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Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião|Pra que partidos?

Este mundo dominado pela IA será menos estúpido do que qualquer judeu, árabe, ianque, bretão, gaulês, germano, romano e latino-americano

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Foto do author Roberto DaMatta

O brasilianista Dick Moneygrand me fez essa pergunta, que considerei ingênua vinda de um “cientista político” – um desses especialistas cujas previsões se realizam tanto – sejamos generosos – quanto as dos astrólogos.

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Melindrado, respondi com a cartilha: ora, os partidos ordenam as aspirações políticas da população, agrupando tendências para efeitos eleitorais...

“No momento”, provocou o sempre chato brasilianista, “eles são 32!”.

“Você não acha que é muito ditador para poucos alienados? Sobretudo quando sabemos que o campo político brasileiro está polarizado, o que exigiria somente dois partidos?”

Mas, ponderou Pedro Pardal, estudante amador do sistema de poder à brasileira, “nosso problema é que as ideologias são incorporadas em ‘pessoas’ – em figuras que delas se apossam e as usam como receitas num vergonhoso ‘populismo’”.

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Câmara dos Deputados, no Congresso Nacional, em Brasília Foto: Wilton Junior/Estadão

Esse disfarce que transforma picaretas corruptos em salvadores e “pais” da “massa” que eles prometem transformar em “povo” a ser atendido, educado e controlado pelo “Estado” que comandam!

Concordei. De fato, parece que sistemas patrimonialistas como os do Brasil e da América Latina sintetizam num “salvador” a dominação carismática, a tradicional e a burocrática-racional, além de todos os nefastos privilégios “liberais” de morar em palácio, ter criadagem, vários automóveis, avião, todas as despesas pagas pelo erário e mais o salário com todos os benefícios.

Eles são os antiliberais que mais desfrutam do liberalismo...

Curioso que ninguém, tirando o professor Paulo Kramer, tenha atentado que, se Max Weber percebeu os sistemas de dominação marcados por personalidade, família e divindade como mais elementares e viu o racional-burocrático como o final (a tal jaula de ferro de uma impessoalidade que hoje surge nos neofascismos e no “digitalismo” da IA), na nossa América Latina eles se infestam mutuamente.

Pois, mais do que em qualquer outro lugar, se tornam “pardos”.

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Assim, Vargas, Perón, Fidel, Chávez, Maduro e Fujimori incorporaram em suas figuras o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, substituindo suas bases por laços de família, simpatia e amizade

Daí nasceram, matizados e aviltados, os partidos políticos.

Penso que este mundo dominado pela IA será menos estúpido do que qualquer judeu, árabe, ianque, bretão, gaulês, germano, romano e latino-americano.

Pois, finalmente, teremos a jaula de ferro dos que tanto odeiam a liberdade e a Justiça com tanta meiguice.

Opinião por Roberto DaMatta

É antropólogo social, escritor e autor de 'Fila e Democracia'

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