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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

Zé Celso diz que vai 'até a ONU' para salvar o Oficina e o Bixiga

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JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRREIA. FOTO IARA MORSELLI/ESTADÃO  

Diretor diz que seu teatro 'não tem um tostão', que vai lutar contra projetos de Silvio Santos na região e critica 'uma certa censura' ao teatro ao vivo

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De robe vermelho por cima de outras tantas camadas de roupas, José Celso Martinez Corrêa se espreguiça em uma das cadeiras de sua sala, em um apartamento na Zona Oeste de São Paulo. Antes de começar a falar (muito), o dramaturgo de 80 anos avisa que vai fumar um baseado, mas já volta. "Eu fumo maconha há mais de 50 anos. Além do divertimento, ela permite que se tenha uma percepção maravilhosa das coisas", explica. Exato meio século após ter montado O Rei Da Vela, de Oswald de Andrade, pela primeira vez, ele agora se prepara para fazer uma nova versão do espetáculo no Teatro Oficina - com previsão de estreia para meados de outubro. "Fiz a primeira vez durante a ditadura. Agora, parece que deram esse golpe (político) pra gente remontar O Rei da Vela. É o que está no ar, infelizmente", afirma ele à repórter Marcela Paes. Para a empreitada, Zé Celso chamou até Fernanda Montenegro, que, segundo ele, não pôde aceitar o convite por já ter outros compromissos profissionais marcados.

Além do ritmo acelerado de trabalho, no momento ele se vê às voltas com a tentativa de resolução de um antigo problema: o imbróglio com o Grupo Silvio Santos. A área vizinha ao Oficina pertence ao dono do SBT, que há anos briga para construir um conjunto de edifícios no local. Segundo o dramaturgo, isso mataria a vista do janelão do teatro, projetado por Lina Bo Bardi.

Para tentar dar fim à disputa, o prefeito João Doria entrou na negociação. "Eu estava apostando no negociador. Tinha a impressão de que seria uma coisa em cima da qual ele (Doria) poderia querer capitalizar. Mas pensei, dane-se". E avisa que vai "até à ONU" para salvar o Oficina. A seguir, os melhores trechos da entrevista.

Por que remontar O Rei da Vela agora? Existe uma relação com o momento atual? Todas as peças que nós montamos depois do exílio e da ditadura são sobre outras coisas. Mas essa peça, eu montei durante a ditadura. Agora, parece que deram esse golpe (político) pra gente fazer O Rei da Vela. Com o Abelardo Primeiro e o vice, que é o Abelardo Segundo. Ele dá um golpe no primeiro e põe o povo na jaula. O Teatro do Oswald de Andrade é totalmente original. Na época em que fizemos pela primeira vez, em 1967, estávamos maravilhados com tudo. E não esperávamos aquele golpe. Agora, é o que está no ar, infelizmente. Nós estamos na jaula. Somos regidos pelos banqueiros e burocratas.

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Você chegou a estudar com o presidente Temer na Faculdade de Direito da USP. Que acha dele? Ele tinha até admiração por mim, me achava muito estranho, muito altivo. Sempre foi metido a vampiro, com aquela cara de mordomo. E um dia o Suplicy me levou pra falar com ele. O Suplicy me leva pra tudo. Ele já me levou até pra falar com o ACM. Aí, quando fui falar com o Temer ele disse: "Tinha muita admiração por você, José Celso". Sabe? Eu falei: 'porra, eu conheço esse homem'. Ele faz mesóclises maravilhosas, tem essa coisa, mas... Chega um determinado momento em que não dá. Ele não pode fazer isso. Um ser humano não pode se agarrar numa cadeira de medo de enfrentar a polícia, não pode se agarrar em pegar o dinheiro que foi pego, nem continuar com esse governo impossível que ele está tendo. Ele deve estar péssimo. Se ele renunciasse, ele ia aliviar o País e tirar um peso dele também.

Ele saindo, qual a melhor solução? Diretas já? Diretas já? Diretas Já é uma coisa que tem que vir da multidão. Por enquanto, é um desejo. Eu desejo as diretas, mas sinto que as pessoas estão muito massacradas de tanta porrada que levaram. Existe um certo desânimo. Mas desânimo tem a palavra ânimo no meio. A anima tá presente. E o melhor lugar pra se provocar é o teatro.

Como está a situação financeira do Oficina atualmente? Não tem um tostão. Só a bilheteria e o apoio das pessoas que dão coisas. A gente diz isso inclusive antes de começar o espetáculo. As pessoas dão flores e plantas, os restaurantes fazem permutas, esse tipo de coisa. Mas investimento, mesmo, não teve nenhum. A Petrobrás financiava grande parte da cultura brasileira. Mas agora, depois desse golpe, teve o golpe na Petrobrás também. A gente tentou, mas essa palavra, cultura, já desapareceu do vocabulário desses novos ditadores ladrões. E burros. E ignorantes.

