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Conversando com o ídolo Woody Allen

A francesa Sophie Lellouch celebra o autor na conexão Paris-Manhattan

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Embora o filme não seja bom, ou tão bom quanto mereceria ser uma homenagem a Woody Allen, Paris-Manhattan possui certo encanto que vale registrar. A atriz, diretora e roteirista Sophie Lellouch - que não tem parentesco com Claude Lelouch - faz Alice. O nome evoca um dos filmes mais secretos de Allen, que ele fez em 1990, com Mia Farrow. No Brasil, ficou sendo Simplesmente Alice, e foi uma das últimas parcerias de Allen com a atriz que foi sua companheira e musa, antes da traumática separação.A Alice de Sophie Lellouch é farmacêutica e ama Woody Allen. Receita os DVDs dos filmes dele como remédios e possui um pôster do artista, com quem conversa. O próprio Allen já criou uma situação parecida, só que o culto era a Humphrey Bogart, primeiro em sua peça, Play It Again, Sam, e, depois, no filme que dela tirou Herbert Ross (e que se chamou no Brasil Sonhos de Um Sedutor). Lembram-se? Allen fazia um crítico de cinema que se envolvia com a mulher de um amigo, reproduzindo na vida o triângulo de seu filme favorito, Casablanca, o cult romântico de Michael Curtiz. Na iminência de destruir um casamento, o crítico se aconselhava com Bogart, e o desfecho do filme de Ross reproduzia o de Curtiz.Alice é solteira e os pais - o pai - volta e meia tenta(m) lhe arranjar um pretendente. Como quem não quer nada, ela se envolve com um instalador de antenas, a quem sugere que veja um filme de Woody Allen. O movimento de aproximação de ambos não visa a reproduzir o receituário clássico das comédias de Allen. Neuroses urbanas, tudo o que você sempre quis saber sobre sexo, etc. As indecisões da dupla não diferem muito da média das comédias românticas, acrescida de certos elementos, digamos, culturais - a família judaica parisiense, em oposição à judaico-nova-iorquina. A originalidade está em que Alice vive se aconselhando com seu pôster de Woody Allen. Ela conversa com ele, e as falas do mentor são retiradas de filmes como Manhattan. Durante todo o tempo, o espectador se interroga - o próprio Woody Allen vai aparecer? Sim, ele aparece e a forma como isso ocorre não deixa de ser inusitada.Prestar uma homenagem e conseguir o envolvimento do próprio homenageado não representam pouca coisa. Sophie Lellouch conseguiu, e cria cenas divertidas. A melhor talvez seja quando reage a uma tentativa de assalto à farmácia. A cena remete a um filme do começo da carreira de Allen - Um Assaltante Bem Trapalhão, de 1969. Os críticos, claro, reclamam da banalização e se concentram nos defeitos da jovem diretora, esquecendo-se de que o próprio Allen, embora seu problema não fosse ser 'banal', fez pelo menos seis filmes antes do click de Annie Hall, Noivo Neurótico Noiva Nervosa, que marca o início do reconhecimento (e o verdadeiro início da própria carreira).Allen surgiu numa era de permissividade e contestação - os anos 1960. Sophie Lellouch é produto de outro contexto, no qual Allen, agora, é um autor consagrado, e objeto de culto da cinefilia. Ela conta com a cumplicidade do público, que deve gostar do ator e diretor tanto quanto ela. A cena fraca é, paradoxalmente, uma cena-chave. A reconciliação de Alice com a irmã. Cai no moralismo. O próprio Allen, virulento, não é bom nessa coisa de 'conciliar'.

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