Doenças respiratórias avançam em 16 Estados e faltam leitos pediátricos; saiba como reduzir riscos

Aumento de casos graves está relacionado às mudanças de temperatura do final do outono

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Por José Maria Tomazela

SOROCABA – Nas últimas quatro semanas, 16 Estados registraram aumento nos casos de doenças respiratórias graves em crianças, elevando a demanda por internações especialmente na faixa etária até dois anos, segundo estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em alguns Estados, já faltam leitos em UTIs pediátricas. Segundo o Ministério da Saúde, o aumento de casos de doenças respiratórias graves é sazonal e está relacionado às mudanças de temperatura do final do outono. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) diz buscar com a pasta apoio aos Estados com superlotação de leitos.

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O mais recente boletim InfoGripe, da Fiocruz, que monitora as doenças respiratórias em todo o País, apontou sinais de crescimento de casos relacionados ao vírus sincicial respiratório em crianças na faixa até dois anos nos Estados do Acre, Amazonas, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Maranhão, Minas, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima e Sergipe. O próximo boletim, que será divulgado até o fim semana, deve incluir São Paulo na lista, afirma o InfoGripe.

O outono possui características que propiciam ambientes para a transmissão de síndromes gripais e respiratórias, como variação de temperatura, tempo seco e aumento da poluição.

Em Santa Catarina, por exemplo, na quarta-feira, dos 136 leitos de UTI pediátrica da rede pública, 119 estavam com pacientes, ocupação de 87,5%. Três das sete regiões do Estado estavam com 100% dos leitos lotados, sem vagas disponíveis. Já em UTI neonatal, dos 248 leitos, 228 estavam ocupados, ocupação de 98%. O governo informou que foi iniciada a busca por leitos em sistemas privados para contratação.

Na semana passada, no Oeste Catarinense, havia relatos de crianças à espera de internação em UTI. Conforme o Estado, estão sendo priorizados os atendimentos de maior gravidade, já que 50% da demanda é de pacientes de baixa gravidade. No fim de março, o governo chegou a decretar situação de emergência em saúde pública nos hospitais da Grande Florianópolis para ampliar a estrutura.

Santa Catarina abriu novos leitos de UTI pediátrica para fazer frente ao aumento na demanda. Foto: Robson Valverde/Ascom

Em São Paulo, a taxa de ocupação pediátrica na rede estadual de hospitais de administração direta subiu de 72%, no último dia 5, para 79,3% na quarta-feira, 14. Já nas unidades geridas por organizações sociais, a alta na ocupação foi de 75,6% para 85,5%.

Campinas, maior cidade do interior, tem 85% de ocupação dos leitos municipais de UTI pediátrica, situação que perdura há mais de uma semana. O cenário só não é pior porque os hospitais públicos da cidade ganharam 17 leitos em UTI pediátrica e 10 em enfermaria para enfrentar o inverno deste ano.

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Não existe vacina contra o vírus sincicial respiratório, mas especialistas afirmam que imunizar as crianças contra gripe e covid-19 ajuda a evitar problemas causados pelo VSR, maior causador de bronquiolite e outras doenças respiratórias agudas graves. O vírus acaba sendo muito mais grave para crianças do que para adultos, por causa do menor nível de imunidade alcançado.

Segundo o pesquisador Marcelo Gomes, coordenador do InfoGripe, a tendência de crescimento significativo de novos casos e internações se mantém desde o mês de abril, fundamentalmente nessa faixa etária.

Na Bahia, a Secretaria da Saúde divulgou nota técnica no último dia 5 informando ter detectado crescimento progressivo nos casos de síndrome gripal, bronquiolite e síndromes respiratórias, causando alta de internações em UTIs pediátricas acima do esperado para o período.

Segundo a pasta, a prevalência do vírus sincicial respiratório e influenza B entre os patógenos circulantes e a cobertura da vacinação muito abaixo dos porcentuais recomendados contribuem para a situação de sobrecarga hospitalar – a lotação é quase total, alertou.

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Ainda segundo a secretaria, desde março foram abertos 21 novos leitos de UTI pediátrica, atendendo hospitais de Salvador e Vitória da Conquista. A UTI pediátrica do Hospital Materno-Infantil de Ilhéus foi direcionada para receber exclusivamente crianças com síndrome respiratória. “Sabemos que no período de outono e inverno há crescimento de atendimentos às crianças por conta do aumento na incidência de síndromes respiratórias. Essas ampliações são necessárias para atender o público infantil”, disse a secretária de Saúde, Roberta Santana.

Superlotação de leitos pediátricos

Em Mato Grosso, a Secretaria de Saúde co-financiou 30 leitos de UTI pediátricos em hospitais particulares de Primavera do Leste, Nova Mutum e Rondonópolis para fazer frente à maior demanda. Os leitos foram acrescidos à rede SUS.

Segundo a pasta, a decisão foi tomada com base em análise epidemiológica apontando para a situação emergencial de síndromes febris e respiratórias graves e para a superlotação de leitos pediátricos no Estado. “Por entender a urgência da situação, frente ao alto índice de internações, estamos realizando esforços para atender as demandas existentes”, disse a secretária adjunta, Fabiana Bardi.

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No interior do Acre, três crianças morreram em maio em decorrência do agravamento de síndromes respiratórias. Os óbitos foram registrados em Cruzeiro (2) e Feijó. As UTIs pediátricas estão concentradas na capital.

