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Incêndios no Chile podem se repetir no Brasil?

Clima e vegetação brasileiros tornam improvável um desastre causado pelo fogo em áreas urbanas como no país andino; onde há características propícias para as chamas se espalharem

Por Emilio Sant'Anna
Atualização:

Seca persistente, calor recorde, ventos fortes, florestas plantadas de eucalipto e pinus, além de muito material inflamável dessas árvores no chão. Na região de Valparaíso, no Chile, faltava apenas a ignição para as chamas. O fogo veio, deixou 122 mortos e mais de 100 desaparecidos nos incêndios florestais mais mortais da história recente do País. Um desastre desse tipo pode se repetir no Brasil?

Por aqui, não faltam incêndios florestais. No entanto, as características da vegetação e do clima no Brasil, além do processo de povoamento, impedem que se veja no Brasil desastre semelhante ao chileno.

Segundo levantamento da plataforma MapBiomas, mais de 17,3 milhões de hectares foram queimados no Brasil em 2023 - alta de 6% ante o ano anterior. A área é maior do que Estados como o Acre ou o Ceará e equivalente ao tamanho do Uruguai.

Bombeiros trabalham na região de Valparaíso Javier TORRES/AFP 

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As pastagens corresponderam ao uso da terra mais afetado pelo fogo (28%), seguidas da vegetação nativa, formação campestre 19%, e formação savânica (vegetação com árvores distribuídas de forma esparsa e em meio à vegetação herbáceo-arbustiva contínua), com 18% do total da área queimada.

Mesmo com a ação do El Niño, e a seca que o fenômeno climático causa, não há por aqui notícia de incêndios que ameaçam tão diretamente a população de áreas urbanas. A fumaça das queimadas cobriu cidades como Manaus e causou problemas, mas o fogo não se aproximou.

“São regiões com características muito distintas. (Em Valparaíso) há grande crescimento e concentração de plantação de coníferas, como pinus e eucalipto, que têm folhas e seiva inflamáveis”, diz Lawrence Nóbrega de Oliveira, coordenador do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), órgão do Ibama responsável pela política de prevenção e combate aos incêndios florestais em todo o território nacional.

Somada a isso, está a proximidade das florestas de coníferas com áreas urbanas populosas. “As áreas com maior vulnerabilidade para queimadas são também as que têm maior densidade populacional”, diz Leandro Sales Esteves, professor de Geografia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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“Claro que há uma região ou outra assim no Brasil, mas não é uma característica macro do território brasileiro”, acrescenta ele. O coordenador do Prevfogo explica que as condições diversas da região em chilena em relação a qualquer bioma do Brasil faz com que mesmo os incêndios sejam diferentes.

“São comportamentos muito diferentes. Lá, o incêndio é de copa (se alastra entre as copas das árvores), aqui o fogo é de superfície”, afirma Oliveira. “O incêndio em Valparaíso se parece com os incêndios da Califórnia e do Canadá. Por isso precisam usar aeronaves para combater o fogo, que passa de uma copa para outra.”

Mais de dois terços da população brasileira vive em cidades e áreas rurais inseridas na Mata Atlântica ou no que sobrou dela. O bioma, marcadamente úmido, pode queimar - em 2023, os focos de incêndios cresceram. O fogo, no entanto, tem muito mais dificuldade para se espalhar em comparação com a região de Valparaíso.

Incêndios deixaram a Amazônia em alerta no ano passado Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O mesmo vale para a Amazônia e o Cerrado, que reúnem a maior parte dos focos de incêndio no Brasil. Vale registrar que os incêndios nesses dois biomas não são poucos e atingem tanto áreas particulares como terras não tituladas e parques nacionais e estaduais.

O coordenador do Prevfogo lembra também que a ação das mudanças climáticas e o desmatamento têm feito que áreas onde antes o fogo não se propagava começassem a sofrer com os incêndios.

Vista aérea de Vina del Mar; casas ameaçadas pelo incêndio Javier TORRES/AFP 

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O que é a perigosa combinação 30-30-30

Essa não é a primeira vez que a região de Valparaíso é afetada por um incêndio devastador. Há dez anos, em 2014, o fogo destruiu 2,9 mil casas, deixou milhares de desabrigados e 16 mortos.

O incêndio chileno de agora afetou mais de 40 mil pessoas pela destruição total ou parcial de suas casas. As autoridades pediram aos moradores das áreas afetadas que deixassem as suas casas o mais rapidamente possível, enquanto as pessoas mais distantes dos incêndios foram orientadas a permanecer em casa, a fim de facilitar o trânsito de carros de bombeiros e ambulâncias.

Foram declarados toques de recolher em Viña del Mar e nas cidades vizinhas de Quilpé e Villa Alemana como parte de um esforço para evitar saques.

O presidente chileno, Gabriel Boric, se referiu ao incêndio como a maior tragédia do País desde o terremoto de fevereiro de 2010, quando um abalo sísmico de magnitude 8,8, seguido d tsunami, deixou mais de 500 mortos.

Segundo o professor do Mackenzie, a opção econômica por uma monocultura é um fator relevante no desastre que os chilenos veem agora. “Em janeiro, a população do Chile já estava em alerta por causa das altas temperaturas. Há uma simultaneidade de fatores naturais e humanos, como as construções irregulares e as plantações com objetivos econômicos de pinus e eucalipto”, afirma.

Segundo o coordenador do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), a simultaneidade de condições favoráveis ao megaincêndio vai além. “É o que chamamos de 30-30-30. Temperatura acima dos 30ºC, umidade do ar abaixo de 30% e ventos de mais de 30 km/h”, explica Oliveira.

Chile investiga ação criminosa

Rodrigo Mundaca, governador da região de Valparaíso, disse no domingo acreditar que alguns dos incêndios podem ter sido causados intencionalmente, ecoando uma hipótese que também foi mencionada no sábado, 3, por Boric.

De acordo com Mundaca, os incêndios começaram em quatro pontos simultaneamente. “É difícil pensar que possam existir pessoas tão miseráveis e sem coração capazes de causar tanta morte e dor, mas se essas pessoas existem, as procuraremos, as encontraremos e elas terão de enfrentar o repúdio não apenas da sociedade como um todo, mas também o peso total da lei”, declarou Boric.

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