Região Norte requer novas estratégias do PNI para ampliar vacinação, dizem especialistas

Cobertura geral do programa na região em 2021 ficou em 54,1%; além de logística, dificuldades de comunicação afetam taxas

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Por Fernanda Freire, Francielle Oliveira, Mariana Macedo e Matheus Metzker

Se as taxas de cobertura vacinal como um todo estão preocupantes, os dados de imunização no Norte do Brasil são ainda mais desafiadores para as autoridades sanitárias. Em 2021, a cobertura geral do Programa Nacional de Imunizações (PNI) na região foi de 54,1%, ficando abaixo do total nacional, de 60%. Os dados parciais de 2022, incluídos no Datasus até novembro, mostram cobertura vacinal de 36,77% no Norte.

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A depender da dose do imunizante em questão, as taxas podem ser piores. É o caso, por exemplo, da segunda dose da tríplice viral, que protege contra sarampo, rubéola e caxumba. Em 2021, quatro dos cinco Estados brasileiros que tiveram menor cobertura ficam na Região Norte: Acre (25,9%), Pará (27,1%), Amapá (34,2%) e Roraima (34,8%). O outro é Mato Grosso do Sul (35,9%), no Centro-Oeste. A aplicação da segunda dose é usada como marcador de imunização completa com a tríplice viral.

Neste ano, até novembro, esses quatro Estados do Norte continuam com índices de cobertura baixos para o imunizante. Isso ocorre principalmente no caso do Pará, que registra 14,34% de vacinação. Embora os dados sejam parciais e exista atraso na entrada de informações no sistema do Datasus, o porcentual identificado preocupa especialistas.

Reverter as taxas inadequadas de cobertura vacinal na Região Norte exige planejamento adicional e até a reformulação de estratégias do Programa Nacional de Imunizações (PNI). “O PNI não deveria apenas distribuir as vacinas, e terminar ali. É preciso fazer uma contribuição efetiva na operacionalização. O programa está muito concentrado em sua bolha de distribuição”, diz o infectologista Bernardino Albuquerque, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Para ele, a concentração do PNI na sua atribuição de adquirir e apenas distribuir os imunizantes para os Estados contribui para o fraco desempenho vacinal na Região Norte.

Cabe aos governos estaduais enviar, com recursos próprios, as vacinas aos municípios. Porém, diferentemente de outros lugares do País, a complexa logística de distribuição e a falta de infraestrutura dos municípios do Norte são particularidades que dificultam a atuação dos agentes de saúde para imunizar a população. Albuquerque defende que o PNI atue na estruturação de centrais regionais de saúde e na alocação de recursos para executar ações de distribuição de vacinas em áreas de difícil acesso. “Essa redefinição de estratégias com relação à vacinação, tanto no que diz respeito à rotina quanto às campanhas de vacinação, é extremamente importante.”


Vacinação contra covid-19 em aldeia indígena Umariaçu, no Amazonas: imunização requer planejamento Foto: Gabriela Biló

Criada em 1989, a Operação Gota, realizada anualmente pelo Ministério da Saúde em parceria com o Exército para enfrentar os baixos índices vacinais no Norte do Brasil, deu um passo na direção de otimizar a distribuição. A ação, porém, não foi suficiente para reverter o cenário regional.

De acordo com nota enviada pelo ministério, foram realizadas dez missões com um investimento de R$ 12 milhões, entre março e setembro de 2022. “As ações ocorreram nos estados do Acre, Amapá, Pará e Amazonas, que contaram com a atuação de 239 profissionais de saúde. Ao todo, mais de 22,8 mil pessoas foram imunizadas”, informou a pasta.

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Problemas de logística

Como alguns Estados não contam com regionais locais para descentralizar o envio de vacinas, os imunizantes saem estritamente das capitais em direção aos municípios. Em Estados como Amazonas e Pará, onde a densidade demográfica é baixa, a logística torna-se ainda mais complicada. São Estados com grande extensão territorial e maior concentração de pessoas na área urbana, mas com populações dispersas em aldeias indígenas e comunidades ribeirinhas distantes e de difícil acesso.

