PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião|Sábado de espantos

Percebi que o Sesc 14 Bis nasceu dentro do clima que sempre impregnou o bairro da Bela Vista

PUBLICIDADE

Foto do author Ignácio de Loyola Brandão

Entramos no Sesc 14 Bis e como estávamos com a neta Antonia, que fazia cinco meses naquele dia, fomos, por intuição, e para testar o olhar, direto à exposição de fotos de Wagner Celestino, um preto, proletário, com seus retratos, festas, cotidiano e afetos. Antonia se fixava nos closes, estendendo as mãos e grunhindo arrrrrrk, ahahaaha. Decifrar a mente de um recém-nascido? Percebi que o Sesc 14 Bis nasceu dentro do clima que sempre impregnou o bairro. E envolveu Antonia do mesmo modo que ficou em mim.

PUBLICIDADE

Fui devolvido aos meus espantos. Minha ligação com a região é de raiz, desde que cheguei, em 1957. A segunda pensão em que morei foi na Rua Sílvia, 171. Descendo, eu chegava à Rua Paim e me refugiava na casa do jornalista e cineasta Fernando de Barros, a quem devo imenso. Aos sábados, ali era ponto de encontro de influencers (epa!) do cinema e teatro e da literatura, como Maria Della Costa, Odete Lara, Dália Palma, Ana Maria Nabuco, Irina Grieco, Aurélio Teixeira, Abílio Pereira de Almeida, Rubens de Falco, Araçary de Oliveira, Anselmo Duarte, Pepe Cañizares, Oswaldo Massaini, Vanja Orico – que atuara com Fellini em Mulheres e Luzes e tinha feito imenso sucesso em O Cangaceiro.

O bairro era a fervura. Lá estava o Oficina em seu início na Rua Santo Antônio. O TBC e os teatros Bela Vista, de Sérgio Cardoso e Nydia Licia, o Ruth Escobar e o Zaccaro, onde Faustão pontificava com Perdidos na Noite. Agora tem o Raul Cortez, dentro do 14 Bis, e a Cia. Elevador, na Treze de Maio.

Sesc 14 Bis, inaugurado em outubro na região central de São Paulo. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Havia os laboratórios que revelavam os filmes, onde conheci Chick Fowle, fotógrafo inglês, mestre dos mestres. No Bexiga, entrevistei Lima Barreto, que se considerava gênio (“Sou maior que Orson Welles”, me garantiu – e adorei) e dirigiu O Cangaceiro, espantoso na época. Ali tudo acontecia, tinha/tem até uma editora, a FTD. Nele viveram fotógrafos cults em publicidade e moda, como Apollo Silveira ou Fredy Kleemann, que capturou toda a história do TBC, e Paulo Namorado, que registrou a revolução na moda feita pela Rhodia.

Sem esquecer as cantinas, como a Ruperto, a Posillipo (com um cabrito perfeito), as padarias Basilicata e a São Domingos, o pão com calabresa, o Madame Satã, o Café Piu Piu, a Festa da Achiropita, a escadaria, o Treze do Samba. Foi quando percebi que passado e presente se fizeram futuro com a presença do Sesc 14 Bis, conduzido por Andrea Nogueira, devolvendo uma hegemonia que o bairro sempre teve. Fecho com uma pergunta: por que não se chamou Sesc Bexiga? Ou Saracura? Lembrando a existência de um quilombo na região, então chamada de Saracura?

Publicidade

Ontem fui ao 14 Bis, comprei Passageiro de Relâmpagos, de Hermínio Bello de Carvalho, e degustava na cafeteria, esquecido do tempo, que é o que ali ocorre, até Andrea chegar e lembrar: “O dia acabou, volte amanhã”.

Opinião por Ignácio de Loyola Brandão

É escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e autor de 'Zero' e 'Não Verás País Nenhum'

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.