Conforme a coordenadora regional de Saúde, Diani Carvalho, foram emitidas alertas às equipes no interior recomendando medidas de higiene e intensificação na aplicação de vacinas. Segundo ela, muitas comunidades vivem em locais isolados, de difícil acesso aos serviços de saúde. “Muitos dos casos que pegamos em óbito infantil, a criança já chegou à unidade em situação extrema”, disse.

O governo do Acre informou que o Hospital da Criança, em Rio Branco, está com 90% de ocupação na UTI pediátrica, já que dos 9 dos dez leitos estão ocupados. O plano do governo é abrir mais 10 leitos de UTI na pediatria e 5 de Neonatal, caso a demanda continue alta.

No município de Cruzeiro, onde houve duas mortes de crianças, foram abertos 7 novos leitos pediátricos, ampliando o total para 28, com ocupação de 75%. Esse hospital dá suporte aos demais municípios da região, incluindo Feijó, onde morreu a outra criança.

No Rio Grande do Sul, o governo vai destinar R$ 10,1 milhões para ajudar os hospitais a enfrentar o aumento de doenças respiratórias no inverno. O programa abrange 79 hospitais. As estratégias envolvem ampliar horários de atendimentos, vacinação, equipamentos para UTIs pediátricas e ações de telemedicina.

No lançamento do programa, no último dia 29, o governador Eduardo Leite (PSDB) disse que o inverno gaúcho é um desafio para a saúde pública diante da elevação de internações, que poderiam ser evitadas se as metas de vacinação fossem cumpridas. O Estado só alcançou 24% de cobertura na vacinação de crianças contra a influenza (gripe) e 6,6% contra a covid-19, muito abaixo das metas.

Em Pernambuco, a fila de bebês e crianças à espera de leito de UTI vem provocando uma onda de preocupação entre profissionais de saúde e familiares. Na semana passada, a Secretaria de Saúde informou que duas crianças aguardavam vaga em UTI Clínica e outras 87 esperam por um leito em UTI SRAG. Com relação à UTI Neonatal, 23 recém-nascidos aguardavam leito, enquanto um esperava por leito Neo SRAG.

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No Hospital Barão de Lucena, umas das maiores unidades de saúde materno-infantil do Estado, o clima é de nervosismo entre dezenas de mães e pais de crianças internadas.

Emergência de saúde pública

O Amapá decretou situação de emergência de saúde pública após 10 crianças, com idade inferior a 6 anos, morrerem de síndrome gripal. Com rotação máxima dos leitos, a rede pública hospitalar infantil totaliza 162 internações, sendo 29 entubadas nas UTIs.

”Nenhuma das crianças que foram a óbito haviam feito a vacinação contra a influenza”, pontuou a secretária de Saúde do Amapá, Silvana Vedovelli. Até a primeira semana de maio, a cobertura vacinal infantil contra a gripe em todo o Estado era de apenas 16%.

Segundo a Superintendência de Vigilância em Saúde, o Amapá teve crescimento de 53,11% nos casos de síndrome gripal, e 108,33% evoluíram para quadros mais graves, comparado ao primeiro semestre de 2022. A sazonalidade de doenças respiratórias é associada ao período de fortes chuvas na região, quando aumenta a circulação dos vírus da influenza e o sincicial respiratório (RSV), causador da bronquiolite.

”Fiquei assustada, porque nunca tinha visto meu filho ficar tantos dias com febre e tosse seca. Eu o trouxe direto para o hospital e ficamos aqui até ele receber alta”, diz Angélica Lima, 30 anos, dona de casa e mãe de uma criança de 1 ano e 1 mês que não estava com a carteira de vacinação atualizada.

Entre as medidas imediatas adotadas pelo Estado, está a reabertura de 20 leitos de UTI pediátrica no Hospital Universitário, que estavam fechados desde a pandemia; e a entrega de 94 novos leitos no Hospital da Criança e do Adolescente, onde se concentra o maior número de atendimentos. Só no último dia 3, o Amapá ultrapassou a marca de 90% de vacinados entre os grupos prioritários, sendo o único Estado a bater a meta do Ministério da Saúde.

O Conass informou que vem alertando sobre o aumento de casos de doenças respiratórias infantis no País, o que pressiona a rede hospitalar. “O conselho passou a acompanhar a ocupação de leitos de UTI pediátricos e a realizar tratativas com o Ministério da Saúde em busca de ações que possam apoiar os Estados com superlotação”, diz, em nota. O órgão informou que o governo federal disponibilizou uma linha de financiamento para leitos de UTI pediátrica para Estados e municípios que decretarem emergência em saúde pública.

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Já o Ministério da Saúde disse que vem realizando ações de apoio aos Estados que enfrentam alta demanda de leitos. Conforme a pasta, após o Amapá ter declarado emergência em saúde pública, em maio, uma missão sanitária foi instalada no Estado. A pedido da Casa Civil, há também uma missão da Força Nacional de Segurança (FNS) no Acre atendendo principalmente a questão dos refugiados, para a realização de diagnóstico situacional dos casos de doenças, sobretudo entre crianças. / COLABORARAM MÔNICA BERNARDES, LUIZA NOBRE E LORENA LIMA

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