Mas não existe patrocínio em nenhum momento? Sim, existe. Se não fosse o Danilo Miranda, (diretor) do Sesc, não tinha teatro em São Paulo. Ele é maravilhoso. Ele me viu uma vez num programa de televisão e se ofereceu pra patrocinar o Hamlet do Oficina. Estamos sem grana, mas ao mesmo tempo superfortes.

Esteticamente, o que você acha das produções de teatro atuais? Existe nesse momento uma certa censura oculta ao teatro ao vivo. É uma coisa que nem eles percebem. Os grandes espetáculos europeus, por exemplo. Você vê as fotos. Eles voltaram a fazer peças com aqueles figurinos e cenários grandiosos e detalhados... Atores fazendo Hamlet com cara de publicidade. Virou uma coisa de publicidade, o palco italiano. E isso acontece até mesmo nos grandes teatros.

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Diria que essa é uma tendência do teatro hoje em dia? É. Aquele teatro em que o cara vai, faz sempre daquele jeito, sempre na mesma marcação, e tenta impressionar com figurinos e cenários suntuosos, mas cafonas. Não é magnífico.

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O que o Oficina tem de diferente? O que interessa pra gente é esse diálogo. A tragicomédia. Não existe mais drama: fico com um ou com outro, vou pra Europa ou não, me suicido ou vivo? Isso a gente deixa pra novela. Eu perdi meu irmão, Luis Antônio, num Natal, assassinado por 107 facadas. (O crime foi considerado por muitos de cunho homofóbico.) Eu tenho uma dimensão do que é a tragédia. Perto disso, as outras coisas perdem a importância. Mas ao mesmo tempo é tudo muito engraçado. Eu sou um palhaço.

O que você acha do teatro do Antunes Filho, por exemplo, que é um contemporâneo seu? Eu não sinto o trabalho dele, na verdade. Eu gostava muito do Antunes quando ele fazia o teatro mais comercial, grandes peças da Broadway, como Weekend, Plantão 21. Ele era maravilhoso. Mas ele pegou um caminho e o teatro dele passou a ser um teatro em busca dessa coisa chamada cultura, entende? Eu tenho uma certa dificuldade com isso, mas tenho muita admiração pelo trabalho dele. O Antunes forma atores importantes, como aquela atriz maravilhosa, a Juliana Galdino.

As mulheres e os homossexuais hoje têm seus direitos ligeiramente mais respeitados por conta dos movimentos sociais. Como você enxerga isso? Isso é muito importante. Realmente, nesses últimos anos, o Brasil teve um processo cultural e libertário muito forte, e isso provocou essa onda contrária. Teve gente que ficou apavorada. A esquerda está com o presente, que ela tem que aproveitar, ela não pode estar num nível dessa briguinha com a direita. Mas não os 'istas'.

'Istas'? Vi uma coisa muito feia num Congresso da UNE, umas velhinhas do centro do cerrado levaram maracatu e estavam com a cara pintada de carvão. Os 'istas' de lá proibiram. As velhinhas choravam. Isso não tem nada a ver, cara.

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Como está a negociação do Oficina com o Grupo do Silvio Santos? O Grupo Silvio Santos está irredutível. Eles já tinham me oferecido R$ 5 milhões para eu sair da contenda, o que eu neguei. Era pra ser algo discutido entre os nossos arquitetos e os deles, mas aí eles impuseram um projeto horrível e a secretária de urbanismo que estava representando o Doria ficou do lado deles. Essa última reunião foi horrível, uma grosseria. Parece que virou guerra. Eu vou lutar pelo Bixiga, do qual muitos têm horror por ser um lugar de pobres. Vou até a ONU se for preciso para salvar o Oficina e o Bixiga. Faço isso pelas pessoas de lá.

O prefeito João Doria entrou nessa história de que maneira? Eu mandei uma carta pro Doria porque ele é um negociador. Como um homem de negócios, só. Escrevi: 'isso daqui tá empatado há 37 anos. Você pode desempatar'. Eu tinha a impressão de ser uma coisa em cima da qual ele poderia querer capitalizar. Mas pensei, dane-se. Agora vou falar com o Suplicy e ver o que fazer. Não tem um homem mais íntegro que ele na esquerda.

Zé, você tem 80 anos. Como se sente hoje e o que o motiva? No meu corpo está tudo vivo, mas eu tô... Eu tô pasmo. Mas, enfim, tenho que processar todos esses horrores. Nós todos, inclusive. Quando você faz teatro não é por si, você faz principalmente pro público, e o público pra mim é a humanidade inteira, sem exceção. Rico, pobre, militar, civil, índio, civilizado, tudo. E o teatro é uma coisa, é uma religação mesmo. Meu deus é muito mais Dionísio.

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