Masp revê história do Brasil em 400 obras

Exposição que o museu abre amanhã, 26, reúne 250 artistas, do holandês Frans Post ao indígena Jaider Esbell

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Por Antonio Gonçalves Filho
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O bicentenário da Independência será lembrado no Masp de uma forma não convencional. As bandeiras expostas no museu trazem palavras de ordem de povos indígenas e afrodescendentes. Os corredores “palacianos” do subsolo não ostentam retratos do colonizador branco, mas de descendentes de escravizados e indígenas. As roupas expostas no primeiro andar não são de veludo, como na histórica tela de Pedro Américo que retrata o grito de d. Pedro I, mas indumentárias tropicalistas desenhadas por Jaime Lauriano e João Pimenta Filho.

A megaexposição Histórias Brasileiras, montada em dois andares do museu (o primeiro andar e o segundo subsolo), que será aberta nesta sexta, 26, reúne aproximadamente 400 objetos de arte (24 inéditos) de 250 artistas e coletivos. Entre telas, desenhos, fotos, esculturas e peças de várias épocas estão quadros do holandês Frans Post (1612-1680), pinturas de artistas indígenas como Jaider Esbell (1979-2021) e obras dos modernistas (Tarsila, Anita Malfatti, Di Cavalcanti). Prepare-se para uma maratona: são duas horas para ver toda a mostra (com entrada gratuita às terças e quintas).

O curador da exposição 'Histórias Brasileiras', Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

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Essa “contranarrativa” das histórias brasileiras, como define a mostra o diretor artístico do Masp, Adriano Pedrosa, está sendo preparada há seis anos, desde que a instituição realizou a primeira exposição da série, Histórias da Infância, em 2016. Vieram depois as histórias da sexualidade (2017), da cultura afro-atlântica (2018), das mulheres (2019) e da dança (2020), esta última suspensa por causa da pandemia, mas transformada em livro.

Nesses seis anos, muitos artistas indígenas e afrodescendentes passaram pelo Masp, doando obras por eles expostas (a média variou de 60 a 80 por ano, segundo o diretor artístico do museu). Para Histórias Brasileiras, que tem direção curatorial de Adriano Pedrosa e Lilia Moritz Schwarcz, curadora convidada, muitas obras foram comissionadas, entre elas os retratos do citado “corredor palaciano” do segundo subsolo.

Bandeira do Brasil é reinterpretada por Antonio Henrique Amaral e outros artistas Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Lá, estão pinturas verticais que reproduzem em tamanho natural autorretratos de artistas emergentes que remetem às dimensões das telas gigantescas do acervo do Masp (Velázquez, Rubens, Ticiano). Mas, se vale uma sugestão, é melhor iniciar a maratona pelo primeiro andar. São oito núcleos temáticos. O primeiro deles, Bandeiras e Mapas, com curadoria de Lilia Schwarcz e Tomás Toledo, trabalha com liberdade os emblemas pátrios para mostrar como as novas gerações interpretam a Independência que, segundo os artistas, foi proclamada de forma clandestina antes mesmo do grito do imperador no Ipiranga. A Bandeira Afro-brasileira (2022), do artista Bruno Baptistelli, paulistano de 37 anos, subverte a cores da flâmula original e transforma-a numa bandeira afro-brasileira, usando o preto e o vermelho em oposição às cores da casa imperial.

No mesmo andar, o curador Guilherme Giufrida aponta outra subversão, desta vez cometida pelos estrangeiros. No núcleo dedicado à paisagem, gênero europeu do século 18, pintores como Frans Post converteram os trópicos numa filial dos países Baixos. A “contranarrativa” coube ao artista indígena Denilson Baniwa, do Amazonas, que pintou a silhueta de um indígena morto sobre o solo da floresta amazônica.

Essa crítica à devastação promovida por invasores dos territórios indígenas é abordada por vários artistas na mostra. Exemplos contundentes podem ser vistos no primeiro andar do museu: as disputas por território desde a invasão portuguesa no século 16 não são comentadas apenas por contemporâneos brasileiros como a pintora Adriana Varejão, mas por americanos como o artista negro Hank Willis Thomas, de New Jersey, que une o mapa da América do Norte ao da África.

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Nesse núcleo se destacam as pinturas da artista indígena Carmezia Emiliano, que explora mitos cosmogônicos em suas telas, além de Nildilene Diniz da Silva, ou Dona Pichuita, como é conhecida no quilombo de Mamuna. Levados para o território de Alcântara, Maranhão, durante o período colonial e lá abandonados, os quilombolas daquele território mostram por meio da arte as formas de resistência contra o genocídio cultural praticado contra os afrodescendentes.

'Lute', obra de 1967 do artista carioca Rubens Gerchman, conclama opositores da ditadura Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

No segundo subsolo, chama a atenção o núcleo com curadoria de André Mesquita e Lilia Schwarcz sobre os movimentos sociais de oposição desde 1964 aos dias de hoje. Nele há obras históricas de caráter político, como a instalação Lute, de Gerchman e telas de Claudio Tozzi (ambas dos anos 1960), retratando a contestação no período da ditadura, e até uma rara pintura de Guignard em homenagem ao mártir inconfidente Tiradentes.

A sala Retratos traz obras de pintores acadêmicos (como Benedito José Tobias) e a nova visão do gênero por artistas jovens como O Bastardo e Pegge (nascido em 1997), além do curador e pintor Tiago Sant’Ana, que usa a linguagem realista para parodiar o narcísico full-length selfie ao eleger um negro de terno rosa como modelo. E, para quem aprecia arte religiosa, há uma sala com esculturas de Aleijadinho e pinturas de Rubem Valentim. Enfim, uma mostra histórica (em mais de um sentido).