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Pacote de crédito faz Lula entrar numa faixa em que ele não está acostumado, diz Márcio França

Ministro do Empreendedorismo afirma que pacote para pequenos negócios faz Lula entrar em público onde petista não tinha espaço

Foto do author Mariana Carneiro
Atualização:
Foto: Marcelo Chello/Estadão
Entrevista comMárcio Françaministro do Empreendedorismo

BRASÍLIA – O ministro do Empreendedorismo, Márcio França, afirma que o pacote de crédito para microempresários, anunciado nesta segunda-feira, 23, vai atender a um “miolo” de empreendedores de classe média baixa que não se identificam com o governo Lula mas que são pragmáticos.

“Ele é um sujeito que não é que ele seja contra o Lula, mas ele é antipático a esse negócio de bolsa, Bolsa Família, bolsa não sei do quê. É o cara que pensa: ‘pra mim só mandam o boleto pra pagar’. Então, quando você dá uma atenção especial, ele vai falar pela primeira vez alguém pensou na gente”, disse França em entrevista ao Estadão.

Lula assinou nesta segunda-feira, 23, uma medida provisória criando duas novas linhas de crédito. Uma voltada para o público do Cadastro Único dos programas sociais do governo, chamada de Acredita no primeiro passo. Outra, voltada para os MEIs (microempreendedores individuais) e microempresários com faturamento de até R$ 360 mil por ano, a Procred 360.

O mesmo texto criou a versão do Desenrola para pessoas jurídicas que aderiram ao Pronampe (programa voltado para pequenas empresas lançado na pandemia), além de duas iniciativas do Ministério da Fazenda para turbinar o crédito habitacional e o investimento estrangeiro em projetos verdes.

França afirma que pesquisas conduzidas pelo Planalto indicam que a classe média baixa vê o governo Lula muito focado no público do Cadastro Único e sem projetos para outras faixas de renda.

O presidente, disse França, mandou expandir o leque. Disso nasceu o programa Pé-de-Meia, para jovens do ensino médio, e as novas linhas para empreendedores. França vai além e acredita que motoristas e entregadores de aplicativos, um público arredio ao governo, também possam se aproximar. “O empréstimo mais barato atrai o cara para formalidade”, afirma.

O candidato à Prefeitura de São Paulo Márcio França (PSB) durante debate do Estadão na FAAP. Foto: Werther Santana/Estadão

A seguir, os principais trechos da entrevista.

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As linhas de crédito lançadas pelo governo têm como alvo um público que não é lulista? Qual sua avaliação disso?

É um público que, podemos dizer, é refratário, mas com uma diferença: não é um público ideológico. Não é bolsonarista raiz, nem religioso. É pragmatismo puro, ou seja, se o negócio vai bem, ele é a favor do governo. Se vai mal, ele é contra o governo. Então, esse é um cara que, às vezes, é confundido, porque tem gente que chama de empresário, mas são pessoas simples. Um dono de um pequeno bar, de um restaurante, que fatura R$ 20 mil por mês. Ele fica com R$ 3 mil, R$ 2 mil para ele. Ele é bem apertadinho.

Acredita que isso pode ajudar a popularidade do Lula?

Entra numa faixa em que o Lula não está acostumado a entrar. É um público que o grosso dele, pelo menos do ponto de vista do MEI, é bem mais forte no Sul e Sudeste (regiões onde o bolsonarismo teve resultados mais favoráveis na eleição de 2022). Ele é um sujeito que não é que ele seja contra o Lula, mas ele é antipático a esse negócio de bolsa, Bolsa Família, bolsa não sei do quê. O cara pensa: ‘pra mim só mandam o boleto pra pagar’. Então, quando você dá uma atenção especial, ele vai falar: ‘pela primeira vez alguém pensou na gente’… Eu percebo que é um público ávido por atenção.

Qual das linhas anunciadas hoje tem mais impacto na economia?

O Desenrola. As pessoas jurídicas que estão enroladas não conseguem se mexer, ficam dependendo de agiota, de cartão de crédito. Então, o Desenrola vai promover um alvoroço, porque ele é imediato, já está valendo a partir de amanhã (hoje). Segundo, ele tem uma rede de informação muito grande, porque os principais divulgadores vão ser os contadores, os contabilistas. Dificilmente tem um pequeno negócio, um pequeno comércio sem um contabilista. Então, eu acho que vai ter impacto mais rápido. E no ato seguinte, eu acho que o empréstimo para esse grupo de pessoas que é MEI e o micro, o Procred 360, que vai atender a um público que normalmente não consegue crédito, porque quando ele chega no banco, o banco já emprestou para um cara maior. Então, esse é um público que nunca pegava dinheiro. São 15 milhões de MEIs e 4 milhões de microempresários. Imagina entregadores trocando de moto ou de carro porque viraram MEIs? A diferença é muito grande no empréstimo. No banco comum, você vai pegar dinheiro a 20%, 25% ao ano contra 14% ao ano (do Procred 360). Nisso também está embutido a tentativa da gente de formalizar uma multidão de gente que não vê nenhuma vantagem em se formalizar. O empréstimo mais barato atrai o cara para formalidade.

