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Opinião|Morreu Pereio. Viva Pereio!

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio

Morreu Paulo César Pereio, aos 83 anos. Não vou escrever mais um obituário compungido porque Pereio era corrosivo demais e riria de tanta reverência póstuma. Só digo a quem quiser conhecê-lo, que veja seus filmes. E veja este ótimo doc, homenagem em vida que recebeu de Alan Sieber e Tasso Dourado: Pereio, eu te odeio. Pereio se mandou; o mundo estava careta demais para ele. Leia abaixo. 

Em 'Os Fuzis', de Ruy Guerra, um dos clássicos do Cinema Novo  

 

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Pereio, eu te odeio é um filme que vinha sendo feito há mais de 20 anos. Chega agora às telas, como uma espécie de ovni.  Num tempo em que todas as palavras precisam ser medidas e pesadas para não causar ofensas e cancelamentos, o velho ator solta o verbo. Sem freios. Tanto ele como seus amigos, como Stepan Nercessian e Hugo Carvana, que contam as aventuras etílico-existenciais de Pereio. 

O doc, assinado por Allan Sieber e Tasso Dourado, mescla falas e depoimentos sobre o ator, com cenas dos filmes de que participou. E que filmes! Vemos Pereio em Os Fuzis, de Ruy Guerra, Terra em Transe, de Glauber Rocha, Os Inconfidentes, de Joaquim Pedro de Andrade, Iracema, uma Transa Amazônica, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, Se segura Malandro, de Hugo Carvana, Eu te Amo, de Arnaldo Jabor e outros. Cerca de 60 longas-metragens constam de sua filmografia. Aos 83 anos, Pereio vive no Retiro dos Artistas. 

O filme é muito bem pesquisado e montado. Ressalta a importância do ator no moderno cinema brasileiro, mas não esconde sua faceta, digamos assim, politicamente incorreta, em falta de melhor expressão para substituir esse jargão surrado. Hoje Pereio seria execrado e cancelado. Talvez não houvesse mais lugar para ele, a não ser que se regenerasse e aderisse ao "letramento" conveniente do tempo. O que é pouco provável, para dizer o mínimo.

Em todo caso, Pereio emprestou corpo e voz para algumas das mais importantes obras cinematográficas das últimas décadas. Nota-se a preocupação dos diretores em salvar essa herança do naufrágio que seria julgar uma vida artística por seus destemperos verbais. Ao mesmo tempo, não pretendem edulcorar o personagem e menos ainda apresentar uma contrafação aceitável pelas exigências morais contemporâneas. Seria como traçar um perfil de Bukovski bebendo água mineral e compondo versos líricos. 

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Como nem tudo é linear ou binário, pode-se muito bem execrar o personagem desbocado e admirar o ator de obras tão significativas. Daí o título do filme, porque alguns dos depoimentos dos mais próximos a ele parecem mostrar que, no fundo, Pereio é amado. Mesmo quando odiado. 

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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