Orçamentos inchados, gastos públicos recordes, déficits em expansão e crescente necessidade de financiamento do governo no mercado – e com juros salgados – não servem mais para descrever apenas o Brasil no pós-pandemia de covid: a realidade eleitoral e geopolítica está empurrando os países desenvolvidos para uma situação fiscal sem volta ao que existia antes da calamidade mundial de saúde e também dos impactos da guerra na Ucrânia.
Uma estimativa recente da agência de classificação de risco S&P Global aponta para um volume global de financiamento de longo prazo, por meio de emissões soberanas de títulos de dívida, de US$ 11,5 trilhões em 2024, num aumento de mais de 50% em comparação com os níveis pré-pandemia.
A S&P Global avalia que isso será resultado de um crescimento mais fraco do PIB de diversos países, do “pesado” calendário de eleições mundo afora neste ano, de juros mais altos e também da necessidade de aumento de gastos com defesa diante de riscos geopolíticos exacerbados. Somente os Estados Unidos serão responsáveis por 39% do total global das emissões soberanas de longo prazo em 2024.
Em março, o presidente americano Joe Biden divulgou uma proposta de orçamento para 2025 de US$ 7,3 trilhões, o que, na improvável aprovação pelo Congresso, elevaria a dívida pública para mais de 100% do PIB. Em 2019, os gastos do governo americano foram de US$ 4,4 trilhões. Ao fim de 2020, esses gastos subiram para US$ 6,6 trilhões, diante da necessidade de elevar os desembolsos sociais, como o seguro-desemprego, e os de saúde. A pandemia passou. O auge do impacto nos preços de energia e de alimentos com a guerra na Ucrânia, também. Mas o nível de gasto público nos EUA, não. Em 2023, esse número foi de US$ 6,1 trilhões.
Na Europa, a situação é semelhante, embora o impacto na disparada dos preços de gás natural e de outros combustíveis tenha exigido mais subsídios e transferência de renda. No Reino Unido, o gasto do governo passou de 39,6% do PIB, no ano fiscal de 2019/2020, para 53,1% do PIB em 2020/2021. Em 2022/2023, recuou apenas para 45,1% do PIB. Na Itália, o déficit público subiu de 1,6% do PIB, em 2019, para 9,7% em 2020, mas em 2023 ainda estava em 7,2%.
É difícil esperar que líderes políticos mundiais queiram arriscar a ira do eleitorado voltando atrás nos programas sociais adotados nos últimos anos. Com o dólar por trás, os EUA podem até se dar ao luxo de abrir os cofres. Mas países sem histórico de controle fiscal podem ser punidos pelos investidores se não tentarem voltar aos trilhos.