Risco de morte por dengue é 8 vezes maior entre quem tem 60 anos ou mais; veja como se proteger

Levantamento feito pelo Estadão com base em dados do Ministério da Saúde mostra que 50% dos óbitos pela doença nos últimos dez anos ocorreu entre idosos, embora eles sejam somente 11% dos infectados

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Por Fabiana Cambricoli
Atualização:

Embora apenas 11% dos infectados pela dengue sejam idosos, eles representam 50% das mortes causadas pela doença no Brasil na última década, conforme levantamento feito pelo Estadão com base em dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde. A análise confirma que essa é a faixa etária de maior risco para complicações da doença.

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De acordo com o levantamento, a taxa de letalidade da dengue no período, ainda que seja considerada baixa de forma geral, foi oito vezes maior entre os idosos do que entre aqueles com idade abaixo dos 60 anos.

Entre 2014 e 2024, foram registrados 9,5 milhões de infecções pela doença entre pessoas de zero a 59 anos, com 3.211 óbitos. Já entre os idosos, o número de casos foi muito inferior (1,2 milhões de registros), mas o total de mortos chegou a 3.299. A letalidade, portanto, foi de 0,03% no primeiro grupo e 0,27% no segundo grupo. O risco aumenta ainda mais conforme a idade avança. Entre os pacientes com 80 anos ou mais, o coeficiente de letalidade chega a 1,03% - eles foram 1,2% dos contaminadas e 20,1% dos mortos.

Especialistas ouvidos pelo Estadão apontam três principais causas para a maior vulnerabilidade desse grupo. A primeira, que vale também para outras infecções, como a covid-19, é o enfraquecimento do sistema imunológico que ocorre no processo de envelhecimento.

Com o passar da idade, é como se as células de defesa do organismo não tivessem o mesmo vigor e precisão para enfrentar os agentes nocivos, como vírus. “A memória imune é menor e a resposta (do sistema imunológico) é inadequada. E isso é agravado pela maior presença de comorbidades”, explica Julio Croda, infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

Essas comorbidades são doenças crônicas como hipertensão, diabetes e problemas cardíacos — mais prevalentes em idades mais avançadas. Elas são apontadas como a segunda razão para os idosos serem mais suscetíveis ao agravamento da doença tanto pelas alterações que causam no funcionamento de alguns órgãos quanto pelo fato de o tratamento delas ser feito com medicamentos que podem dificultar o manejo da dengue.

“Idosos tomam com mais frequência anticoagulantes (como o ácido acetilsalicílico), anti-inflamatórios e corticoides, todos contraindicados em um caso de dengue por aumentarem o risco de sangramentos ou outras complicações”, explica a infectologista Claudia Mello, do Instituto Emílio Ribas.

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A médica ressalta, no entanto, que, para os pacientes que fazem uso contínuo desses medicamentos, o uso não deve ser interrompido sem orientação de um especialista. “Se o paciente acabou de ter um evento grave, como um AVC (Acidente Vascular Cerebral), suspender o medicamento pode ser mais arriscado, por isso é necessário sempre consultar um médico”, esclarece.

Uma das comorbidades que mais dificultam o tratamento de pacientes com dengue grave é a insuficiência cardíaca. Nesses casos, quando o paciente evolui para um quadro mais grave, geralmente acompanhado de desidratação, a reposição de líquido deve ser feita com muito cuidado. “Por causa da insuficiência cardíaca, o coração pode não dar conta de bombear o suficiente para aquele volume maior de líquido, e isso pode inundar o pulmão e agravar o quadro”, diz Claudia. Por isso, recomendam os especialistas, a hidratação do idoso em um caso de dengue grave deve ser feita sob supervisão de um profissional.

Pacientes com dengue são atendidos em Hospital de Campanha do Distrito Federal; UF é uma das mais afetadas pela epidemia Foto: Wilton Junior/Estadão

Um terceiro fator apontado pelos médicos como causa para o maior índice de óbitos nessa faixa etária é a ausência de alguns sintomas característicos da dengue nos pacientes mais velhos, como febre. “O idoso pode não apresentar febre ou ter uma febre baixa. Acaba sendo mais difícil identificar tanto os sinais da infecção quanto os de agravamento”, diz a médica do Emílio Ribas.

Cuidados e sinais de alerta

Para os especialistas, é fundamental que, diante dos riscos maiores nessa população, os pacientes idosos procurem atendimento médico assim que tiverem qualquer suspeita de dengue, mesmo que os sintomas sejam leves. “Para esses pacientes, costuma haver o monitoramento diário para avaliar sinais de alarme, além de uma hidratação mais cuidadosa”, explica Croda.

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Os especialistas ressaltam que é importante também perguntar ao médico quais remédios de uso contínuo devem ser suspensos por causa do risco de agravamento – como já mencionado, isso vai variar de acordo com os problemas de saúde do paciente.

Nos casos em que o doente não está internado, ele e seus familiares devem ficar de olho nos sinais de alarme, em especial os que indicam desidratação e sangramento. “Checar a cor da urina é importante porque, quando há quadro de desidratação, ela fica muito mais escura do que o normal”, destaca Claudia.

Sangue em mucosas, como na gengiva, ou que aparecem junto com as fezes e a urina também são sinais de alerta. Outros sintomas de agravamento da dengue são dor abdominal intensa e continua, vômitos persistentes, acúmulo de líquido em diferentes partes do corpo — como na barriga, provocando um quadro chamado de acite —, pressão baixa e letargia ou irritabilidade excessiva.

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Como prevenção da infecção, as medidas para os idosos são as mesmas recomendadas à toda a população: eliminar possíveis focos de reprodução do mosquito Aedes aegypti, usar repelente em todo o corpo, em especial nos períodos de maior atividade do inseto (começo da manhã e fim da tarde), e preferir utilizar roupas que cubram a maior parte do corpo, como calças, mangas compridas e calçados fechados.

Bebês também têm maior risco de morte

A análise dos dados do Sinan mostra ainda que, depois dos idosos, os bebês menores de um ano são o grupo com maior taxa de letalidade pela doença. De acordo com os médicos, os pequenos, assim como os mais velhos, também sofrem com um sistema imunológico mais frágil - neste caso, por não estar devidamente desenvolvido - e por não conseguirem comunicar sintomas e sinais. “Nesses casos, é importante estar atento a um choro persistente, febre alta, avaliar a cor da urina na fralda e a presença de sangue nas fezes”, diz Claudia.

Vale lembrar que embora idosos e bebês sejam os grupos etários com maior risco de óbito para dengue, a vacina QDenga, da farmacêutica japonesa Takeda, não está aprovada para essas faixas etárias por não haver ainda dados de estudos clínicos dessas populações. No Brasil, o imunizante foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para pessoas de 4 a 60 anos.

Além de crianças e idosos, os especialistas ressaltam que imunossuprimidos, como pacientes transplantados e oncológicos, e gestantes também têm maior chance de complicações. “É importante lembrar também o risco de maior gravidade para aqueles que estão na segunda infecção por dengue”, lembra Croda.

Nesses casos, o paciente que já teve dengue causada por um dos quatro sorotipos do vírus pode voltar a ser infectado por um dos outros três sorotipos, e isso confunde o sistema imunológico. “Quando ocorre uma segunda infecção, o sistema imune acha que trata-se do mesmo sorotipo da primeira vez e ativa a resposta imunológica para ele, mas essa resposta não consegue neutralizar o vírus porque não é específica, leva a um aumento de carga viral e de inflamação, o que pode agravar o quadro”, explica o infectologista da Fiocruz.

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