Isso pode ajudar a melhorar a imagem do governo com trabalhadores de aplicativos, insatisfeitos com a proposta de formalização apresentada pelo governo?

Aquela tentativa foi só para motoristas, não para motoqueiros. O iFood sozinho tem 750 mil motoqueiros. O iFood adora a ideia de transformar todo mundo em MEI. No Mercado Livre, todo mundo já é MEI. É uma saída bem honrosa. No conceito trabalhista, o MEI é diferente, porque não é um cara com registro, FGTS, carteira, mas ele é regularizado. Se ele cair, ele tem a proteção do seguro. Conseguimos pelo menos identificá-lo para poder ajudá-lo, para poder treiná-lo, para poder melhorar a vida dele. Na informalidade, a gente não consegue, porque é como se ele não existisse.

E o sr. acha que os bancos privados vão operar essas linhas ou vai ficar na mão do Banco do Brasil e da Caixa?

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Claro que não é uma taxa sensacional, mas por outro lado é um volume muito grande. No ano passado, os bancos privados tiveram problemas graves, porque eles estão cada vez mais fechando agências e tentando trabalhar só com a elite. Eles estão sendo engolidos pelas cooperativas, que estão abrindo agência atrás da agência. Embora não seja o ideal você trabalhar com multidões e pouco lucro, às vezes não tem público suficiente. Gente rica não precisa de empréstimo; então, quando a gente coloca esse fundo garantidor, o FGO, fica mais fácil para eles emprestarem, porque o risco deles diminui muito. Dá mais trabalho, mas eu acho que eles vão entrar, porque esse sujeito que é pequeno empresário, ele também é um grande empregador. O cara da oficina tem sete funcionários, doze. O banco tem interesse que ele se vincule para colocar os funcionários na folha, mexer com a folha do empregado. Eu conversei com a Febraban e eles disseram que nessa faixa, no Procred, eles entrariam.

Mas a inadimplência nessa faixa também não é mais alta? Os bancos falam disso com o governo?

Falam, geralmente os menores têm mais inadimplência. Porque isso eles querem sempre o FGO, né? Se for para emprestar só por conta deles, eles não querem. Porque também ele toma esse dinheiro de alguém, ele tem que pegar o dinheiro no mercado, então eles também não fazem milagre. Mas com o FGO é mais fácil. De qualquer maneira, tendo Caixa e Banco do Brasil, você tem garantida a operação. Agora, existe uma regra que os bancos privados ou públicos têm que reservar 2% dos depósitos à vista para emprestar para pequenos e Simples. O FGO cobre também esse buraco.

Então eles poderão preencher esses 2% com essas linhas com garantia do Tesouro?

Os 2% eles têm que obrigatoriamente emprestar. Então, ele fica cutucando e oferecendo coisas para quem já é cliente. Agora, é evidente que tudo tem a ver com a economia. De uma maneira geral, eu sinto que há uma retenção. Se houver dinheiro e se ele for farto, não vai faltar gente querendo pegar empréstimo para crescer. O problema é que essas pessoas não têm garantia. Grosso do modo, tem 30% da população que todos os bancos querem emprestar mas os caras não querem tomar porque não precisam, 30% não adianta você emprestar porque não vai pagar de jeito nenhum, então nós estamos falando desses 40% do meio, que têm vontade de tomar emprestado porque gostariam de ampliar o seu negócio.

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A MP ficou mais ampla do que apenas crédito, entrou até uma ampliação do programa ‘Pé-de-Meia’, hedge cambial.

Acho que a lógica do ministro Rui (Costa, da Casa Civil) é que tudo depois tem que se transformar em projeto de lei. Então, junta tudo agora mas eu tenho a impressão de que tem muito parlamentar envolvido com esse assunto de MEI, de empreendedorismo. Então, eu tenho a impressão de que pode haver uma pressão para nomear um relator dessa parte da MP porque, neste caso, um relator acaba tendo muito impacto de reconhecimento. Vai haver uma pressão gigante de todo comerciante do Brasil, CDL, associação comercial para que o Desenrola seja aprovado.

