Num dia, amigos do Rio convidaram-me para um restaurante perto da Lagoa Rodrigo de Freitas. Avisaram-me que a comida era boa, o público, ótimo, mas... os atendentes tinham um humor terrível. Na verdade, eram abertamente grosseiros. Respondi que estranhava ir a um lugar para ser maltratado, mas que isso ajudava a entender alguns gostos eleitorais cariocas... Bem, para ser justo, com ou sem garçons azedos, o voto masoquista é um fenômeno nacional.
Mau humor pode ser charmoso? Se for contra um desafeto, achamos perfeito. Professores costumam comentar durante o intervalo alguma resposta cortante dada a um aluno insolente. Os colegas, afligidos pelo mesmo discente, aplaudem. Claro... isso não ocorre na sua escola, só nas ruins. Suspeito que algo semelhante desponte entre os alunos no pátio. Frases amargas, mal-humoradas, irônicas: tudo faz parte da linguagem passivo-agressiva que grassa no ambiente acadêmico de todos os níveis. A resposta rápida e ácida tornou-se, agora, “lacração”. Deixou de ser apenas mau humor. Linguagem agressiva, com algum toque de graça, é vista como sinal de inteligência. A tolerância pacifista é associada à fraqueza. A raiz da palavra tolerar confirma: sofrer resignadamente.
Ruy Castro teve a excelente ideia de reunir em livros frases duras. A acidez é divertida em O Melhor do Mau Humor, O Amor de Mau Humor e O Poder de Mau Humor (Cia. das Letras). Quem lê talvez busque alguma pista para se sair bem nas discussões e enfrentamentos. É um guia rápido para existir em confrontos. As frases coletadas podem sair do gênio crítico de Nelson Rodrigues: “Quando o sujeito é uma besta e não é capaz de fazer nada, faz filhos”. Desponta a melancolia quase filosófica de Otto Lara Resende: “A morte é o clube mais aberto do mundo”. Milton Campos, passando mal durante um voo, foi indagado se “sentia falta de ar”. Respondeu que não, “sentia falta de terra”. Há clara misoginia na ideia de Oscar Wilde: “Um homem pode ser perfeitamente feliz com qualquer mulher – desde que não viva com ela”. O máximo do pessimismo cósmico está na pergunta de Aldous Huxley: “E se este mundo for o inferno de outro planeta?” Por fim, combinando todo o mundo crítico e resvalando para a vulgaridade, o Planeta Diário lasca: “A Bolsa de Valores é algo assim como uma suruba em que você entra com a bunda”.
Desconfio de que o magnetismo do mau humor seja triplo. Primeiro – indicaria certa inteligência nas respostas. Pessoas capazes de usar a retórica agressiva ou cáustica costumam ser vistas como mais brilhantes do que os “bonzinhos”. O otimismo, aliás, brilha mais nas frases das tias de idade no grupo da família, todavia ninguém parece ser muito admirador da personalidade do “copo meio cheio”.
Voltaire ironizou a positividade na obra Cândido, ou o Otimismo. Na obra, a visão rósea da personagem é um defeito diante do real. O segundo elemento magnético está no protagonismo ou até na masculinidade contida na resposta dura e azeda. Machos antigos se socavam ou lutavam com espadas. O enfrentamento era físico. Os contemporâneos se agridem com palavras. Diplomacia surge como falta de testosterona. “Não tenho sangue de barata” virou afirmação de alfa.
O mau humor contém uma aura de verdade, sem cinismo. Hipócritas douram a pílula. As pessoas que dizem o que pensam, mesmo de forma tosca (usualmente crianças, alcoolizados e idosos), causam incômodos, mas raramente são vistas como mentirosas. A “tosquice” brilha como uma forma direta de viver, sem as mentiras sociais. O ser cheio de fórmulas simpáticas parece ocultar a verdade. O azedo diz “na lata” o que pensa. Diante da reação negativa de alguns, mal-humorados costumam defender-se com a frase: “Ué, mas estou mentindo?” Isso explica até o motivo de alguns políticos grosseiros encontrarem eco com o eleitorado: após décadas de sorridentes falsos, parece que expor rudezas se torna um gesto de sinceridade. A dureza foi vista como masculina, autêntica, sem firulas, objetiva e com fator de comunicação direta. Só percebemos como, no Brasil, a linguagem é intermediada por diminutivos e volteios quando falamos com um espanhol, um alemão ou, aqui na América, com um chileno. A retórica desses (e de outros povos) não cria labirintos de elogios prévios para dizer algo “seco”. Nosso ouvido está adaptado, por exemplo, a nunca usar uma negativa direta. Usamos um “vou ver se dá”, sem nenhuma intenção de ir ao evento.
Tenho como meta manter a gentileza máxima, sem mentir. Entre o caráter rude (e sincero) e o dissimulado elegante, existe um meio-termo possível. A comunicação não fica mais “masculina” com termos diretos, apenas fica insensível e sem empatia. Exibir o mau humor revela muito sobre nós, mais do que sobre o objeto das nossas diatribes. Não preciso amar todas as pessoas, apenas é necessário respeitar. A linguagem é um dos caminhos do respeito. A delicada fronteira entre falsidade e grosseria precisa ser identificada e assinalada. Tenho esperança nas pessoas educadas, empáticas e sinceras.