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Quanto custa morar no centro de São Paulo? Projetos de retrofit tentam fomentar mercado imobiliário

Preços de imóveis na região crescem em menor ritmo e são mais baixos do que a média da cidade; veja levantamento e conheça os esforços de requalificação de prédios comerciais

Foto do author Lucas Agrela
Por Lucas Agrela

Morar no coração de São Paulo pode ser um sonho para quem deseja ter fácil acesso ao transporte público e se deslocar rapidamente para os principais bairros da capital paulista. No entanto, a falta de prédios novos e a escassez de terrenos para construí-los leva o setor imobiliário e o poder público a apostarem na requalificação de prédios corporativos antigos, num processo conhecido como retrofit.

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A cidade tem projetos, com isenções fiscais, para atrair o setor imobiliário para a região, numa aposta para trazer moradores para o centro, especialmente no bairro Vila Buarque, localizado no triângulo formado pelas estações de metrô Santa Cecília e República e pelo Sesc Consolação.

Guil Blanche, presidente e fundador da Planta.Inc, empresa especializada em retrofit, afirma que a atuação da empresa está concentrada na região. Considerando toda a atuação da companhia na capital paulista, são oito projetos de retrofit, dos quais quatro já foram entregues, como é o caso do Edifício Renata Sampaio Ferreira. Os 13 pavimentos foram adaptados para receber 93 apartamentos, oferecidos para locação, com preço na faixa dos R$ 9 mil mensais.

“Há uma massa de prédios no centro expandido de SP construídos antes dos anos 1990, entre 1950 e 1970, que estão desatualizados para o uso. Não se adaptam mais ao modelo contemporâneo de trabalho. Muitos deles estão vazios, subutilizados”, afirma o executivo.

Blanche conta que o retrofit é uma solução que pode ser mais viável comercialmente do que a demolição para posterior construção de prédios mais modernos. “A conta é sempre caso a caso. Do ponto de vista econômico, muitas vezes é mais viável fazer a conversão. Ao demolir, não seria possível atingir o mesmo potencial construtivo do passado. Não tem só a questão da altura, mas também o recuo. Do ponto de vista ambiental, o retrofit emite 70% a menos de gás carbônico”, diz.

A ideia por trás da iniciativa de alugar em vez de vender os apartamentos do edifício é atrair turistas que queiram ter uma experiência de vida na cidade e pessoas que precisam morar na capital por até 90 dias.

O Edificio Renata Sampaio, na Rua Araujo, 216, passou por retrofit e se transformou em prédio residencial para locação Foto: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo

“Nós alugamos os apartamentos por temporada. São 30 dias ou mais, em geral. Em períodos específicos, como o carnaval, liberamos uma locação de menor prazo. A ideia é começar a trazer vida para o centro. Quanto mais gente morando no local, mais segurança teremos”, diz Leonardo Morgatto, presidente da Tabas, empresa que aluga os apartamentos de edifícios que passaram por retrofit no centro de São Paulo e responsável pelo edifício Renata. “A Vila Buarque foi a região que começou a ter mais segurança no centro. Agora, precisamos levar esse mesmo nível de desenvolvimento para o restante da região.”

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De acordo com a Casa Civil da Prefeitura de São Paulo, mais de 30 projetos de retrofit foram apresentados e 14 já foram aprovados com incentivos, como isenção de taxas municipais e redução do ISS nos custos de engenharia. Além disso, seis projetos estão em análise na primeira fase do programa Requalifica Centro, que concederá até 25% do valor das obras de requalificação de prédios na região.

No decreto assinado em outubro do ano passado pelo prefeito Ricardo Nunes, o poder público municipal concede a subvenção de R$ 1 bilhão para o programa. O objetivo da injeção de recursos é atrair empreendedores do setor imobiliário para investir no centro.

O secretário da Casa Civil na Prefeitura de São Paulo, Fabrício Cobra, diz que a cidade tem ampliado os esforços para aumentar a segurança pública na região central, tanto com o aumento do efetivo da Guarda Civil Metropolitana quanto com câmeras de monitoramento. Cobra diz ainda que os esforços das últimas gestões públicas reduziram de 4 mil para 1 mil o número de usuários de drogas na Cracolândia.

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Um dos principais argumentos dos empresários ligados aos esforços de retrofit e construção de prédios no centro da capital paulista é a facilidade de acesso ao transporte público. A região tem diversas estações de metrô e linhas de ônibus, mas isso ainda não tem sido o suficiente para atrair moradores.

Segundo dados da DataZap, o preço médio de compra e venda de imóveis nos bairros que compõem o centro de São Paulo cresceu em ritmo menor do que a média da cidade. Dados de janeiro de 2020 a janeiro de 2024 mostram que o preço médio do metro quadrado de imóveis residenciais em São Paulo passou de R$ 9.010 para R$ 10.703 (+18%), enquanto o valor médio nos bairros do centro foi de R$ 8.055 para R$ 8.852 (+9,89%).


Segundo o levantamento, o Bom Retiro é o bairro com o preço mais baixo de metro quadrado, chegando a R$ 6.603. O bairro assumiu o posto que antes era ocupado pela Sé.

O economista do DataZAP, Pedro Tenório, diz que a análise da região mostra que o centro não tem um conjunto homogêneo de bairros. Por isso, tanto em locação quanto em venda, há diferença de 50% ou mais entre os bairros mais baratos e os mais caros no centro.

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“Em venda, chama atenção como o bairro do Brás foi o único com crescimento de preço acima da média paulistana entre jan/19 e jan/24, registrando 26,7% de aumento ante a média de 21,5% de São Paulo. Já a Liberdade, bairro que tem tido muito destaque nos últimos anos, ficou quase estagnada em termos de preços: aumento de 1% em todo o período.”

