Delfim Netto, falecido na madrugada da última segunda-feira, foi um dos três gigantes da política econômica da segunda metade do século passado. Os outros dois foram Mário Henrique Simonsen e Roberto Campos.
Delfim foi grande conhecedor da teoria econômica. Nada lhe escapava. Devorava livros, papers, teses defendidas em bancas remotas. Do que não vinha impresso, providenciava cópia, imprimia, mandava encadernar e acolhia à biblioteca.
Não dá para enquadrá-lo em quaisquer das grandes escolas econômicas. Aproveitava o que podia do keynesianismo, do monetarismo de Milton Friedman, do liberalismo clássico de Friedrich von Hayek e, até mesmo, do socialismo utópico da Escola Fabiana. Era um pragmático.
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No exercício da política econômica, enquanto poderoso ministro dos governos militares, foi maquiavélico e, a partir daí, polêmico. Quando podia, intervinha nos mercados. Controlou os preços pelos custos; derrubou a inflação com importação do que faltava no momento, como no caso do feijão-preto, encomendado do México; lançou a indústria às exportações. E foi assim que empurrou a atividade econômica em direção ao chamado milagre econômico brasileiro, entre 1969 e 1973, quando o PIB avançava a 11% ao ano.
O presidente Geisel não gostava dele e o “exilou” como embaixador na França. Lá, deve ter sido influenciado por Edith Piaf: repetia que não se arrependia de nada (“je ne regrette rien”), porque entendia que as maldades foram cometidas para o bem. Não se arrependeu de ter assinado o AI-5, auge da ditadura, porque podia tomar decisões sem dar satisfação aos políticos, como déspota esclarecido.
Debatia com qualquer adversário. A cada 1º de maio, seu aniversário, recebia empresários, amigos e economistas, em uma espécie de cerimônia de beija-mão, como a que dom João VI promovia na Corte.

Quando o então presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, argumentou que a dívida externa estava paga porque o total dos juros ultrapassava o principal, explicou que os juros eram o aluguel do empréstimo: “Por acaso o inquilino pode ficar com a casa porque ao longo do tempo a soma dos aluguéis ultrapassou o valor do imóvel?”, perguntou. Ulysses entendeu e se calou.
De prosa fácil e bem-humorada, brincava com críticos e jornalistas. Um dia recebeu em Paris o ex-ministro Roberto Campos, então embaixador em Londres. Aos jornalistas ávidos por saber do que tratavam, disse que estavam combinando as mentiras que diriam depois. E riu.
A cada 15 dias recebia, um por um, os principais jornalistas da área econômica, no seu escritório de São Paulo, no edifício da Receita Federal. Passava informações e, mais do que isso, ensinava, rabiscando em papéis que depois picava com as mãos em pedaços miúdos. Nunca se queixou de matéria imprecisa ou que distorcia informações.
Não haverá no Brasil outro Delfim Netto.