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A vida sobre duas rodas na maior metrópole do Brasil

Ciclofaixas não atrapalham o trânsito; carrodependência e infrações sim

Terceiro post sobre as ciclofaixas, comentando as acusações de que elas atrapalham o trânsito

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Por Alex Gomes
Atualização:

*Com a colaboração do coletivo Bike Zona Sul

 

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Concluindo a trilogia de posts sobre as ciclofaixas da cidade (os outros dois podem ser lidos aqui e aqui), comento agora a acusação de que as ciclofaixas prejudicam o trânsito. Com certeza você já deve ter escutado que elas atrapalham a fluidez dos automóveis, são um estorvo por eliminar áreas de estacionamento e obstruir o embarque e o desembarque de mercadorias e de pessoas com mobilidade reduzida.

Vamos refletir sobre alguns pontos que essas acusações ignoram:

 

As ciclofaixas reduzem o trânsito

 Foto: Estadão

A maior parte das ciclofaixas foi feita eliminando-se faixas utilizadas como estacionamento. Sendo assim, o trânsito que se observa ao redor delas na verdade sempre esteve lá (a fluidez do trânsito não mudou, pois os carros não utilizavam a faixa de estacionamento para circular). Pelo contrário: quando a ciclofaixa elimina vagas de estacionamento, ela colabora com a redução do trânsito (por mais paradoxal que isso possa parecer ao senso comum). Isso porque vagas públicas estimulam o uso do automóvel, fato apontado por especialistas em mobilidade urbana e a literatura da área (análises interessantes sobre isso e como essas vagas geram prejuízos à economia podem ser lidas aqui, aqui e aqui). Afinal, qual motorista nunca preferiu o carro a outros meios de transporte - mesmo até para trajetos curtos que poderiam ser feitos a pé - pelo fato de ter a comodidade de estacioná-lo gratuitamente na rua?

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Além disso, muitas vagas públicas acabam privilegiando motoristas que se deslocam em pequenas distâncias, justamente aqueles de quem mais se espera que troquem o carro por alternativas de transporte. Imagine uma empresa fictícia com vagas públicas nas proximidades. Provavelmente, os funcionários que estacionarão seus carros ao redor serão os que moram mais próximos, pois conseguem chegar mais rápido que aqueles vindos de regiões distantes e, possivelmente, com menor oferta de transporte público, justamente os mais necessitados de tais vagas.

E vale a pena mencionar algo impressionante sobre os deslocamentos curtos feitos na capital: é justamente neles que o uso do carro é predominante. Dados do Plano de Mobilidade de São Paulo (pg 21) mostram que a maior proporção do uso do automóvel em São Paulo se dá em distâncias de 1 a 5 quilômetros. Em 2012 tais deslocamentos contabilizaram 51,5% das viagens feitas na capital nessas distâncias, enquanto no transporte coletivo foram 48,5%.

Sendo assim, as faixas de rua utilizadas como estacionamento podem ser justamente o motivo que te faz ficar preso no trânsito e a ciclofaixa o que pode te livrar dele (seja pedalando ou dirigindo).

 

Ciclofaixas não prejudicam o comércio; infrações de trânsito sim

Em quase toda inauguração de ciclofaixa a cena se repete: comerciantes reclamam exaltados que perderam as vagas na rua usadas por clientes e para desembarque de mercadorias. Em uma primeira análise, somos levados a pensar que, de fato, a ciclofaixa prejudica o comércio. Porém, esse raciocínio esquece (ou esconde) uma questão: a vaga de rua precisa necessariamente estar em frente ao estabelecimento?

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É inegável que assim é mais cômodo, mas temos inúmeros exemplos de estabelecimentos e centros de compras em que os espaços de estacionamento não estão em frente à lojas, mas em locais nas proximidades. Vou citar o exemplo mais conhecido: os shoppings centers. Em nenhum deles se estaciona em frente das lojas para fazer e o desembarque de mercadorias, e os clientes também não param seus carros na porta dos estabelecimentos. O mesmo ocorre em muitas lojas localizadas em calçadões.

