. Depois, o texto será encaminhado para promulgação do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

O que é o Plano Diretor?

  • É a mais importante lei urbanística municipal, com uma série de regras e incentivos construtivos hoje evidentes na cidade, como a concentração da verticalização perto de metrô, trem e corredor de ônibus;
  • A revisão estava prevista na própria lei e passou por adiamentos por causa da pandemia;
  • O texto apresentado pela Câmara tem diversas mudanças em relação ao entregue pela Prefeitura
  • A revisão terá a segunda e definitiva votação na Câmara Municipal nesta segunda-feira, 26, dias antes do recesso legislativo
  • Depois de aprovado, o projeto será encaminhado para a promulgação pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB)

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Relator do atual Plano Diretor, o ex-vereador e urbanista Nabil Bonduki falou sobre a questão na audiência pública de sexta-feira, 23. Ele ponderou que essa expansão pode ser barrada na revisão da Lei de Zoneamento, mas que é preciso discutir uma diretriz mais clara. “Se não, vai ser uma briga quarteirão a quarteirão”, afirmou.

“O nosso parcelamento do solo, os nossos loteamentos, não são regulares, como em Buenos Aires e Nova York, que têm quadras quadradas e do mesmo tamanho. São Paulo tem quarteirões de 500 metros, sem interrupção. Ao tocar nos 700 metros, podemos chegar a mail de mil (metros)”, disse.

Também divulgada na sexta, uma nota técnica divulgada pelo Fórum SP 23 — que reúne pesquisadores de urbanismo de diferentes universidades e instituições, o qual é coordenado por Bonduki — faz apontamento semelhante. “Continua gerando considerável incremento de área para adensamento”, destaca a publicação.

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O texto aponta que incentivos para os eixos fazem com que empreendimentos nesses locais possam chegar a 14 vezes a área do terreno, ao incluir as várias “áreas não computáveis” (como comércio no térreo etc) no cálculo total do volume construtivo permitido para esses trechos. Isso seria algo a ser discutido ao envolver quadras mais para dentro dos “miolos de bairro”.

Além disso, a nota técnica pontua que uma expansão tão expressiva dos eixos criaria uma concorrência expressiva, uma vez que outras zonas de verticalização são ativadas por projetos específicos (os projetos de intervenção urbana, os PIUs, como os recentemente aprovados para a Vila Leopoldina e o Arco Jurubatuba) e uma parte ainda não foi tão transformada. No caso da expansão dos eixos, a mudança depende ainda de alterações na Lei de Zoneamento, que será enviada para a revisão pelos vereadores neste mês.

Esses locais são chamados de “eixos” e recebem incentivos atrativos para atrair o mercado imobiliário e aumentar a construção de apartamentos perto do transporte. Entre os incentivos, estão a autorização para prédios sem limite de altura (o máximo varia pela cidade, mas não costuma passar de 48 metros) e com volume construído de quatro vezes a metragem do terreno (a proporção é de até duas vezes no restante da capital).

Os empreendimentos também ganham “isenção” na cobrança de parte de uma taxa paga pelas construtoras, a outorga onerosa, quando adotam projetos com padrões incentivados pelo Plano, como comércio no térreo, uso misto etc.

Com o Plano Diretor atual, de 2014, os eixos passaram a concentrar mais da metade dos apartamentos lançados, principalmente em distritos valorizados, como Brooklin, Butantã e Pinheiros. A lei prevê incentivos para esses locais a fim de aumentar o número de apartamentos e, assim, a população que mora perto e é usuária frequente de meios de transporte coletivo.

Além disso, em geral, são locais com mais oferta de infraestrutura, comércios, emprego e serviços, reduzindo os longos deslocamentos pela cidade. A versão revisada permanecerá ao menos até 2029, quando novas mudanças deverão ser discutidas na Câmara.

Em entrevista à Rádio Eldorado na quinta-feira, 22, Goulart disse que as mudanças foram feitas após a análise de “diversos estudos e levantamentos” apresentados nas últimas semanas. Justificou que a incidência dos raios para as quadras inteiras, mesmo que parcialmente seccionadas, foi definida para manter uma unidade no regramento dos imóveis dentro de uma mesma quadra. “Estamos abrindo a possibilidade da expansão dos eixos. Tudo isso será tratado na revisão da Lei de (Parcelamento,) Uso e Ocupação do Solo (mais conhecida como Lei de Zoneamento)”, destacou.

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Já a vereadora Silvia Ferraro, da Bancada Feminista (PSOL), criticou o volume de novos trechos acrescentados ao texto e disse que não há tempo hábil para analisar as mudanças até a votação. “São linguagens técnicas. Muitas vezes a mudança de uma palavra muda todo o sentido do que vai ser a diretriz da construção da cidade”, afirmou em audiência pública na quinta. Para ela, o projeto não avança em relação ao Plano Diretor atual. “Da forma como está, não está bom.”