A enfermeira Angela Carepa, que gerencia o Setor de Doenças Transmissíveis da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-RCP/AM), trabalha na área há 23 anos. Em alguns municípios do território amazonense, conta a enfermeira, equipes de saúde demoram duas semanas para chegar à população ribeirinha. Isso resulta em maior rotatividade de profissionais, que, por vezes, não se acostumam com as particularidades da região.

“Se você não tem o hábito de dormir nessas comunidades, tomar banho de rio e comer peixe, não fica por aqui. Dependendo do deslocamento, ficamos horas sem nos alimentar”, relata. Na realidade local, muitas vezes não há sala climatizada para aplicação dos imunizantes e nem mesmo acesso a uma torneira para higienização. “É um banco de madeira com um balde de água ao lado, que é até oferecido pelos moradores”, diz a enfermeira.

Vacina é aplicada em população ribeirinha no Amazonas: condições locais desafiam autoridades e equipes de saúde Foto: Bruno Kelly/REUTERS

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Faltam campanhas, sobra subnotificação e desinformação

Pesquisadora em Saúde Pública no Instituto Evandro Chagas (órgão vinculado à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde), a pediatra Cleonice Aguiar diz que outro fator que pode ajudar a explicar os baixos índices de cobertura vacinal da Região Norte é a dificuldade de comunicação. Há vários municípios, explica a médica, com pouco ou nenhum acesso à internet.

Além disso, a instabilidade na rede elétrica regional contribui, por vezes, para provocar imprecisões na alimentação dos dados de vacinação no sistema. “Apesar de haver uma possível subnotificação, o Norte sempre esteve com os menores números no cenário de cobertura vacinal. Isso diz respeito a uma série de questões que representam maiores desafios de saúde, sejam elas culturais ou geográficas”, acrescenta.

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Albuquerque, da UFAM, observa que também há menos campanhas de vacinação na região, com ações restritas às secretarias municipais. Segundo o infectologista, as campanhas de vacinação mobilizavam toda a estrutura do Estado e hoje se restringem somente às secretarias municipais. “Havia várias instituições que se envolviam na campanha. Hoje, não tem mais esse envolvimento. Temos de retomar essa situação de sensibilização da população”, defende. Isso se soma à baixa percepção de risco da população em relação a doenças erradicadas, como a pólio. “Até a maioria dos profissionais de saúde não tem noção do que é uma epidemia de pólio porque não vivenciaram isso.”

O peso da desinformação crescente em torno da confiabilidade das vacinas é outro fator que merece atenção, segundo Cleonice, que não tem dúvidas da necessidade de um trabalho de conscientização. “Em função das notícias falsas que envolveram as vacinas contra a covid, todas as outras acabaram sendo afetadas. É preciso que gestores e profissionais de saúde estejam unidos para mostrar que a vacinação muda cenários”, defende a pesquisadora do Instituto Evandro Chagas.

Expediente

Reportagem | Alunos do 1º Curso Estadão de Jornalismo de Saúde: Aline Albuquerque, Ana Luiza Antunes, Beatriz Bulhões, Beatriz Leite, Camila Pergentino, Camila Santos, Fernanda Freire, Flávia Terres, Francielle Oliveira, Giovanna Castro, Guilherme Lara da Rosa, Guilherme Santiago, Isabel Gomes, Isabela Abalen, Iuri Santos, Kally Momesso, Katharina Cruz, Layla Shasta, Letícia Pille, Mariana Macedo, Matheus Metzker, Milena Félix, Pedro Miranda, Pedro Nakamura, Rafaela Rasera, Sofia Lungui, Stéphanie Araújo, Thais Porsch, Victória Ribeiro e Vitor Hugo Batista Coordenação e edição | Carla Miranda, Andréia Lago e Ítalo Rômany

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