Dessa forma, lojas de rua podem receber ou enviar mercadorias utilizando áreas que não precisam necessariamente estar em frente aos imóveis. Se repararmos bem, nos arredores de qualquer ciclofaixa há ruas com espaços definidos para embarque e desembarque em que a parada é permitida em horários específicos. E aqui chegamos ao que realmente causa problema aos comerciantes e pouco se comenta. Veja o caso dessa foto:

(Fonte: Google Street View)  

Trata-se da rua Chilon, localizada na V. Olímpia. Ela fica próxima à rua Ramos Batista, uma via comercial em que, assim como ocorre nas ciclofaixas, não é permitido parar e estacionar. Dessa forma, comerciantes podem fazer o embarque e desembarque de mercadorias na Chilon em horários específicos (que são, conforme indica o artigo 47 do Código Brasileiro de Trânsito, os períodos não restringidos na placa).

Entretanto, conforme a foto mostra, motoristas deixam seus veículos irregularmente estacionados na via e basta circular por ali para ver que os carros ficam o dia inteiro, de forma que o comércio não consegue fazer o embarque e desembarque de mercadorias nos horários permitidos.

Sendo assim, é contra esse tipo de infração que as reclamações dos comerciantes deveriam ser dirigidas, não às ciclofaixas. Além disso, para quem tem certeza de que uma vaga de estacionamento de rua em frente à loja é uma vantagem, vale a pena refletir sobre o quanto elas prejudicam a visibilidade do seu comércio. Para ajudar a pensar nisso, veja essas fotos de um simpático café de rua com e sem um carro estacionado na frente.

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Ah, é importante esclarecer que os casos que citei são de pequenos comércios, pois não deixa de ser no mínimo incoerente um estabelecimento comercial de grande porte reclamar vagas de estacionamento na rua já que, como um polo gerador de tráfego, tem a obrigação de proporcionar vagas em seu próprio terreno.

 

A questão do embarque e desembarque de pessoas com mobilidade reduzida

Agora vamos para outra grande crítica às ciclofaixas e ciclovias que é a eliminação de vagas utilizadas para embarque e desembarque de idosos e pessoas com mobilidade reduzida. Primeiramente podemos já desconsiderar as reclamações de instituições de grande porte (como grandes hospitais e clínicas) pois, sendo polos geradores de tráfego, elas são obrigadas por lei a ter espaço para estacionamento em sua própria área.

Com relação as instituições de pequeno porte, sabemos que a possibilidade de embarcar e desembarcar alguém com mobilidade reduzida na porta é mais cômodo, porém não podemos esquecer do princípio da soberania do interesse público sobre o privado que é inerente a qualquer política pública. A ciclofaixa visa proporcionar segurança para os ciclistas e, assim, estimular o aumento do uso da bicicleta como meio de transporte, gerando benefícios para a coletividade como a redução da emissão de poluentes e a diminuição do sedentarismo da população. Assim, é justificável que determinadas vagas de estacionamento de rua, mesmo aquelas utilizadas para embarque e desembarque de pessoas com mobilidade reduzida, sejam transferidas. Vale lembrar que é praticamente certo que tais pessoas terão pelo menos um acompanhante, como o próprio motorista do veículo por exemplo, e assim elas podem ser auxiliadas a ir do local de estacionamento até o local de destino. E para os cadeirantes uma boa notícia: em São Paulo é permitido o deslocamento de cadeira de rodas nas ciclofaixas, com prioridade sobre as próprias bicicletas.

 

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Concluo assim a série de três posts sobre as ciclofaixas reconhecendo que várias apresentam problemas, como pisos irregulares e má sinalização. Os ciclistas e a população em geral não podem deixar de comentá-los e cobrar soluções das autoridades competentes. Entretanto, é inegável que qualquer política de mobilidade urbana séria deve considerar o incentivo ao uso da bicicleta como meio de transporte e a implantação de ciclovias e ciclofaixas é um caminho para isso. É o que se observa ao pesquisar a literatura especializada do assunto e ao reparar no que vem acontecendo em importantes cidades como Nova Iorque, Londres, Tóquio, Buenos Aires e, finalmente, em São Paulo.

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