PUBLICIDADE

Antologia traz contos de terror de escritores improváveis

Virginia Woolf, João do Rio e Émile Zola estão entre os autores que exploraram o sobrenatural

PUBLICIDADE

O que teriam em comum escritores como os brasileiros João do Rio, conhecido por suas crônicas e textos jornalísticos, e Medeiros e Albuquerque, autor da letra do Hino da Proclamação da República; e os estrangeiros Émile Zola, naturalista francês, o americano Edgar Allan Poe, famoso por seus contos de horror, e a modernista inglesa Virginia Woolf? Em princípio não muita coisa, mas a antologia Contos de Assombro (Carambaia), que reúne 18 contos assinados por escritores de várias partes do mundo (Espanha, França, Uruguai, Rússia etc.), nos mostra que, em algum momento de suas carreiras, todos se renderam ao sobrenatural, ao estranho ou ao inexplicável, os quais ganham múltiplos contornos em seus textos. 

+Inspiração para 'Jurassic Park', livro de Arthur Conan Doyle se passa no Brasil

John Quidor pintou em 1858 o conto 'O Diabo e Tom Walker', de Washington Irving Foto: Smithsonian Museum of Art

PUBLICIDADE

+Arquitetura é elemento do terror na literatura de Shirley Jackson

A morte e o diabo são, contudo, os grandes protagonistas de boa parte desses contos. Vale notar que nesses textos escritos no final do século 19 e início do 20, o diabo é por vezes personificado na figura da mulher, como no conto Janet, a Troncha, do britânico Robert Louis Stevenson: “– Bruxa! Víbora! Demônio! – exclamou ele. – Eu ordeno, pelo poder de Deus, que vá embora daqui: aos mortos; aos condenados, o inferno!” Outras vezes, é representado pelo índio, como é o caso de O Diabo e Tom Walker, do americano Washington Irving: “dizia-se que ali os índios faziam feitiçarias e realizavam sacrifícios para o espírito do mal”. 

+Antônio Xerxenesky mergulha no terror em 'As Perguntas'

De fato, toda cultura estranha à nossa pode parecer ser ainda hoje assustadora, basta pensar em Donald Trump, que durante a sua campanha proferiu afirmações como esta: “Infelizmente, a esmagadora quantidade de crimes violentos nas nossas grandes cidades é cometida pelos negros e pelos hispânicos.” Essa inverdade continua a ser repetida à exaustão no seu governo. 

Mas nem só de diabo é feito o assombro; o canibalismo e a loucura também têm seu protagonismo. O escritor maranhense Humberto de Campos, no conto O Juramento, consegue um “arrepio de horror” ao descrever como os antropófagos devoraram certa dama, cabendo ao amante estarrecido o seu coração. Para Émile Zola, os selvagens, dignos de medo, são os próprios homens. Ao fugirem do zoológico e andarem pela cidade, um leão e uma hiena se deparam com cenas cotidianas capazes de aterrorizar qualquer um: passando diante da Bolsa de Valores, os bichos ouvem lamentos, súplicas e gritos furiosos, o que leva o leão a concluir que se trata de “um matadouro que deve abastecer todos os açougues do bairro”. 

Publicidade

As três mulheres que integram essa antologia veem o assombro de uma forma completamente diferente. No conto da americana Edith Wharton, o que aterroriza a protagonista são os afazeres domésticos e o marido que “nunca lia nada além de folhetins de aventura e noticiário esportivo”. Para a espanhola Emilia Pardo Bazán, cabe à mulher salvar a alma de um homem diabólico. Já para Virginia Woolf o assombro está no ordinário capaz de provocar epifanias. 

O conto de Edgar Allan Poe escolhido para compor a antologia é por si só um mistério e um assombro, pois muitos acreditam que não tenha sido escrito por ele. O texto de Guy de Maupassant, que encerra o livro, bem poderia ser seu conto mais famoso, O Horla, mas Contos de Assombro foge da obviedade ao escolher do autor um ensaio sobre contos fantásticos que é, na realidade, um elogio a essa literatura, que o avanço da ciência jamais poderia obscurecer. Afirma Maupassant: “o maravilhoso é eterno”; e prossegue: “que importância tem a ciência reveladora se possuímos a poesia criativa! Somos inventores de ideias, inventores de ídolos, fabricantes dos sonhos. Sempre levamos os homens para lugares maravilhosos, habitados por seres estranhos que a nossa imaginação inventa.”

O posfácio, assinado por Alcebíades Diniz, responsável pela escolha dos contos da antologia, começa narrando um fato tão assombroso quanto os que compõem o livro: a morte inexplicável e misteriosa de um grupo de esquiadores soviéticos em 1959. O acontecimento ficou conhecido como o Incidente do Passo Dyatlov e ainda hoje o caso permanece sem solução, comprovando que nem tudo a razão pode explicar.

Nessa antologia, ao lado de autores amplamente conhecidos, como Guy de Maupassant e Robert Louis Stevenson, há outros que, talvez, não sejam muito populares por aqui: esse é o caso, por exemplo, da já mencionada Emilia Pardo Bazán, pioneira na defesa dos direitos das mulheres, do francês Charles Nodier, que deixou uma extensa obra, e mesmo de Medeiros e Albuquerque, cujo conto que fala de loucura é um dos pontos altos do livro. A escolha dos tradutores foi cuidadosa. Integram essa lista, entre outros, Ivone Benedetti, Fábio Bonillo, Maurício Santana Dias e Maria Aparecida Barbosa, os dois últimos especialistas em Pirandello e E. T. A. Hoffmann, que constam da antologia.  *Dirce Waltrick do Amarante traduziu e organizou, entre outros, 'Finnegans Wake (Por um Fio)', de James Joyce (Iluminuras) 

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.