Na visão de especialistas do setor imobiliário, uma retomada do centro como região viável para moradia ainda está distante da realidade. “Os restaurantes estão voltando, tem prédios sendo construídos, mas tudo isso ainda é uma gota no oceano. Não é o suficiente para uma virada”, diz o coordenador do curso de negócios imobiliários da FGV, Alberto Ajzental.

Segundo ele, se houvesse segurança, não haveria problema. “Mas isso ainda não foi resolvido. Independentemente da cifra investida pelo poder público, há essa questão prioritária. Sem isso, é jogar dinheiro pelo ralo”, diz.

O professor é cético em relação ao discurso de que a oferta de transporte é um grande diferencial. “O centro tem mais infraestrutura do que a periferia de SP, mas não tem mais do que os bons bairros. As boas lojas, bons shoppings e boas escolas já foram embora dali. O centro chegou a um ponto de deterioração para moradia. A retomada de uma zona mista, com moradias e empresas, é mais custosa e penosa”, diz.

Outros prédios estão sendo reformados e convertidos em moradias na região central, como é o caso do Basílio 177, antigo prédio da Telesp, e do Virgínia (Edifício Virgínia, lançado em 1949). No Basílio 177, são 274 apartamentos com tamanhos de 35 m² a 77 m² para um quarto e de 70 m² a 130 m² para dois quartos. As unidades vão custar a partir de R$ 1,3 milhão.

No edifício Virgínia, os quatro apartamentos por andar, com metragens de 160 m² e 180 m², irão se transformar em 121 apartamentos, com tamanhos de 26 m² a 182 m² e valor médio de R$ 13 mil por m².

Para Audrey Ponzoni, diretor de inteligência comercial da Lello, responsável pelo condomínio do Basílio 177, a segurança do empreendimento é uma preocupação que foi levada em conta desde o começo do projeto.

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“Agregamos tecnologia de segurança para não ter valor alto de mão de obra. Com um consultor de segurança, conseguimos isso. Usamos análise de dados de vídeos, que vão ficar mais baratos ao longo do tempo. Essa tecnologia pode gerar alertas de segurança. Também melhoramos a clausura para aumentar a segurança, evitar golpes, como tentativas de invasões”, diz Ponzoni.

Moradias populares

Para os empresários do mercado imobiliário especializados em projetos voltados para o público de baixa renda, o centro da capital paulista oferece oportunidades, mas os desafios ligados à segurança pública e aos prédios deteriorados e invadidos ainda são entraves para levar moradores para a região.

O presidente da construtora Cury, Fabio Cury, conta que o desafio do poder público em resolver a questão da segurança pública do centro da capital ainda afeta o desempenho de vendas de produtos imobiliários, ainda que dentro do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida.

“Temos projetos no centro, perto do Mercado Municipal, mas não efetivamente de revitalização. O centro hoje é um grande problema. Inclusive, estamos sofrendo com isso. É um dos nossos piores locais em vendas, apesar de o empreendimento ter um projeto arquitetônico, que não tem cara de baixa renda”, diz Cury. Segundo ele, a Cracolândia expandida gera um problema de segurança pública.

“É um dos poucos lugares com preço e produto bom que temos dificuldade de vender apartamentos. Enquanto o poder público não tiver uma solução ou pelo menos um caminho para resolver o problema, não é um bom momento para o centro de São Paulo.”

O presidente da Tenda, Rodrigo Osmo, acredita que, apesar dos desafios para o mercado imobiliário da região, o centro da cidade tem vantagens claras para o desenvolvimento de moradias, como a oferta abundante de transporte público. “A sede da nossa empresa fica no centro porque entendemos que a oferta de transporte e de serviços é inigualável.”

Segundo ele, a decisão da empresa de ir para o centro diz muito sobre o potencial da região. “Tem sido uma constante nas últimas administrações públicas tentar desenvolver moradias no centro, o que é muito inteligente por parte dos governantes. A infraestrutura está pronta. Mas a região não é trivial. Tem muitos imóveis invadidos e poucos terrenos disponíveis.”

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Já o presidente da incorporadora e construtora Plano&Plano, Rodrigo Luna, diz que os esforços da prefeitura e do governo do Estado vêm melhorando o centro da cidade, especialmente com ações de zeladoria e policiamento. “Agora a gente sabe que tem muita coisa para ser feita. Dito isso, eu vejo com muito otimismo. Quem tem a condição de morar no centro de São Paulo com este processo de revitalização vai morar num lugar com muita infraestrutura instalada, com mobilidade urbana e com mais qualidade de vida porque vai perder menos tempo no transporte no seu dia a dia”, afirma Luna.

Para o diretor de locação, pesquisa e saúde da CBRE, empresa especializada em prédios corporativos, Felipe Robert Giuliano, o retrofit também é uma tendência em escritórios, especialmente com a retomada do trabalho presencial após a pandemia de covid-19. Segundo especialistas, além de moradias, escritórios e comércios são essenciais para o desenvolvimento do centro como uma região mais habitável.

No caso das empresas, Giuliano diz que os esforços de retrofit, inclusive em bairros do centro, são para aumentar a sustentabilidade dos prédios e a modernização dos ambientes. “Com o retorno ao modelo presencial, a necessidade por espaços maiores, que atendam não apenas à demanda física de comodidade, mas também se adequem à cultura da empresa, o retrofit veio para promover essa transição em espaços onde prédios desatualizados ficaram vagos”, diz.

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