O governo fala de um Desenrola PJ desde o início do ano. Por que demorou para sair?

Sempre que se envolve Cadúnico chama a atenção. É o que o próprio (Paulo) Pimenta (ministro-chefe da Secretaria de Comunicações da Presidência) percebeu ,na análise dele, uma crítica que o governo sofre. Que fica parecendo que a gente fica lidando só com o público do Cadúnico e não com as outras faixas econômicas do País. Então, por exemplo, uma mulher recebe R$ 1,4 mil no Bolsa Família. Tem ambulante que vende coxinha que não fica muito longe dessa receita; a renda é nessa faixa. Os entregadores de bicicleta faturam mais ou menos isso; os de moto, um pouco mais. É tudo muito apertado na parte mais baixa da pirâmide. A diferença de um cara que é do Cadúnico e um cara que não é às vezes é de R$ 300. O Lula mesmo tem reclamado atenção. Como aconteceu com o Pé-de-Meia, que numa sala de aula com 30 alunos, o filho da moça do Bolsa Família vai receber R$ 200, e o do lado que é filho de pedreiro não vai receber. Houve também a entrada do Sebrae, que não é governo em si, e o Décio (Lima, presidente do Sebrae) quis embutir o Sebrae no programa. São vários temas diferentes. Os dois últimos (crédito habitacional e seguro cambial) são mais vinculados ao Haddad (ministro da Fazenda). A ideia é que (a MP) atende desde o pequenininho até o grandão. Mas o grosso está nesse assunto, 95% dos CNPJs do País é MEI e Simples. Os grandes agricultores e empresários têm sua corrida própria, têm a sua bancada parlamentar. O pequeno também está de alguma forma atendido nas bolsas do governo. Então, esse miolo é o desafio do Lula: a classe média, um profissional liberal que ganha R$ 5 mil, R$ 6 mil por mês.

Como atendê-los?

Vamos começar um programa, em convênio com o Sebrae, que é bem legal. O Sebrae tem condições e está bem avançado em conversar pelo WhatsApp com os MEIs. Isso dá rapidez para falar: “atenção, tem um programa novo aqui, vá no endereço tal”.

E já existe esse cadastro?

Eu já tenho o cadastro desse público. Vamos usar esse canal não só para divulgar, mas para qualificar, orientar as pessoas. O Sebrae está bem evoluído nisso, com a Jornada MEI, com 270 mil mensagens e com índice de satisfação muito alto. Eles querem ampliar. Até então não existia ministério nesse assunto, então isso ficava lá na no terceiro escalão do Ministério da Indústria e Comércio. Na medida em que você cria um ministério, dá para você fazer uma política mais incisiva. O Lula tinha pedido para a gente se comunicar com essas pessoas, para a gente identificar essas pessoas. Elas não têm uma identificação, um cartão que diga que são MEIs. Quando as pessoas falam que são MEI é algo dito com orgulho, sabe? Eu sou um empreendedor.

O que diz a pesquisa do governo sobre os empreendedores?

Faz uns três meses que o governo mostrou uma pesquisa mostrando quais são os núcleos duros de resistência. Tem os que a gente já imagina, agro, evangélico, neopentecostal, militar. Mas esse público do empreendedorismo passou despercebido, não se tinha uma noção de que era um público avesso ao governo. Mas minha avaliação é que essas pessoas não são contra o Lula ou contra o atual governo. Elas são contra qualquer governo, porque elas entendem o governo como o lugar que manda para elas os carnês para ela pagar.

Havia o temor de que o FGO não fosse suficiente e a MP está reservando R$ 7,5 bi do fundo neste ano. Está sobrando recursos do FGO?

Aconteceu um fato inusitado. Havia esse temor, mas a surpresa é que a imensa multidão do Desenrola PF pagou à vista, não usou o FGO. Então devolveu o dinheiro inteiro, e com essa devolução nós estamos fazendo esses programas. E tem que lembrar que isso não mexe com o orçamento federal, com o arcabouço. É um fundo separado. Além disso, tem R$ 50 bi do FGO emprestados ao Pronampe por aí. Na medida em que as pessoas vão quitando, vai entrando mais dinheiro para novos empréstimos. Nessa MP também consta isso, que o dinheiro que for arrecadado com os pagamentos vai servir para novos empréstimos para esse público.

E quanto será possível alavancar em empréstimos?

Quando você coloca R$ 7 bi (em garantias) é possível alavancar R$ 25 bi, R$ 30 bi (em empréstimos). Você vai mexer com um público que tem alta capacidade de girar esse dinheiro. Uma padaria que fatura R$ 100 mil, o cara troca o freezer, bota duas televisões, ele gira na economia.

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