Revisão do Plano Diretor foi aprovada em primeira discussão em 31 de maio Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Até mesmo Nunes chegou a intervir na proposta de aumento expressivo das áreas de verticalização, que não estava no texto original que enviou ao legislativo, em março. Em agenda pública no Anhembi na terça, disse a jornalistas que se reuniu com Goulart para tratar de “calibragens” na redação final da revisão. “A gente ponderou que o raio para metrô de 600 metros para um quilômetro era muita coisa. Apresentamos estudos e pedimos para diminuir”, disse.

A ampliação dependerá de anuência da Lei de Zoneamento, que será enviada pela Prefeitura para revisão na Câmara em breve. O texto do projeto do Plano Diretor diz que a autorização para expansão deverá ser norteada pelos seguintes critérios: características de uso e ocupação local, áreas de interesse histórico, cultural, ambiental e de paisagem urbana e características do sistema viário e relevo.

A revisão do Plano Diretor também tem atraído críticas à gestão Nunes. Embora parte dos pontos mais controversos tenha sido incluída pela Câmara, toda a base governista e até integrantes da oposição votaram favoravelmente ao substitutivo na primeira votação, que teve apenas 12 votos contrários entre 55 vereadores. Além disso, as principais organizações do setor imobiliário haviam defendido as mudanças propostas na versão aprovada em 31 de maio.

Na data da votação, a vereadora Luana Alves (PSOL) chegou a exibir um cartaz que insinuava que Nunes havia colocado São Paulo à venda. As mobilizações contrárias ao texto da Câmara também têm destacado a figura do atual prefeito, que deve ser candidato à reeleição no próximo ano.

Outro estudo do Insper apontou que o Plano Diretor potencializou a construção de prédios mais altos nos eixos de transporte. A média de andares subiu de 11,1 pavimentos, em 2013, para 16,4 pavimentos, em 2021. Esse mesmo levantamento também já havia detalhado como os incentivos municipais atraíram o mercado imobiliário para os entornos de metrô, trem e corredor de ônibus. Os eixos passaram a concentrar 54,1% dos lançamentos voltados ao público em geral de 2019 a 2021, ante 16,7% do período de 2013 e 2015.

Quais áreas que podem ganhar prédios mais altos?

Confira abaixo um mapa interativo com uma projeção do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper sobre a expansão permitida para os eixos, que poderá chegar a aumento de 148%.

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A maioria da ampliação dependerá de aval da Lei de Zoneamento, que será revisada nos próximos meses pela Câmara. No caso de eixos no entorno do chamado “Arco Tietê”, serão oficialmente ativados pelo Plano Diretor com a promulgação, por isso, alguns locais não tinham áreas de verticalização e/ou terão aumento mais expressivo que a média, como a Lapa, na zona oeste.

O mapa interativo até o momento não inclui as vilas, pois não há uma base de dados oficial com todas as que existem na cidade. O projeto prevê que esses conjuntos não sejam transformados em eixo mesmo quando localizados perto de transporte. Uma zona de exceção semelhante também foi criada para o Bixiga, na região central, como é assinalado no mapa. Confira como a expansão pode mudar o seu bairro:

Garagens e microapartamentos

Os eixos devem passar por mais mudanças após a revisão. Outra delas, também alvo de críticas, é a alteração no critério de vagas de garagem, com desestímulo a mais microapartamentos e um incentivo municipal para que grandes unidades tenham mais de um espaço para estacionar.

A mudança permite que empreendimentos perto de metrô e outros eixos de transporte criem mais vagas de garagem não contabilizadas na área construída – que é limitada a quatro vezes a metragem do terreno mediante o pagamento da “outorga onerosa”, espécie de taxa pelo direito de construir. Isto é, serão espaços para carros isentos da principal cobrança feita pela Prefeitura ao setor imobiliário e que não impactarão no limite de tamanho dos edifícios.

A mudança proposta restringe que os empreendimentos construam uma vaga “gratuita” para cada apartamento de ao menos 30 m², o que torna menos atraente a construção dos compactos, que tiveram um boom com 250 mil unidades lançadas nos últimos anos.

Por outro lado, permite um espaço para carros “grátis” para cada 60 m² de área privativa. Ou seja, a nova regra estimula que apartamentos grandes tenham mais de uma vaga.

O Plano Diretor hoje em vigor permite um espaço de estacionamento “grátis” por apartamento, independentemente da metragem. Essa regra (e a mudança proposta) envolve empreendimentos dos eixos de transporte.

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Outro levantamento do Insper estima que a nova regra pode aumentar o total de vagas perto dos eixos em cerca de 12%. Uma simulação aponta que o novo texto permitiria que empreendimentos com unidades medianas (de 60 m² a 80 m²) tenham até 33% mais vagas do que hoje.

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