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Coluna quinzenal do jornalista e escritor Sérgio Augusto sobre literatura

Opinião|Coração de chuteiras

O Vasco tinha o melhor time do País e seria a base da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1950. Ainda assim, destemidamente, ‘virei a casaca’ por amizade a um colega de jardim de infância que torcia pelo Botafogo

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Atualização:

Um leitor me cobra a ausência de clubes paulistas naquela lista de torcedores hipotéticos elaborada pelo poeta e cronista Paulo Mendes Campos e aludida por mim na coluna passada. A resposta adequada seria “cobre do cronista”, mas ele não está mais disponível para saciar nossa curiosidade.

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Pressuponho que, pela lógica especulativa de PMC, Dostoievski e Balzac até poderiam torcer pelo Corinthians, mas o poeta mineiro vivia no Rio e seus parâmetros, assim como os leitores de suas crônicas, eram, predominantemente, cariocas.

Minha dentista desconfiava que eu fosse flamenguista. Com base em que, não disse, talvez inibida por minha cara de espanto. Por um triz não virei Fluminense, já que passei a infância cercado de tricolores, mas, por inércia e vergonha, me conformei com torcer pelo clube de meu pai português, que, fiel às origens, era vascaíno.

Torcer pelo grêmio da cruz de malta era uma garantia de tranquilidade, naquela época. O Vasco tinha o melhor time do País e seria a base da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1950. Ainda assim, destemidamente, “virei a casaca” por amizade a um colega de jardim de infância que torcia pelo Botafogo.

Foto de jogo da seleção brasileira contra o Uruguai no quadrangular final da Copa de 1950 Foto: Acervo/Estadão

Foi uma escolha para o resto da vida, de resto, sacramentada poucos meses depois, quando o alvinegro, após enfileirar quatro vice-campeonatos seguidos, afinal conquistou o torneio carioca de 1948, derrotando justamente o Vasco na partida final.

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Meu pai não apenas relevou a “traição” como ressarciu meus seis anos de fidelidade cruzmaltina se tornando ele próprio botafoguense na década de 1960.

O humorista Sérgio Porto, único tricolor de uma família de botafoguenses, desdenhava do torcedor alvinegro como alguém “sem coragem de ser flamenguista, nem classe para ser Fluminense”. Na verdade, torcer por um time de massa, como o Flamengo, a meu ver, não evidencia propriamente coragem, mas comodismo e falta de imaginação.

Não vejo muita diferença entre torcer por clubes de massa e só ler best-sellers, por exemplo, ou só ir ao cinema assistir a blockbusters ou só curtir funk e sertanejo. Um genuíno botafoguense despreza até os clubes com torcidas gigantescas de outros Estados e países.

Sua falta de sintonia com os preferidos das multidões é fruto de uma necessidade orgânica de ir contra a corrente, de repelir o gregarismo, um rebelde que surgiu como um repto juvenil ao estabelecido, aburguesado e adulto Fluminense, seu mais antigo rival.

Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues e grande comentarista esportivo, definiu o Botafogo como “o único clube que nasceu rapaz” e o botafoguense como “um romântico mosqueteiro”, sempre pronto a “desembainhar sua espada”. Como não se identificar com uma gente assim?

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Opinião por Sérgio Augusto

É jornalista, escritor e autor de 'Esse Mundo é um Pandeiro', entre outros

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